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26/04/2021

Engenheiro, novo reitor da Unicamp quer universidade voltada ao desenvolvimento

Rita Casaro – Comunicação SEESP

 



Reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde segunda-feira passada (19/4), o engenheiro de alimentos Antonio José de Almeida Meirelles, também conhecido como Tom Zé, aponta como prioridade imediata manter e fortalecer o papel da instituição no combate à pandemia do novo coronavírus que já causou quase 400 mil mortes no País. 
Outro pilar da gestão que se inicia, informa ele, é assegurar produção de conhecimento que se traduza em benefício à sociedade, tanto na forma de avanço científico, tecnológico, econômico e industrial, quanto na melhoria das condições de vida da população. “As universidades são locais que devem pensar o desenvolvimento baseado na democracia, no diálogo, na inclusão de todos os setores; os empresariais, mas também os carentes”, pondera.


posse tom ze fotoAntonioScarpinetti UnicampAntonio José de Almeida Meirelles, o Tom Zé, durante a posse à frente da Reitoria.
Foto: Antonio Scarpinetti/Unicamp
Professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), o novo reitor da Unicamp tomou posse após a nomeação em 15 de abril pelo governador do Estado, João Doria, que ratificou a escolha feita pelo Conselho Universitário da instituição e o resultado da eleição da qual participaram docentes, funcionários e alunos. Na votação em segundo turno, ele obteve 51,97% dos votos, com destaque para esmagadora preferência entre os estudantes: 5.205 votos desse grupo contra 1.288 recebidos pelo concorrente, o professor Mário Saad. Compõe a chapa como vice-reitora a professora da Faculdade de Medicina, Maria Luiza Moretti.


Nesta entrevista ao portal do SEESP, Tom Zé fala ainda sobre as possibilidades de geração de riqueza sustentável, desafio no qual a engenharia tem papel central, e as dificuldades enfrentadas atualmente para o financiamento da pós-graduação e da pesquisa devido aos cortes de verbas na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também na pauta o impacto da pandemia no ensino, que não voltará a ser o mesmo, e a importância de ações afirmativas que garantam o acesso amplo ao ensino superior de qualidade.  “O Brasil precisa ser um país de todos”, defende. Confira a seguir. 


Quais são os planos imediatos à frente da Reitoria da Unicamp?

Estamos num momento muito especial de dificuldades, com a pandemia, mas também devido a seus componentes na esfera econômica e na política. Então, nossa preocupação como instituição é principalmente dar uma resposta a esse quadro. A Unicamp tem uma área de saúde bastante significativa; temos quatro hospitais, o Hospital das Clínicas, o Hospital da Mulher, o Hemocentro e o Gastrocentro. Ainda, administramos sete ambulatórios médicos de especialidades e outros dois hospitais, em Sumaré e Piracicaba. A principal atividade neste momento é o envolvimento pleno da instituição no auxílio a essa área. Temos outras iniciativas que são voltadas a adquirirmos experiência, que envolve várias áreas da Unicamp, no tratamento da pandemia e que podem refletir em conhecimento para enfrentarmos situações similares no futuro. Temos GTs [grupos de trabalho], uma força-tarefa, voltados a isso. Por exemplo, um dos GTs faz exames e monitora, em populações mais vulneráveis, como está a contaminação, para auxiliar no controle da propagação da doença.  A área da saúde sempre foi muito importante na história da Unicamp. Esse elo com a sociedade na questão da assistência é muito forte e é um exemplo, para as outras áreas da universidade, dessa conexão com a região, com a sociedade, uma das coisas que queremos valorizar muito nesta gestão que está iniciando.


Como deve ser a atuação da universidade para fazer com que ensino e pesquisa tenham reflexo prático relevante na vida da população?

A Unicamp tem papel destacado nos seus programas de pós-graduação, que formam mestres e doutores e preparam pós-doutores. Esses constituem um local onde a nossa pesquisa aplicada e básica, em humanas, biológicas, tecnológicas, exatas tem os melhores resultados. Nisso a Unicamp já tem um êxito imenso, [inclusive] com cursos de graduação muito reconhecidos que formam profissionais para a nossa sociedade no sentido amplo, para atuar no Estado, nas empresas, nos pequenos empreendimentos. O impacto tecnológico é algo que pode ser muito ampliado, isso tem a dimensão do mundo privado e da universidade, que está muito aberta a essa colaboração. Nosso desejo é encarar a universidade como uma instituição que tem que servir à sociedade. A Unicamp já teve importância grande em políticas públicas, na área econômica, no desenvolvimento de tecnologias, como fibra ótica, industrialização da soja, pró-ácool, biodiesel. Essas são iniciativas que devemos hoje ampliar para que tenhamos impacto no desenvolvimento industrial, em particular aproveitando oportunidades importantes para o Brasil, como a questão da bioenergia, produtos naturais, economia sustentável. O nosso país reúne condições extremamente positivas para ter um desenvolvimento cada vez mais de acordo com as necessidades ambientais. Isso sem necessariamente de deixar de usar riquezas como o pré-sal. A universidade tem que estar aberta também a ajudar grupos vulneráveis a realizar empreendedorismo social, economia solidária. Garantir condições para que possam gerar negócios que melhorem a sua apropriação de renda e criem oportunidades. Podemos fazer isso com instituições públicas. A Unicamp forma cerca de 600 licenciados por ano, podemos ajudar a formular políticas para o ensino fundamental e médio. As universidades são locais que devem pensar o desenvolvimento baseado na democracia, no diálogo, na inclusão de todos os setores, os empresariais, mas também os carentes. Desenvolver uma sociedade que seja capaz de garantir justiça social e distribuição de renda tem que ser uma meta do conjunto do nosso país e a universidade tem que estar ao lado disso.

 

 

Um setor fundamental da economia nacional é o agronegócio. Qual o papel da engenharia, ciência e tecnologia na agregação de valor aos produtos desse setor?
O Brasil é um dos grandes produtores de alimentos, tem uma capacidade empresarial imensa nessa área, uma agroindústria e de processamento de alimentos muito fortes, com empresas nacionais relevantes. Temos muitas iniciativas de pequenos empreendimentos que podem disputar mercado externo. Temos uma variedade de competência empresarial grande e riqueza natural extrema, além de tradição e espaço no mundo. No contexto da problemática ambiental hoje, o Brasil é um país que pode aproveitar essa oportunidade para alavancar o seu desenvolvimento industrial em outro patamar, pode aspirar coisas muito maiores neste mundo. Sem dúvida, ciência e tecnologia são essenciais para isso. O Brasil teve êxitos na área civil e de petróleo e também na área de alimentos, fomos capazes de desenvolver alguns setores, como de frangos e carnes. O nosso setor de açúcar e álcool tem um desempenho bastante apreciável. O que nos falta? Aprofundar essa trajetória em termos de desenvolver uma economia baseada em recursos naturais que se difunda para a área da química fina de forma mais intensa em áreas que tradicionalmente dependem da petroquímica. Sabemos que algumas multinacionais vieram para o Brasil porque têm oportunidade de, com base no setor sucroalcooleiro, desenvolver produtos de maior valor agregado porque a fonte é natural. Isso não afeta só a produção de alimentos, mas vários aspectos da indústria de transformação que pode ter nas matérias-primas agropecuárias a fonte para produtos com menor impacto. Isso teria que ser assumido como projeto dos governos. Nosso setor agroindustrial é extremamente competitivo, mas às vezes têm dificuldade de assumir os riscos envolvidos na estratégia de agregar valor porque não tem mercado garantido, aumenta a incerteza, já está ganhando com as commodities. Então o Estado tem esse papel, atraindo instituições como a Unicamp para fazer parte de uma ação de parceria. As empresas tomam iniciativas, mas ainda são tímidas em face das oportunidades, que são imensas.


Como o senhor avalia a situação em relação aos recursos para pesquisa no Brasil atualmente?

São sem dúvida preocupantes as dificuldades pelas quais passamos atualmente, principalmente no financiamento à pós-graduação. Basicamente, a pesquisa no Brasil acontece nas universidades vinculada à formação de mestres e doutores. No Estado de São Paulo, a gente sempre teve uma parceria excelente com a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], mas a pós-graduação é muito maior, então sempre tivemos muito suporte do governo federal. Na pesquisa, através do CNPq, e na pós-graduação, através da Capes. Essas são verbas extraorçamentárias, mas são essenciais para manter a qualidade do nosso trabalho. Temos nos esforçado para minimizar as decisões negativas a respeito, nos manifestando junto aos órgãos do governo federal, onde temos o maior problema. Temos procurado nos aproximar mais do mundo empresarial e de fundações que possam fazer financiamentos alternativos. Na Unicamp, tem duas iniciativas muito importantes. Uma é a Inova, nossa agência de inovação, que já tem muita tradição. Outra é um projeto que está sendo iniciado e envolve muitas parcerias. É o Hids, o Hub Internacional para o desenvolvimento Sustentável. São fontes adicionais de recursos para desenvolver projetos não só de prestação de serviços a empresas, mas também de formação de pessoas, ou seja, desenvolver ciência e tecnologia para ter impacto maior na sociedade. Nossa estratégia é multifacetada. Uma outra iniciativa são os fundos patrimoniais em que ex-alunos, pessoas do mundo privado que queiram ajudar, coloquem recursos.

 

tom ze fotoUnicampEntre os impactos da pandemia sobre o ensino, afirma o Reitor, está a perda de convivência no ambiente da universidade, "que é único". Foto: UnicampComo a pandemia afetou o ensino na universidade de um modo geral e, em particular, na engenharia?

