Estudo para mapear as vulnerabilidades de cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro aos efeitos do aquecimento global será divulgado em abril
São Paulo já atravessa uma mudança climática de grandes proporções." A frase, de Carlos Nobre, um dos maiores especialistas em mudança climática do país, antecipa dados de um estudo que ele lidera e será divulgado em abril, envolve vários institutos de pesquisa e procura mapear as vulnerabilidades de cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro aos efeitos do aquecimento global.
"Em 2060, todos os verões do Rio terão as temperaturas das últimas semanas", prosseguiu, falando em um seminário na terça-feira (2/3), em São Paulo, promovido pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), sobre vulnerabilidades em área de risco. A temperatura média em São Paulo, de 1933 a hoje, subiu 2,5 graus.
O número de descargas elétricas vem subindo de forma exponencial - e um estudo indica que cada grau de aumento na temperatura aumenta a incidência de raios em 30%. Nobre exibiu gráficos do aumento do volume de chuvas e disse que chuvas intensas serão 30% mais frequentes até 2050. "São Paulo terá que conviver, talvez para sempre, com piscinões. Vai ter que se adaptar."
Já está ocorrendo um aumento no número de noites quentes, um efeito claro do aquecimento global. O clima já está e ficará ainda mais variável, com mais períodos secos, assim como um aumento de períodos com chuvas em volume muito maiores. Os meses mais quentes do ano já não são mais janeiro e fevereiro, mas outubro e novembro.
No cenário brasileiro, o semiárido nordestino será o mais afetado, aumentando as dificuldades de 14 milhões de pessoas que já dependem de agricultura precária. O mosquito da dengue poderá migrar para o sul, chegando ao Paraná, a Montevidéu, à Argentina.
O secretário do Verde do município de São Paulo, Eduardo Jorge, citou ações que sua pasta vem desenhando com outras secretarias municipais e estaduais, para tentar adaptar São Paulo à mudança e evitar tragédias. Em quatro anos, o poder público desfez 4 mil casas que estavam em construção em áreas de risco. "É difícil e impopular reverter um processo que sempre foi assim, mas é necessário e alguém tinha que começar."
Fabio Feldman, conselheiro do CBCS, lembrou que as Áreas de Proteção Permanente, as APPs, onde a vegetação nas margens dos rios ou de grande declividade, por exemplo, têm que ser preservadas, são potencialmente áreas de risco. "A adaptação à mudança do clima já está ocorrendo. Mas vai exigir planejamento urbano associado à implementação de políticas públicas."
A urbanização das áreas litorâneas tem que levar em conta quanto o mar irá subir, alertou Nobre. A média global é 3 a 4 milímetros ao ano e estudos indicam que ele pode subir de 40 centímetros a um metro neste século. "Cidades como o Rio de Janeiro e Nova York terão que se situar", disse. O que isto significa, é uma resposta do futuro. "Vão demolir construções na orla? Terão barcos ao invés de carros?", perguntou à plateia.
A adaptação à mudança climática tem seus limites. Na Holanda, país que tem tecnologia secular em se adaptar ao avanço do mar, sinaliza-se que o limite máximo no aumento do nível do mar, na construção de diques, é de um metro. "Eles têm um Plano B, uma nova Holanda em mente, para o caso de o mar subir muito", disse o cientista. "Pensam em uma cidade flutuante, em agricultura flutuante, coisas do gênero."
Nobre rebateu as suspeitas que recaem sobre o IPCC, o painel intergovernamental do clima, braço científico da ONU, que cometeu erros em seu último relatório. "Eles erraram alguns pontos e corrigiram. Mas a ciência do clima é muito robusta, muito sólida."
(Fonte: "Mudança climática em SP é de grande proporção, diz Nobre", matéria de Daniela Chiaretti, no Valor Econômico. 03/03/2010)