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25/05/2016

Entrevista - Brasil para todos, e não para rentistas

O presidente do Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP), Pedro Afonso Gomes, avalia as medidas anunciadas pelo governo interino Michel Temer, no dia 24 de maio último. Entre as iniciativas, a devolução de R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Tesouro Nacional, a limitação do gasto público e a possível extinção do Fundo Soberano. Gomes é taxativo: “Essas medidas não reativam a economia do Brasil.” Para ele, o único caminho é não fazer uma política de curto prazo, onde o único favorecido é o rentismo, devendo-se priorizar empregos e investimentos sociais. “É uma questão de pensar o Brasil não para classes que historicamente já são privilegiadas, mas para a grande maioria.” E completa: “O presidente interino falou que se deve pensar nos pobres do País. Mas a grande questão, entendo, é pensar neles para favorecê-los, e não prejudicá-los.”

O senhor poderia nos falar mais sobre “meta fiscal” e porque o governo interino subiu-a de R$ 96 bilhões, projeção anterior, para mais de R$ 170 bilhões?
Pedro Afonso Gomes –
Primeiro, é necessário esclarecer que o plano anunciado não tem o caráter econômico no sentido de modificar a economia num impacto que ela precisa. É um plano para resolver um problema de caixa do governo, esse é um primeiro ponto. O aumento do valor da meta envolve uma grande discussão. Podemos pensar que o governo, precavido, supôs R$ 170 bilhões. Mas, como a distância é muito grande, a dúvida é se de fato teremos ou não esse déficit ou se será capitalizado, dizendo essa redução se deve à ação do governo. Então, aí é um problema político.

O déficit deve ser combatido?
Gomes - Em si, evidentemente, ele deve ser combatido, porque, em longo prazo, ele é insustentável. O presidente interino falou que passou, em 18 anos, de 14% do PIB (Produto Interno Bruto) para 19%. De fato é um número grande, só que precisa ser considerado o seguinte: nos últimos anos houve uma redução do PIB. Quando se gasta 19 de 100 evidentemente que se tem duas formas de melhorar esse índice: ou reduzindo de 19 para 18, 17, ou aumentando de 100 para 102, 103, 105. Foi o que ocorreu, de fato, nos governos de 2003 a 2013, pelo menos. O PIB aumentou significativamente e as despesas do governo também, mas muito menos em termos percentuais porque a riqueza aumentou.


Foto: Beatriz Arruda/SEESP
Pedro Afonso Gomes 2 editada 
Nessa entrevista, Gomes pontua medidas importantes para que Brasil volte a crescer com justiça social
 

A devolução de R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Tesouro Nacional, conforme divulgado, pode significar um refreamento em investimentos em infraestrutura e no crédito a empresas da área de produção?
Gomes –
Uma coisa ainda relacionada ao déficit, mas que tem a ver com essa pergunta é o seguinte: ele serve para o governo, em determinadas circunstâncias, cobrir suas próprias despesas e fazer, em momentos de recessão, os investimentos necessários para reativar a economia. É quase como dizer que ao invés de pagar as dívidas, você tenta rolá-la um pouco mais para usar esses recursos em investimentos. Pegar esse valor aplicar em infraestrutura e em condições objetivas para gerar emprego, atividade empresarial, crescimento. Cada real que entra na economia, se bem aplicado, é claro, ele se multiplica por cinco, porque é o chamado efeito multiplicador do investimento público. Estamos falando em criar polos de desenvolvimento, políticas industriais e facilitar o crédito a quem merece. Mas não se fala que se gastou só de juros e amortização da dívida pública quase 44% das receitas governamentais.

Para quem é pago esse valor?
Gomes –
É pago para os rentistas, investidores, para aqueles que vivem de juros, de empréstimo. Essas pessoas não gastam. Quem gasta, na verdade, são as pessoas que recebem da Previdência Social – e esta, das receitas todas, consome apenas 22% do Orçamento. Ou seja, o governo gasta em juros o que usa com a Previdência. Só que para os primeiros você tem apenas umas 50 mil pessoas recebendo; enquanto no regime previdenciário são mais de 35 milhões brasileiros.

