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02/08/2012

Três desafios que impedem Brasil de ser um país de engenheiros

Poucas categorias profissionais ganharam tanto prestígio na história recente do Brasil quanto os engenheiros. Seja por causa do pré-sal, seja pelas obras da Copa e das Olimpíadas, só se fala que o país precisa de mais engenheiros. Advogados já temos demais, argumentam alguns.

Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que, até 2014, o Brasil vai demandar 90 mil novos engenheiros no mercado de trabalho, somados aos 854 mil inscritos hoje no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Tal número já é considerado praticamente inalcançável, na avaliação da própria CNI.

Com isso, o país importa mão de obra e aumenta os salários de quem já está dentro do mercado. De 2011 para cá, 6 dos 20 cargos que mais tiveram valorização salarial são engenharias, segundo o site de emprego Catho. O salário médio para um profissional na área de petróleo e gás (o site não especifica o nível de conhecimento) passou de 5,6 mil reais para 8,8 mil reais entre um ano e outro, com uma valorização de 55%.

Não se pode dizer que o Brasil não reagiu à demanda nos últimos anos. Entre 2001 e 2010, o número de formandos em Engenharia mais do que duplicou, saindo de 18 mil para mais de 41 mil. Os números de cursos e vagas cresceram de maneira exponencialmente maior que o PIB. Para o Confea, o Brasil começou a responder ao estímulo por desenvolvimento depois da letargia econômica das décadas de 80 e 90.

Mesmo assim, ainda estamos atrás na corrida por tecnologia. Dados do Banco Mundial compilados pelo professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Vanderli de Oliveira, mostram que 27% dos estudantes da Rússia estão matriculados em cursos relacionados à tecnologia, incluindo engenharia, enquanto no Brasil são 9% e, na China, 14%.

Confira três mudanças que o Brasil precisa levar adiante para ficar em dia com os profissionais engenheiros.

1) Educação na base

Desafio: fazer mais gente se interessar por engenharia

Na última edição do PISA, o teste internacional de avaliação da educação, o Brasil não foi bem em ciência e leitura (para ambas as disciplinas ficou na 53ª posição, de um total de 65 países), mas foi um pouquinho pior em matemática (57º). Trata-se de um sintoma de fácil detecção: muitos alunos preferem passar longe dos números.

Embora alguns cursos de engenharia já há alguns anos estejam entre os mais concorridos nas universidades públicas (no vestibular da USP do ano passado, engenharia civil ficou à frente de medicina), quase 40% das vagas ficam ociosas, com concentração nas universidades particulares. Ter mais engenheiros no Brasil significa conseguir que mais alunos não tenham medo - e gostem - de matemática e física.

“O professor morre de medo da matemática porque ele não sabe (o conteúdo). Na pedagogia, todo mundo morre de medo”, afirma o pesquisador em educação Cláudio de Moura Castro, sobre o fato dos professores do ensino básico terem pouca afinidade com ciências exatas.

No caso de professores que se graduaram em matemática, o problema é inverso. “Eles receberam uma formação de matemática avançada, mas nunca ninguém ensinou como se chega em uma sala e ensina fração ou regra de 3”, diz Castro.

2) Evasão

Desafio: quem quiser engenharia, tem que querer ficar até o final

Dos alunos que começam algum curso de engenharia, 43% não o terminam, segundo a Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge). A grande maioria desiste logo nos primeiros dois semestres. Ou seja, dos brasileiros que se dispõem a enfrentar os números, grande parte acaba desistindo no meio da empreitada.

“O sujeito não vem bem preparado, não acompanha e abandona. Ele prefere outros cursos onde teoricamente é mais fácil progredir”, afirma Vanderli de Oliveira, da UFJF e diretor da Abenge.

Terminar com a evasão é um dos principais pontos do programa Pró-Engenharia, traçado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e enviado em 2011 para análise do Ministério da Educação, mas que ainda não saiu do papel. O problema, segundo Vanderli, não é exclusivamente brasileiro e as universidades não podem se furtar de lutar contra este cenário.

“Não adianta colocar a culpa no ensino médio. Temos que recuperar o aluno que chega para que ele não abandone”, afirma o diretor da Abenge.

O especialista Cláudio de Moura Castro ressalta que as universidade de engenharia têm que repensar os próprios currículos, pois ensinam muito mais do que o aluno precisa e não se adaptam a ele. ”Você tem que ajustar a dificuldade do curso ao aluno. Se ele chega no ensino superior, o pior que se pode oferecer é uma matemática que está acima do nível dele. Um problema adicional nosso é que temos uma grande relutância em aceitar que o aluno não sabe quase nada. O ensino brasileiro tem vergonha”, destaca.

O resultado é que a evasão nas públicas gira em torno de 40%, mas nas privadas, onde muitas vagas já estão ociosas, o índice chega a 60%, segundo a Abenge.

3) Engenheiros fora da engenharia

Desafio: quem cursar e concluir engenharia, tem que visualizar carreira na área

Quando a CNI calcula que o Brasil vai precisar de 90 mil engenheiros até 2014, pode não parecer tão difícil, já que a estimativa é de que em 2011 tenham sido formados 47 mil.

“Mas dos que se formam, apenas 2 em cada 7 vão de fato trabalhar com engenharia. Ou seja, eu preciso de muito mais formados. Como serão demandados 90 mil engenheiros, teriam que se formar 321 mil profissionais. Quer dizer, se eu não mudar o cenário atual, vou ter um déficit de 48 mil engenheiros”, afirma Luis Gustavo Delmont, analista de desenvolvimento empresarial do IEL/CNI.

O fato é que o Brasil precisa dos engenheiros para crescer. E os engenheiros só vão se interessar pelo Brasil se o país crescer. Dados compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2010 mostram que a demanda por engenheiros no país aumenta 7% se o PIB brasileiro subir 3%. Quando a economia cresce 7%, a procura por engenheiros aumenta 13%.

A dúvida é: quanto o Brasil vai continuar crescendo?


Imprensa - SEESP
* Texto do repórter 
Marcos Frates para a revista Exame



 

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