A sexta edição do “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, projeto lançado em 2006 pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), já está em debate. Em 2016, ano de eleições municipais, o projeto volta-se à discussão sobre a qualidade de vida nas cidades e o desenvolvimento local. O objetivo é fazer um diagnóstico dos problemas comuns às médias e grandes cidades brasileiras pertinentes à engenharia e propor soluções factíveis. Nesse sentido, foi realizada a primeira reunião de trabalho, em 1º de março último, na sede do SEESP, na Capital paulista. Como destacou o presidente da federação e do sindicato, Murilo Celso de Campos Pinheiro, a fase, agora, é de coleta de informações e dados com especialistas e profissionais de todo o País. “Queremos chegar em junho próximo com o documento pronto para apresentarmos aos candidatos e, assim, contribuirmos, efetivamente, com o debate de forma propositiva e consistente”, salientou à abertura da atividade.
Fotos: Beatriz Arruda/SEESP
Pinheiro à abertura: Engenharia unida em defesa de cidades melhores
Iniciando o ciclo, foram discutidos os assuntos mobilidade urbana a partir dos planos de uso e ocupação do solo, iluminação pública, moradia, saneamento abrangendo água, esgoto, recursos hídricos, resíduos sólidos e reuso das águas pluviais; mas está na pauta ainda a internet pública. Para o coordenador técnico do projeto, Carlos Monte, é imprescindível a FNE manter o seu protagonismo nas boas discussões de projetos de desenvolvimento. “É uma missão árdua sintetizar, nessa iniciativa, as questões peculiares urbanas, como, por exemplo, as que envolvem as cidades das regiões metropolitanas e as que estão às margens dos rios”, ponderou. E acrescentou: “Ao mesmo tempo desafiadora porque queremos estimular a sociedade a sair dessa visão negativa sobre o País.”
O secretário Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, Dario Rais Lopes, apresentou algumas das preocupações do Ministério das Cidades com relação aos municípios de médio e grande porte em termos de mobilidade e sustentabilidade. “Esses dois temas precisam ser pensados a partir de um núcleo, onde estão o uso e a ocupação do solo, o deslocamento das pessoas e o trânsito”, explicou. Ele critica a ideia que se tem que basta bater “à porta do poder público para pedir dinheiro para fazer mais transporte”. Lopes afirma que isso não resolve a questão. “Deve-se pensar um plano diretor que combine bem o uso e a ocupação do solo, a circulação das pessoas e o transporte. Esse é o grande pilar de sustentabilidade para as cidades modernas.” Nesse sentido, prosseguiu, a engenharia unida tem muito a contribuir ajudando a elaborar propostas de qualidade que “pressupõem planejamento, projeto e gerenciamento”. Posição reforçada pelo consultor da federação, Artur Araújo, para quem o “País está imerso numa situação de crise por falta de engenharia e só conseguirá sair disso com excesso de engenharia”.
Araújo lamenta dois erros macroeconômicos do governo federal que, para ele, são a política cambial e a dos juros altos. “Precisamos do jogo “ganha-ganha” que está no aumento constante da produtividade. E isso só tem um nome: investimento em infraestrutura, nas cidades, na produção.”
Saneamento global
As cidades melhores devem ter no horizonte o saneamento global, segundo o professor João Sérgio Cordeiro, do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec). Isso significa, disse ele, ir além dos sistemas de água e esgoto, mas levando em conta a Lei 11.445/2007 – que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. “A engenharia precisa ver o saneamento dentro de um contexto global e perceber que todas as modalidades da área estão envolvidas.” Cordeiro apresenta números para mostrar a importância desse entendimento como crucial para as cidades do País: “Em 1970, éramos 90 milhões de brasileiros e apenas 55% estavam na área urbana, o que dava 50 milhões habitantes. Quarenta e cinco anos depois, somos 200 milhões e 85% estão nas cidades, o que dá por volta 170 milhões de pessoas. Mais que triplicamos as áreas urbanas.”
Atividade reuniu especialistas e sindicatos filiados à FNE durante quase cinco horas
Tal cenário, prossegue Cordeiro, significa que precisamos de mais água potável e de sistemas de manejo de esgoto e resíduos sólidos e interferir no uso e ocupação do solo. Ele critica a ideia de discutir saneamento como se um fosse um “transporte” de água, de esgoto etc.. “Esquecemos que existe toda uma engenharia por trás disso, cuja conotação principal deve ser o da gestão. Por deficiência nessa área, hoje perdemos quase 50% da água tratada”, destacou. Ele acredita que a situação só será corrigida com uma nova formação do próprio engenheiro.
