O papel aceita qualquer coisa, mas o escrito tem sempre algo a ver com a realidade.
O documento programático do PMDB chamado pomposamente de “Uma Ponte Para o Futuro”, que pretende ser o esboço de um programa de governo merece, sob vários aspectos, uma atenção cuidadosa que só agora começa a se efetivar.
Em nome de um partido que é aliado no governo, o documento afirma posições que explicitam o encaminhamento neoneoliberal para solucionar a crise política e a recessão na economia.
De maneira corajosa ousa afirmar aquilo que se pretende esconder e escancara uma visão rentista e contra os trabalhadores, apresentando um conjunto de medidas que configuram o desmanche das políticas sociais redistributivas e aperta ainda mais o nó da bancolândia sobre a economia.
O pacote é quase completo: desvinculação orçamentária total (sob o nome de “orçamento zero” ele seria estabelecido a cada ano ou a cada mandato presidencial sem respeitar as dotações para saúde e educação, por exemplo); fim da política de valorização do salário mínimo; desvinculação dos benefícios previdenciários, do seguro desemprego e de quaisquer verbas sociais do valor do salário mínimo; idade mínima para aposentadoria; negociado prevalecendo sobre o legislado e estou me referindo apenas àquelas medidas que dizem respeito diretamente aos direitos e conquistas dos trabalhadores, sem mencionar o reforço estonteante aos rentistas e aos especuladores (por exemplo, com o fim do regime de partilha na Petrobrás).
Perto desse programa o ajuste pretendido pelo ministro Levy parece ladainha de coro infantil e toda a confusão programática das oposições pode encontrar nele um desaguadouro seguro. No entanto, devido à complexidade da situação e à heterogeneidade do PMDB, é possível que após pressões e contra pressões o tom mude em meados de novembro.
O movimento sindical que se articula para discutir como enfrentar a recessão e retomar o desenvolvimento deve se pronunciar unitariamente contra as medidas lesivas aos interesses dos trabalhadores, falando alto e em bom som que esta ponte não conduz ao futuro, mas é passagem para o retrocesso.
* João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical