Os salários estão subindo, mas a produtividade na indústria cresceu muito mais. Nos 12 meses encerrados em abril, a indústria de transformação ampliou sua produtividade em 4,7%, enquanto o custo salarial médio por trabalhador aumentou 1,9% no mesmo período. Na avaliação de economistas ouvidos pelo Valor, o crescimento mais intenso da produtividade em relação ao custo da folha de pagamentos cria uma folga para que a indústria acomode reajustes sem pressionar a inflação.
No primeiro semestre, algumas categorias importantes já negociaram acordos salariais com reajuste real superior a 2%, como os 2,4% dos trabalhadores da construção civil de São Paulo e os 3,2% dos operários da mesma categoria no Rio. Outros sindicatos menos representativos, como os trabalhadores nas indústrias de suco, negociaram ganhos reais de 2,5% para o piso salarial e 1,6% para os demais empregados.
Os sindicatos de trabalhadores já começaram as negociações para garantir aos salários uma parte do aumento da produtividade obtida pela indústria e outros setores desde a recuperação da economia. Segundo levantamento do Valor, alguns sindicatos com data-base nesse primeiro semestre já conquistaram acordos reais superiores aos 2% médios de 2009.
O setor de construção civil, principal eixo motor da recuperação econômica desde 2009, surge com acordos importantes. Em São Paulo, os 370 mil trabalhadores em canteiros, pintura e hidráulica receberam aumento de 2,4% acima da inflação. No Rio de Janeiro, os trabalhadores do setor negociaram índices reais maiores - 3,2% para a categoria e 5,5% para o piso. O movimento de alta, no entanto, não é restrito a esse setor.
Os cerca de 12 mil trabalhadores em padarias de sete cidades do ABC paulista atingiram ganho real de 3,2%, além do abono de R$ 120, no acordo selado em maio. Com data-base no mesmo mês, os mais de quatro mil trabalhadores da indústria do suco em São Paulo ampliaram os pisos salariais em 2,5% além da inflação - para o restante da categoria, o aumento real foi de 1,6%. Em março, os cerca de 30 mil funcionários de tecnologia da informação em São Paulo atingiram aumento real de 1,9% e 8,4% para os piso, além da redução da jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais a partir de 2011.
O sindicato dos trabalhadores na indústria de calçados de Franca, no interior de São Paulo, conquistou reajuste real de 2%, que será repassado aos cerca de 30 mil operários da região. Os 16 mil trabalhadores na indústria de plásticos de Joinville (SC) tiveram aumento real de apenas 0,7%. O valor, por outro lado, foi superior aos 0,3% de 2009. Para Isaias Silva, diretor do sindicato, "a melhora da economia ajudou muito nas negociações".
No segundo semestre concentram-se as negociações de categorias mais fortes e organizadas, como os metalúrgicos de montadoras e autopeças, químicos, papeleiros, petroleiros e bancários, entre outros.
O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que 79,9% dos acordos coletivos realizados no ano passado registraram aumento real de renda, com reajuste médio de 2% acima da inflação. O Dieese avalia que o número de categorias com ganhos reais será maior nesse ano.
Os sindicalistas usam duas bandeiras no momento de sentar para negociar. O crescimento da economia - no primeiro trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu crescimento anualizado de 11% - e os ganhos de produtividade.
Nos dados calculados pelo Valor, com base no cruzamento da Pesquisa Industrial Mensal e na de Emprego Industrial, ambas do IBGE, o aumento da produtividade do trabalhador na indústria foi de 4,7% nos 12 meses encerrados em abril em relação aos 12 meses anteriores, percentual 60% superior ao aumento de 1,9% na folha de pagamentos (na mesma comparação).
Para José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, os sindicatos têm muita margem de manobra. "Os ganhos de produtividade são muito superiores ao que é efetivamente repassado aos trabalhadores, o que, aliado ao forte ritmo da economia e ao fato de que é a indústria quem está puxando o PIB dão aos sindicatos força para pedir mais", raciocina Oliveira.
A movimentação no meio sindical é de unir-se para fortalecer as demandas. O presidente em exercício da Força Sindical, Miguel Torres, que também preside o sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, propôs na terça-feira às outras cinco centrais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho - CUT, UGT, CTB, NCST e CGTB - que os sindicatos pertencentes às entidades cuja data-base ocorre entre julho e dezembro atuem em conjunto nas negociações. "Já que as centrais estão unidas em torno de bandeiras consensuais, como redução de jornada, por que não unirmos os sindicatos para conseguirmos acordos mais relevantes e reajustes maiores?", diz Torres.
Os metalúrgicos de São José dos Campos e Campinas definem uma pauta conjunta de acordos na semana que vem. No ano passado, os sindicatos conquistaram, respectivamente, reajustes reais de 3,7% e 5,3%. Segundo Antônio Ferreira de Barros, o Marabá, operário da GM e diretor do sindicato de São José, "os trabalhadores estão atentos ao crescimento econômico, principalmente o da indústria automobilística. Então, vamos negociar um acordo maior que o de 2009".
Algumas categorias não fecharam bons acordos. Wagner Gomes, presidente do sindicato dos metroviários de São Paulo, avalia que o acordo fechado no mês passado - que prevê apenas recomposição da inflação - deixa os trabalhadores "descontentes". "Todo mundo está vendo a economia crescer e o desemprego cair, mas não têm jeito. A negociação no Estado não ultrapassa inflação", diz.
O espaço dado pela produtividade, dizem os economistas, indica que os salários podem ser corrigidos sem pressionar a inflação. Para Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, a indústria está sofrendo com falta de mão de obra qualificada na medida que precisa dela para continuar investindo e ampliando sua produtividade. "Isso quer dizer que a tendência é os salários aumentarem, principalmente naquelas categorias representadas por sindicatos fortes".
Para ele, no entanto, os salários não estão por trás do aumento inflacionário. "São muitas variáveis em jogo, como a taxa de câmbio, as oscilações nos preços das commodities e os preços administrados. Uma das coisas são os salários, mas sozinho ele não é capaz de gerar inflação no país, não é isso o que está ocorrendo".
Rogério Cesar de Souza, economista do Iedi, refuta a ideia de que a correção dos salários esteja pressionando a inflação. "Todos viram que foram fatores sazonais que pressionaram os preços no começo do ano, tanto que agora já estão caindo forte", diz ele, em referência a queda do IPCA verificada em maio e junho.
João Villaverde, Valor Econômico
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