Economista da AIEA diz que mudanças climáticas poderão impulsionar mais países a recorrer a usinas atômicas
Com a pressão ambiental, o mundo precisará cada vez mais de energia atômica, diz o economista sênior da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Farenc Toth. No Rio desde ontem para participar da conferência internacional de economia da energia IAEE, ele reconhece que o aumento da oferta de material nuclear eleva também os riscos para a segurança mundial.
Em entrevista ao Globo por telefone, Toth se esquiva de perguntas da área política, como o acordo mediado por Brasil e Turquia, ou a usina secreta de Qom, descoberta em 2009 no Irã. Mas minimiza a repercussão dentro da agência sobre os comentários do vice-presidente José Alencar sobre bomba atômica: nem ouviu falar.
Leia a entrevista:
- A energia nuclear era vista antes como grande vilã do meio ambiente, agora é tida como limpa pela baixa emissão de carbono. O que mudou?
Como no passado, ainda há muita gente que considera limpa, e muita gente que não considera. A grande mudança foi a chegada da mudança climática ao topo da agenda ambiental. A energia nuclear tem baixa emissão de carbono, num nível comparável em quilowatt/hora à de energia hidrelétrica ou eólica. Como isso se tornou uma grande preocupação, muita gente vê vantagens na energia nuclear.
- Há uma onda de novas usinas nucleares no mundo. No Brasil, na semana passada, saiu a última licença que faltava para a construção de Angra III. Essa pressão ambiental por energia nuclear pode ter consequências para a segurança internacional?
Diferentes países optam por energia nuclear por diferentes motivos. No caso do Brasil, alguns colegas fizeram um estudo maravilhoso sobre o país, mostrando que as mudanças climáticas vão alterar o regime de águas, ou seja, a disponibilidade e a frequência da quantidade dos recursos hídricos para geração elétrica. Essa flutuação pode levar à perda da quantidade de eletricidade que pode ser garantida por uma fonte a qualquer hora. O Brasil é um país estável. Uma das formas de compensar as perdas seria expandindo a capacidade nuclear.
- E para o resto do mundo, essa onda de novas usinas representa uma ameaça?
A expansão das capacidades de produção de energia nuclear pelo mundo por si só não aumenta a ameaça. Se você quer dizer riscos de acidentes ou riscos de proliferação, sim, é verdade. Se você tem mais usinas nucleares, em princípio, há mais material nuclear. Mas se todos seguirem as regras do jogo, isso não necessariamente aumentaria a ameaça por si só. Há acordos internacionais, monitorados pela Agência Internacional de Energia Atômica. Mas sabemos que nem todos obedecem as regras. Esse é exatamente o problema com o Irã, que restringe as inspeções.
- Se não podemos garantir esse controle, não há mudança no cenário da segurança internacional?
Isso foge completamente da minha área. O que acho importante é ser perfeitamente possível construir uma bomba atômica sem um programa de energia nuclear. E o contrário também é verdade: a ampla maioria dos países que usa energia nuclear não tem o menor interesse de ter uma bomba atômica.
- O vice-presidente José Alencar defendeu que o Brasil tenha bomba atômica como "fator de dissuasão", apesar de a nossa Constituição proibir arsenal nuclear. Isso repercutiu dentro da agência? As pessoas comentam?
Não, eu nunca tinha ouvido falar disso. Embora isso não signifique que os colegas que acompanham a área política não tenham ouvido falar.
- Para fazer uma bomba atômica é necessário um enriquecimento de urânio a 90%. O Irã anunciou que continuará enriquecendo a 20%. Por que 20% é um problema?
É um indicador das intenções. Para a maior parte dos reatores nucleares hoje em uso não há necessidade de passar de 5% ou 8%.
- Quais são as perspectivas para a energia nuclear nos próximos anos ou décadas?
Acredito que as expectativas, a demanda e a implementação da energia nuclear continuarão a aumentar. Há vários motivos para isso. Um é a mudança climática, que aumenta a necessidade de fontes com baixa emissão de carbono. A demanda energética mundial continuará crescendo e a energia nuclear também é importante para a estabilidade de preços. Se o preço do carvão dobra, o preço da eletricidade gerada por ele aumenta 40%. Se o preço do gás natural dobra, a eletricidade gerada por ele sobe 70%. No caso do urânio, o aumento seria entre 5% e 8%. Além disso, há a poluição aérea regional, e usinas nucleares não emitem uma série de gases.
Sabrina Valle, O Globo
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