A questão ambiental também foi destacada pelo engenheiro João Antonio Del Nero, que por 31 anos foi professor de estrutura na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e hoje integra o Conselho Tecnológico do SEESP. Para ele, é uma vergonha o Brasil ainda ter lixões nos espaços urbanos. “Somos a décima economia do mundo, mas ainda não conseguimos eliminar essa tristeza”, criticou. Levando em conta, segundo Del Nero, que a população nacional aumentará em torno de 20 milhões nos próximos anos, medidas devem ser adotadas desde já para evitar o estrangulamento das cidades. Por isso, defende o incremento dos investimentos em infraestrutura, lembrando que, nos anos 1960, o País investia 5,4% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no setor, hoje está abaixo de 4%. Também propõe um código de obras que obrigue as novas construções terem duas entradas de águas – pluvial e a do saneamento.
Ressaltando a importância do “Cresce Brasil – Cidades”, Jurandir Fernandes, ex-secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, afirmou que o projeto pode ter um arcabouço com alguns pontos para que todos os Executivos e Legislativos municipais entendam a importância de investimentos em diversas áreas. Ele disse que quase 97% dos orçamentos municipais estão comprometidos com custeio da máquina administrativa e pagamento de juros de dívidas etc., sobrando pouco mais de 3% para investimentos. Para reverter esse quadro, Fernandes defende trabalhar fortemente com a engenharia unida para mostrar, com propostas factíveis, a importância da continuidade de políticas que estão dando certo. “Seja o prefeito que vier, por exemplo, as ciclovias devem ser mantidas e melhoradas”, observa, referindo-se, especificamente, à cidade de São Paulo.
Fernandes também defende aumentar a produtividade e integração de todos os equipamentos públicos municipais. Barato e econômico, segundo ele, é também terminar o que está iniciado ou destravar o que está paralisado, “sem vir com obras novas. Ou seja, aumentar a eficiência do que já existe. Por fim, feito tudo isso é que se deve pensar em elaborar obras novas”.
Investimentos e experiências de ação
Na questão de investimentos e recursos, o economista e diretor geral do Isitec, Saulo Krichanã, fez uma importante e detalhada exposição sobre a situação geral financeira dos municípios e da União. “Tudo o que estamos falando passa por uma questão chamada “necessidade de investimento”.” Nesse sentido, apresentou um quadro com alguns números nacionais, de 2014, entre eles o Produto Interno Bruto (PIB) do País de R$ 5,9 trilhões, o estoque de dívida em relação ao PIB de R$ 3,9 trilhões. “O problema maior não é o estoque de dívida em relação ao PIB, como também não é o gasto com a folha de pagamento (R$ 250 bilhões); só em serviço da dívida se gasta R$ 500 bilhões ao ano. O custo da rolagem da dívida é que é alto, estando acima de dois dígitos.”
Secretário nacional Dario Rais Lopes apresentou preocupações do Ministério das Cidades para
solução de vários problemas urbanos, como os da mobilidade e sustentabilidade
A partir de informações da Secretaria do Tesouro Nacional, Krichanã mostrou que boa parte dos executivos municipais, principalmente os da região Nordeste, excedeu o limite prudencial e está no máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Ou seja, não tem margem para investir”, alertou. Esses dados foram apresentados, justificou Krichanã, para que, num período difícil, os investimentos que precisam ser realizados para atender demandas reprimidas na infraestrutura, nas áreas de saúde e educação e também naquelas onde existem geração de recursos, a chamada indústria do serviço de utilidade pública – transporte, pedágio, saneamento, iluminação pública etc. – o poder público pense em alternativas como a utilização das concessões ou das Parcerias Público-Privadas (PPPs).
O enfrentamento da situação difícil por que passa o País, cenário onde se dará a elaboração e apresentação do “Cresce Brasil – Cidades”, para o consultor João Guilherme Vargas Netto, deve se dar com a repetição de experiências. Ele explica: “O movimento sindical deve procurar repetir ações empreendidas em outras situações de dificuldade, a principal delas é a do combate à recessão.” Nesse sentido, ressaltou, a FNE está no caminho certo ao propor ao poder público e à sociedade, mais uma vez, um projeto que vetorize todas as forças capazes de disputar e discutir as questões relacionadas ao desenvolvimento e crescimento.
A grandeza da nova edição também se define, disse Vargas Netto, pela ideia da engenharia unida numa perspectiva que ultrapassa a visa corporativista e até escolar, “mas ela se finca no saber profissional”.
Ainda na reunião, os diretores do SEESP Carlos Kirchner e Alberto Pereira Luz falaram, respectivamente, sobre iluminação pública como um serviço a ser prestado pelos municípios com qualidade e a 6ª Conferência Nacional das Cidades, organizada pelo Ministério das Cidades e que ocorrerá em 2017. Já o professor José Roberto Cardoso, da Poli-USP, destacou a importância da formação do engenheiro na perspectiva do profissional criativo, inovador e empreendedor. A atividade da FNE foi prestigiada com a participação, também, do sub-prefeito paulista de Jaçana-Tremembé, Carlos Eduardo de Lacerda e Silva, e do seu assistente Sérgio Souza.
* Confira as demais edições do Cresce Brasil aqui.
Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP