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06/03/2023

Ideias para garantir desenvolvimento ao País e vida digna à população

Soraya Misleh/Comunicação SEESP

Fotos: Beatriz Arruda

 

Após uma abertura bastante representativa, com a presença inclusive do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, a tarde desta segunda-feira (6/3) foi dedicada à apresentação de síntese das notas técnicas escritas pelos consultores do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, seguida de debate com o público.

 

Sob o mote “Hora de avançar – Propostas para uma nação soberana, próspera e com justiça social”, a 10ª. edição da iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), que conta com o apoio dos seus 18 sindicatos filiados, entre os quais o SEESP, foi lançada no auditório dessa última entidade, na Capital, ao longo do dia.

 

Mesa de apresentação de notas técnicas que compõem a nova edição do "Cresce Brasil". 

A mediação coube a Fernando Palmezan, coordenador do “Cresce Brasil”. Ele salientou a necessidade de o País contar com pessoal técnico, refletida na iniciativa ora lançada, apresentando propostas factíveis à retomada do desenvolvimento nacional sustentável ao encontro das demandas mais sentidas na atualidade.

 

Assim, a publicação aborda os temas ciência, tecnologia e inovação; reindustrialização; agropecuária; energia; mobilidade; engenharia de manutenção; ensino de engenharia; habitação e desenvolvimento urbano. Os autores das notas técnicas sobre estes últimos temas – José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC); e Reinaldo Iapequino, ex-secretário executivo da Habitação do Estado de São Paulo; não puderam comparecer.

 

Confira aqui a nova edição do “Cresce Brasil”

 

Reindustrialização

 

Autor da nota técnica “Reindustrialização ou a nova industrialização”, o engenheiro Carlos Monte traçou histórico do processo de industrialização no País, cuja fase áurea se deu entre as décadas de 1930 e 1980 – o que alçou o Brasil a uma das dez maiores economias do mundo –, até sua “decadência gradual”, vindo a ser superado por países bem mais atrasados como Coreia do Sul, Indonésia, Índia e China. Entre os fatores para tanto, ele mencionou taxas de câmbio irrealistas e juros elevados – os quais “contribuíram para o crescimento do rentismo”.

 

Carlos Monte fala sobre reindustrialização.

 

Coordenador técnico do “Cresce Brasil”, projeto do qual participa desde seu início em 2006, ele enfatizou a importância do tema em questão: “Industrialização é o principal motor da economia, ocupa pessoas que tem maiores salários, contribui para o crescimento do PIB”.

 

Carlos Monte destacou as estratégias para reverter o quadro atual, que contemplam dois segmentos distintos: alta tecnologia, com prioridade aos complexos industriais de defesa, saúde, agronegócio, energia e telecomunicações, com produção de sistemas inteligentes; e a recuperação de áreas consolidadas como construção civil, saneamento, alimentos, metalomecânica e papel e celulose. Ele mencionou ainda materiais hospitalares e defensivos agrícolas.

 

Quanto aos últimos, afirmou: “O Brasil produz no máximo 20% do que precisa. A Petrobras estava vendendo fábrica de fertilizantes nitrogenados em Três Lagoas [MS] para empresa russa, o governo impediu esse processo, e a produção vai ser retomada assim que possível.”

 

Para uma nova industrialização ou reindustrialização, propugnou a necessidade de “reforma tributária adequada”. Na sua análise, os altos impostos penalizam o setor. “É preciso retomar o domínio brasileiro sobre nossos bens, valores, insumos, e isso depende de política governamental.”

 

Hélice tríplice

 

Esse retrocesso já tem mais de duas décadas, como apontou o professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e diretor do centro de inovação da instituição InovaUSP, também engenheiro Marcelo Knörich Zuffo. “Há um déficit na área eletrônica de R$ 250 bilhões. Entregar a indústria para o modelo liberal no processo democrático resultou nessa catástrofe hoje.”

 

Marcelo Zuffo discorre sobre caminhos à inovação tecnológica.

 

Apresentando a nota técnica de sua autoria, intitulada “Investimentos em PD&I: fazer a hélice tríplice girar mais rápido”, ele defende que o País invista em setores de alto valor agregado, como o de semicondutores, além de fármacos e vacinas. “Há grandes oportunidades, a cidade de São Paulo é a 16ª. mais inovadora do mundo. Temos demanda”, vaticinou.

 

Conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicados por Zuffo, a cada engenheiro contratado são gerados dez a 20 empregos diretos. E quem garante isso, com valor agregado, é a indústria. “Após a Intel se mudar para a Costa Rica, seu IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] superou o do Brasil.”

 

Ele concluiu: “É preciso fortalecer as cadeias de inovação, focando nesse ecossistema no modelo hélice tríplice [em que universidades, indústria e governo interagem para promover o desenvolvimento] em setores estratégicos como o de semicondutores, o que é o grande desafio.” Apostando que esse é o futuro, Zuffo observa que “quando o Brasil descobrir como usar chip para salvar a Amazônia  será uma potência” nesse segmento.

 

Além disso, a inovação tecnológica deve também estar voltada ao agronegócio e à indústria da energia, dadas as vantagens naturais do País para liderar mundialmente a transição energética para renováveis. “A costa brasileira tem potencial eólico de 21 Itaipus.”

 

Setor energético

 

A professora da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarice Ferraz observou que o processo de “neoindustrialização se dará em tempos de descarbonização”. Nessa direção, pontuou: “A natureza do setor agora é outra, tem que se adaptar, e nesse mundo em transformação de profunda incerteza, elemento essencial é o papel do Estado.”

 

Ferraz, que é diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), apresentou a nota técnica de sua autoria intitulada “Desafios na reestruturação do setor energético brasileiro”.

 

Clarice Ferraz coloca em pauta reestruturação do setor energético.

 

Ela ressaltou que, em meio ao que denominou “crise ecológica”, o País é chamado a liderar o processo de transição energética mundial, mas que o processo de produção eólica e solar nem sempre leva à descarbonização.  “Não basta expandir em renováveis, precisa de armazenamento.”

 

Além disso, como indicado na nota, deve-se incluir um amplo programa de eficiência energética e geração limpa. A proposta, portanto, é pensar a transição levando-se em conta a requalificação do trabalho e a crucial soberania nacional.

 

“O mundo vive uma corrida tecnológica, e a joia do Brasil é o sistema interligado nacional. “Olhar para o setor como um sistema com capacidade de coordenação é o que vai permitir avançar nessa agenda”, aposta. Ponto fundamental ainda, como propugnou, é rever a privatização da Eletrobras, que deve desestruturar toda a cadeia a sua volta no setor elétrico.

 

Agricultura sustentável

 

“O que se busca hoje é uma visão moderna de progresso e desenvolvimento, que leve em conta os aspectos social, ambiental e de capital humano.” Assim o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), engenheiro Paulo Estevão Cruvinel, iniciou a apresentação de sua nota técnica “Produção sustentável e com valor agregado”.

 

Paulo Estevão Cruvinel aborda projetos à agricultura sustentável. 

Sob essa ótica, defende um conjunto de projetos estruturantes para as próximas décadas visando uma agricultura sustentável, em atendimento à sociedade e considerando as assimetrias mundiais.

 

“Países onde a população mais cresce são os que menos podem produzir alimentos. E a projeção é de mais de 10 bilhões de pessoas para 2050 [no planeta]. A maior parte da biodiversidade mundial está estruturada nos trópicos. O Brasil detém praticamente 2/3. Portanto, um processo alicerçado no desenvolvimento local e regional é importante, balizado na realidade mundial”, detalhou.

 

As bases para tanto, informou Cruvinel, são os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e os paradigmas ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês). Nesse sentido, é preciso, frisou, “integrar o etnoconhecimento ao estado da arte da agricultura e da ciência”, orientando política pública que atenda a diversidade nacional.

 

Isso deve ser levado, conforme o pesquisador da Embrapa, à cadeia de valor da agropecuária. “No Brasil há quase 4 milhões de pequenos produtores que precisam ser incluídos nesse processo, que precisa ser olhado na relação rural-urbano, a qual deve ser rediscutida, construindo-se pontes. Trinta e sete por cento dos empregos estão na área da agricultura.”

 

Os projetos estruturantes para se alcançar sustentabilidade no segmento têm, segundo Cruvinel, como “pano de fundo a agregação de valor”.

 

Cidades

 

Coube ao engenheiro Marco Aurélio Cabral Pinto, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), falar sobre outro tema fundamental: a questão da urbanização acelerada no País e seus impactos. Autor da nota técnica “Engenharia nas cidades para melhorar a vida da população”, ele lembrou que nos anos 1970 o País contava 90 milhões e habitantes, dos quais 50% na zona urbana; hoje são 210 milhões, 85% dos quais nas cidades.

 

Marco Aurélio Cabral Pinto apresenta propostas à melhoria das condições de vida nas cidades. 

A desigualdade social é uma consequência desse processo, agravado pelo processo de desindustrialização e destruição de empregos. Conforme enfatizou, municípios pequenos, a partir de 50 mil habitantes, já contam contingente de miseráveis.

