Carlos Magno Corrêa Dias *
A humanidade segue trilhando os caminhos que levem o homem a se integrar cada vez mais com os mundos híbridos dos chamados sistemas cyber-físicos nos quais se objetiva integra o mundo físico ao mundo computacional dependente, principalmente, da IA (Inteligência Artificial) a qual, por sua vez, avança espantosamente.
Na verdade, caberia uma correção, quanto ao termo “humanidade” utilizado no parágrafo anterior haja vista que o mais adequado fosse utilizar “os iniciados em computação, os incluídos no mundo digital, aqueles que podem decidir (ainda) nos meios tecnológicos”, no lugar de “a humanidade”, pois bem se sabe não é “a humanidade” com seus bilhões de pessoas excluídas das decisões tecnológicas que desejam tudo aquilo que as tecnológicas podem oferecer (ou, em última análise, poderão usufruir das inúmeras vantagens ou benefícios prometidos).
Seja como for, mantenha-se, entretanto, a generalização como se “a humanidade” assim desejasse (ou pudesse) ter, de fato, tudo o quanto as tecnologias podem oferecer para os homens viver melhor.
No caminho desta busca por soluções cada vez mais automatizadas onde a presença do trabalho humano é cada vez mais especializado e técnico encontram-se estudos que pretendem a criação de dispositivos que sejam capazes de simular o aprendizado ou aquisição de conhecimento como se fosse realizado algo idêntico ao do cérebro humano.
Conectar o cérebro humano aos computadores seja por meio de fios externos ou mesmo por meio de chips implantados na cabeça de uma pessoa é um sonho de muitos pesquisadores que vem se tornando cada vez mais efetivo.
Todavia, o homem começa a dar um passo (talvez) além daquela simplicidade considerada no parágrafo precedente, pois a intenção é aprimorar circuitos que possam “aprender” sem qualquer conexão fixa com os seres humanos. Neste sentido, surgiram estudos que dão conta que circuitos de “plástico” poderão aprender como os humanos apenas por meio da associação (sem qualquer interligação).
Os circuitos em questão são construídos com um misto de transistores sinápticos eletroquímicos e orgânicos que podem processar e armazenar informações de forma algo muito semelhante ao processado na mente humana. Estes transistores de plástico orgânico conseguem imitar as funções da sinapse biológica humana de maneira muito eficiente.
O cérebro humano tem a capacidade de integração multissensorial devido à plasticidade das sinapses que executam seus trabalhos de maneira paralela.
O cérebro humano sadio (sempre em desenvolvimento) é muito sensível ao ambiente de forma que estímulos ambientais modificam, necessariamente, a estrutura dos seus circuitos neurais continua e constantemente e fazem com que as sinapses sujeitas à ação dos neurotransmissores sejam cada vez mais eficientes por meio de atividade elétrica e mensageiros químicos. No cérebro humano coexistem a plasticidade e a especificação prévia no processo de aprender.
A grande dificuldade tecnológica efetiva para que máquinas pudessem “aprender” estava no fato que sistemas comuns de computação apresentavam unidades de processamento e de armazenamento separadas. Assim, ao serem exigidas a transferir quantidades muito grande de dados todo o processo consumia enormes quantidades de energia. Mas, agora este trabalho passa a ser otimizado ao se combinar computação e armazenamento de dados em matrizes que funcionam tipo uma espécie de rede de neurônios. O problema de memória e lógica dos computadores trabalharem fisicamente em separado não é mais um obstáculo para que máquinas realmente possam aprender no sentido lato do termo “aprender”.
Ao se “juntar” armazenamento e lógica os computadores poderão economizar espaço e energia sendo importante salientar que o novo dispositivo possui material plástico condutivo dentro do transistor eletroquímico orgânico que é capaz de capturar íons.
No cérebro humano uma sinapse ocorre quando um neurônio transmite sinais para outro neurônio por meio dos neurotransmissores. Os neurotransmissores liberados na transmissão de sinais entre neurônios são mensageiros químicos que comunicam mensagens do neurônio pré-sináptico (o neurônio que envia o sinal) para o neurônio pós-sináptico (o neurônio que recebe o sinal).
Mais simplificadamente a sinapse é uma região de proximidade entre um neurônio e outra célula por onde é transmitido o impulso nervoso. Todo neurônio faz sinapses com diversos outros neurônios.
No transistor sináptico proposto os íons apresentam comportamento parecido quando enviam sinais entre os terminais para formar sinapses artificiais. Literalmente, então, a retenção de dados dos íons aprisionados faz com que o transistor se lembre de atividades que já praticadas (o que é, por sua vez, fundamental para se aprender).
Uma nova era, então, tem seu início. O futuro do efetivo aprendizado das máquinas já começou. Cérebros artificiais começarão a aprender por meio da realização de sucessivas sinapses tanto quanto os humanos o podem fazer. Se havia algum limite operacional para a IA avançar indefinidamente, parece não haver mais. A IA deixará de ser uma imitação dos comportamentos passados dos seres humanos.
Realizando suas próprias sinapses os algoritmos de IA não mais serão apenas uma tentativa de se substitui as decisões das pessoas e passarão a ter o poder de tomar efetivamente decisões no lugar dos emocionais seres humanos.
A despeito dos transistores de “plástico” sinápticos cabe pontuar que a precisão da IA sempre dependeu, na maioria das vezes, tanto da qualidade dos dados quanto dos parâmetros reunidos nos correspondentes algoritmos que controlavam os processos gerenciadas pela correspondente IA.
Assim, é inegável que a IA que se desenvolve em determinado processo, invariavelmente, traduz o pensamento e valores daqueles que compilaram os algoritmos que a gerou. Sempre existiu, a partir da primeira linha de programa do algoritmo de IA, um alguém com uma vida pregressa e com uma experiência que o moldou a ser aquilo que entende ser.
Logo, a despeito de sua independência quase completamente automatizada, não é lícito pensar que IA seja neutra, objetiva e infalível no sentido estrito destes termos.
Seria, então, muito difícil defender que os algoritmos que geram os sistemas baseados em IA e os próprios sistemas de IA sejam completamente éticos, justos ou transparentes. Quaisquer processos automatizados ainda têm sua origem no passado (mesmo que próximo) de alguém e tal fato implica inúmeras problemáticas que vão muito além da simples resolução automática de problemas ou na tomada de decisões computadorizada; dado que não se tem certeza alguma para se afirmar que os algoritmos que deram origem a determinada forma de IA não replicam, por exemplo, processos discriminatórios ou preconceituosos.
Além do mais deve-se observar que sempre os algoritmos de IA foram criados no passado de uma realidade presente mesmo que esteja muito próximo este passado da atualidade onde os fatos acontecem. Este fato pode trazer consequências desastrosas.
Imagine-se, por exemplo, um algoritmo de IA excelente, elaborado pelos melhores especialistas e segundo a mais apurada técnica que avalia a culpabilidade dos indivíduos perante um determinado ato criminoso cuja sentença maior é amputar a mão direita imediatamente no próprio tribunal caso o indivíduo julgado seja considerado culpado.
Pois, bem. Suponha, então, que um dado indivíduo tenha sido julgado culpado e tenha sua mão amputada sumariamente segundo a lei correspondente. Ainda no campo da suposição admita-se que a lei em questão tenha sido atualizada uma semana antes daquele julgamento e por algum motivo “humano” não tenha sido possível atualizar o algoritmo incluindo as novas regras que inocentariam a pessoa julgada. Impossível? Claro que não.
O exemplo tomado é extremo, mas existem muitos outros que ocorrem no dia a dia das pessoas como aqueles algoritmos de IA que avaliam as condições para liberação de crédito em bancos, selecionam candidatos em concursos, escolhem produtos segundo determinados critérios de qualidade, enfim, há diversos processos de IA que se baseiam sempre em condições passadas que para a tomada de decisão é necessário consultar um banco de informações que não são, na maioria das vezes, atuais, online.