Nós nos adaptamos com uma certa velocidade ao ensino basicamente remoto. Essa adaptação não foi fácil porque a experiência não era difundida. Com certeza não era entre os alunos e era pouco no interior do quadro docente. Mas a necessidade era tão premente que conseguimos fazer a transição rapidamente. As áreas mais complicadas são as biológicas; eu destacaria a medicina e a odontologia, porque boa parte da formação exige contato direto com o paciente. Estamos agora reformando as clínicas de odontologia na Faculdade de Piracicaba, que é da Unicamp. Na medicina, teve bastante impacto e estamos ainda no processo de adaptação. Nas áreas tecnológicas e exatas, tivemos que desenvolver técnicas de laboratório virtual. Isso obviamente tem algum impacto no ensino. O presencial é insubstituível, ainda que possamos cada vez mais usar ferramentas remotas. Mas a nossa ideia no futuro, quando voltar à normalidade, é que essa combinação tem que ser bem discutida e planejada para ser uma melhoria do ensino. Encontrar estratégia que combine o remoto ao presencial. Por exemplo, o uso das mídias permite ao aluno ver uma aula mais de uma vez. Isso pode ser usado de várias formas, tanto para fortalecer o ensino presencial quanto para prepará-lo. O pós-pandemia será diferente e estamos mais abertos ao uso desses instrumentos.


Se há uma coisa que a gente deve lamentar pela nossa própria experiência de pessoas que frequentaram a universidade é saber que estamos entrando no segundo ano e que os calouros não andaram pelas ruas, praças, espaços da Unicamp; não participaram das atividades sociais e culturais. A universidade é esse ambiente único, aberto, que gera uma perspectiva às pessoas muito diferente do que viveram fora daqui. Eu espero que a gente consiga retomar isso logo. [Nesse sentido], o que tem que desejar, e fazer a nossa parte de pressão, é que a vacinação se acelere, é uma pena que não esteja andando a contento como poderia.

 

A Unicamp tem sido vanguarda nas políticas de inclusão social e étnico-racial. O senhor mencionou na sua posse a disposição de dar continuidade a essa linha com ênfase à permanência dos alunos. O que precisa ser alcançado nesse quesito e como isso será feito?

A inclusão envolve diferentes dimensões. Nós resolvemos bem a questão da entrada. A Unicamp tem hoje uma política de inclusão que não é exclusivamente cota, combina vários mecanismos que acabam refletindo bem a composição da nossa sociedade. A dificuldade da permanência tem diferentes componentes, não só o social. Tem pessoas que passam a ter dificuldade de renda para estudar e aí temos várias bolsas de apoio. Tem uma dimensão didática. Como são pessoas que muitas vezes foram negligenciadas, entrar num ambiente que é muito competitivo gera problemas pedagógicos e psicológicos. A universidade tem que estar preparada para ajudar, ser acolhedora. Eu sou uma pessoa que passei por muita dificuldade para estudar. Minha mãe tinha sete filhos e ficou viúva aos 42 anos. Minha irmã mais velha tinha 15 anos e o mais novo tinha dois, minha mãe era professora primária. Se você não tiver o suporte da família, de professores, às vezes é difícil resistir a um ambiente adverso, em que a questão do mérito está sempre envolvida. Um aluno, para fazer um trabalho de iniciação científica, se tem uma reprovação, tem mais dificuldade de conseguir uma bolsa, um orientador. Vou dar um exemplo que é o que mais chama a atenção. A Unicamp tem mais de 100 estudantes indígenas, muitos vêm da Amazônia. Só a própria ambientação já é uma questão. Estamos com a ideia de admitir na trajetória desses estudantes um ano a mais na formação. Para alguns desses, o português é a segunda língua, não a primeira. Vamos investir também nesse processo de preparação. Gostaria de destacar que – [como] às vezes as pessoas dizem “mas vocês vão gastar dinheiro com isso” – nós vamos é resolver problemas. Qual o sentido de ter uma política de inclusão que não leve ao êxito dessas pessoas? Que não leve a que elas, por mérito próprio – não queremos facilitar a trajetória, mas sim melhorar as condições – conquistem esse objetivo? E muitos, no caso dos indígenas, querem voltar a suas terras de origem para ajudar no desenvolvimento. Esse é um exemplo importante [de ação] para que País tenha um futuro diferente do seu passado e até um pouco do seu presente. O Brasil precisa ser um país de todos.

 

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Comentários  
# Entrevista reitor da UnicampRosângela Ribeiro Gi 26-04-2021 09:14
Devorei essa entrevista tão bacana, tão sincera e tão humana. Faz bem saber que ainda somos humanos no Brasil, movidos por propósitos solidários e não de ódio.
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