 

A engenharia brasileira deve ser chamada a assumir seu protagonismo. Afinal, como lembrou, fez obras incríveis, garantindo “saída para o Pacífico e construção de mais uma etapa do projeto de energia nuclear”.

 

Ele continuou: “Nas cidades há um núcleo próspero que abriga a maioria branca que tem os serviços de melhor qualidade. As pessoas estão convivendo de maneira muito próxima com a miséria desagregadora. O ‘Cresce Brasil’ de hoje é o que podemos fazer hoje: investir em infraestrutura com vistas a levar melhor serviços públicos. Abandonar o sonho de sua universalização é abandonar um projeto para o Brasil.”

 

Ao lado de investimentos na ampliação da infraestrutura em áreas essenciais, em sua nota técnica, Cabral Pinto retoma a proposta da FNE de se instituir Engenharia de Manutenção nas administrações públicas, com dotação orçamentária e quadro técnico próprio, para evitar a deterioração dos equipamentos públicos e das cidades.

 

Mobilidade urbana

 

Os temas incluídos no “Cresce Brasil” imbricam-se com a mobilidade urbana, na visão de Jurandir Fernandes. Coordenador do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do Conselho Tecnológico do SEESP, ele comentou sobre a nota técnica de autoria desse grupo. Um dos exemplos é quanto à questão das mudanças climáticas e a eletrificação da frota de transporte coletivo.

 

Jurandir Fernandes apresenta o tema da mobilidade urbana. À sua esquerda, Fernando Palmezan. 

Ademais, informou: “Sofremos com a queda de passageiros há duas décadas. Já temos alguns diagnósticos. Há mudanças tecnológicas substanciais e de comportamento. Além de investimentos, Fernandes trouxe a proposta de projetos urbanos integrados, aproximando a moradia do trabalho, estudo, comércio e lazer.

 

Aliada a isso, a digitalização dos serviços públicos “para que a população tenha menos necessidade de se deslocar”.

Fernandes concluiu: “Somos otimistas. Devemos abraçar a causa da ação conjunta, levar adiante e fazer.”

 

Educação

 

“Um projeto para a formação de engenheiros” é o tema da nota técnica de autoria do professor da Poli/USP e coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, José Roberto Cardoso. Ele contou que ao falar para alunos que começam a graduação na área, sempre lhes informa que “o País tem um patrimônio que se chama engenharia”.

 

José Roberto Cardoso expõe propostas ao ensino de engenharia.

 

Entre os exemplos, mencionou a agropecuária bem sucedida e a tecnologia de extração de petróleo em águas profundas, além das aeronaves. “Há mais aviões brasileiros voando nos Estados Unidos do que americanos”, orgulha-se.

 

Não obstante, Cardoso lamentou: “Esse patrimônio está sendo dilapidado, não estamos estimulando esse protagonismo. No sistema de ensino são oferecidas mais de 2 milhões de vagas, e há em torno de 1,8 milhão de inscritos. Em 2017 eram 1,4 milhão de estudantes, em 2022, menos de 800 mil. Perdemos em mais de 40% o interesse dos jovens nas engenharias.”

 

O professor da Poli/USP criticou o fato de a estrutura curricular ser “muito cristalizada”, e a escola de engenharia não fornecer a visão que antecede o processo produtivo, a partir da extração dos materiais, que vêm de “uma mina, uma floresta ou um poço de petróleo”. Isso tem impactos socioambientais. Assim, vaticinou: “A escola deve encarar esse desafio, o que não é fácil.”

 

Ele também observou que a partir dos anos 1950 a quantidade de teoria passou a superar a prática, outra mudança que propõe. “Parece que as escolas estão formando engenheiros para concorrer a doutorado, não para o mercado”, ilustrou.

 

Além da necessidade dessas revisões no sistema de ensino, Cardoso explicou que as Novas Diretrizes Curriculares dão ênfase ao desenvolvimento de competências, tais como saber se comunicar e trabalhar em equipe, aproximando a engenharia das humanidades. Também é preciso formar profissionais da área “com visão sistêmica, com capacidade de aceitar a interdisciplinaridade. “Precisamos impactar a sociedade com nosso trabalho. Dos 17 ODS, 13 precisam de engenharia para se atingir a meta.”

 

Ele sintetizou: “Precisamos do ‘Cresce Brasil’ funcionando, a gente que vai colocar o País no seu devido lugar.” Simultaneamente, recuperando o protagonismo e valorização da engenharia nacional.

 

Confira a apresentação dos consultores da nova edição do “Cresce Brasil” na íntegra:

 

 

 

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