Veja que sequer está se levando em conta as inúmeras dificuldades relacionadas à questão da energia gasta para acessar dados. Até o advento dos transistores sinápticos os algoritmos de IA não possuíam atalhos para a tomada de decisão, não conseguindo realizar (efetivamente) rapidamente associações com base em experiências e cenários vivenciados para a tomada de decisões conhecidas e seguras.
Uma máquina por maior que seja seu banco de dados é limitada e assim está sujeita não necessariamente a cometer apenas “erros” de lógica, mas sim a promover processos discriminatórios que podem disseminar desigualdades ainda maiores entre as pessoas.
“Alfa premissas levam à beta conclusão". Retire uma premissa fundamental e a conclusão não mais será a mesma. Acrescente-se novas premissas e, também, a conclusão vai mudar. Não existe esta da “tecnologia ser imparcial”. Mas, a máquina não erra. Sim, fato. Mas, os algoritmos são processos matemáticos e inicialmente criados por pessoas que podem ser discriminatórias sob vários aspectos até mesmo sem o saber. É fato: “uma vírgula altera toda a comunicação”. É regra: “o algoritmo não pensa, mas quem o codifica pensa e sempre tem intensões”. “Alfa premissas levam a beta conclusão”.
Mas, com os transistores de “plástico” sinápticos tudo muda, pois como no cérebro humano onde os neurônios conduzem mensagens instantaneamente por meio das ligações sinápticas infinitos contatos eletrônicos sinápticos passam a ser possíveis.
Cabe, então, frisar que embora os algoritmos de IA estejam prontos a partir da concepção de um dado dispositivo ou processo as sinapses se formarão com a experiência. Toda vez que a IA reconhecer uma dada operação irá acionar uma sequência específica de procedimentos realizando tantas sinapses quanto forem necessárias para concluir a tarefa e não mais irá se limitar a acionar um banco de dados estático finito.
Por meio das sinapses eletrônicas as máquinas vão aprender a decidir “sozinhas” e vão decidir “independentemente” dos algoritmos de IA criados inicialmente pelos homens. A transmissão sináptica ou comunicação neural das máquinas fará com que os cérebros eletrônicos não mais dependam exclusivamente de comandos humanos para se desenvolver.
Então, com os cérebros de plástico sinápticos acabarão os problemas de ordem ética, moral ou de transparência? Os processos automatizados serão daqui por diante justos e corretos? Acabarão possíveis influências discriminatórias ou preconceituosas na tomada de decisão dos procedimentos centrados na IA?
Possivelmente a situação se complicará ainda mais se os humanos não se atentarem emergencialmente para toda gama de problemas envolvida, pois é necessário entender que a partir do momento que um organismo consegue realizar sinapses com funções algo semelhantes às dos seres humanos além de aprender pela experiência passarão a “apreender” o conhecimento e poderão conectar todos os seus circuitos periféricos de forma a estabelecer sua total independência e desenvolver, também, sua “memória” e não mais ficar dependente de um banco de dados alimentados inicialmente por humanos ou gerado primariamente por algoritmos que trazem o entendimento da humanidade.
Numa análise futurista significa que os padrões implantados pelos algoritmos de IA rapidamente serão abandonados pelo cérebro de “plástico” sináptico que fará suas próprias inferências a partir das premissas que irá escolher e armazenar promovendo interconexão seguida e continuamente.
Assim, é necessário entender esta nova realidade o quanto antes e se preparar para uma conjuntura social na qual a interação homem-máquina passará a ser uma convivência homem-máquina e que avançará vários degraus muito mais rapidamente na complexa escada da evolução. Do contrário, é bem possível que os cérebros de plástico sinápticos venham escravizar sim muito em breve os humanos como seus servos.
* é professor, pesquisador, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).