Isso significa distribuir para quem não vão gastar e não precisa Já o que recebe salário vai gastar na padaria da esquina, na feira. Em alguns lugares do Brasil, a economia local só sobrevive por causa dos aposentados e por aqueles que recebem o Bolsa Família, porque a cidade em si não tem desenvolvimento.

E o teto para os gastos públicos com base na inflação?
Gomes –
Tecnicamente, sem qualquer outro tipo de análise, está correto. Só se aumenta o gasto acompanhando a economia. O que vai ocorrer é quase uma posição defensiva do governo. Se a economia continuar com redução do PIB e da produção, a inflação não vai possibilitar a atualização dos gastos públicos, porque a receita tributária do governo que vem da produção será cada vez menor com a economia estagnada.

O que isso significa?
Gomes –
Que vai aumentar o desemprego e a necessidade de auxílios assistenciais, junto com a diminuição da arrecadação de tributos. Então, atualizar os gastos públicos pela inflação não vai resolver nada. Mas se houver investimentos e reativação da economia, e não vi nenhuma medida anunciada nesse sentido, é pouco relevante essa questão da inflação. Porque a receita sem aumentar impostos vai ser suficiente para o aumento das despesas.

Na verdade, o Estado não devolve para o conjunto da população os seus recursos. Lembremos que só 44% ficam nas mãos de pouca gente; os 54% restantes são distribuídos entre Previdência Social (22%), projetos sociais – o Bolsa Família, diferente do que falam, utiliza apenas 0,4% dos recursos, ou seja, um real de cada R$ 250 do Orçamento vai para esse benefício.

A sangria da economia nacional não está nos direitos e programas sociais?
Gomes –
O problema do déficit público em si não está nisso. Na verdade, esses R$ 100 bilhões poderiam ser utilizados se houvesse uma política industrial e de desenvolvimento. O governo quer tapar o buraco no curtíssimo prazo, com mudanças que terão de passar por emendas constitucionais (PEC). Reverter essa situação depois vai ser muito difícil. É um retrocesso em termos sociais. Estão pensando no caixa imediato, sem mexer nos aspectos relacionados às despesas financeiras que não são feitas pensando na sociedade brasileira.

E a questão da exploração do pré-sal sendo tirada das mãos da Petrobras?
Gomes –
É o típico da atitude para criar impacto. Fala-se, ainda, em acabar com o Fundo Soberano. Por quê? Os R$ 2 bilhões desse fundo não resolvem nada. Essa questão do pré-sal é de longo prazo, estamos falando em muitas décadas de exploração. Há 60 anos, o nosso sindicato esteve à frente do movimento “O Petróleo é nosso” e pela siderurgia nacional, porque são indústrias de base que podem ficar nas mãos com grupos oligárquicos, privados e muito menos com conglomerados internacionais. Tudo isso vai fazer com que os brasileiros não tenham controle sobre suas riquezas naturais. Não estamos falando de grupos que vêm contribuir, mas apenas para explorar. Esse poder econômico concentrado é incontrolável.

Tal medida pode comprometer o futuro do País?
Pedro Afonso Gomes – Quando foi aprovada a medida de se pensar que o pré-sal vai financiar o desenvolvimento de longo prazo, basicamente está se falando em educação. Quando você tira essa vinculação e das mãos da Petrobras, estamos dando nossas riquezas sem receber nada de volta.

Se o senhor pudesse apresentar uma linha de ação para reativar a economia do País, qual seria ela?
Gomes –
Primeiro, que não sejam feitos cortes nos investimentos sociais, mas sejam melhores geridos – refiro-me à saúde, educação, assistências sociais e projetos habitacionais. Fala-se muito na confiança que se deve ter para a economia funcionar, isso é verdade. Só que se fala na confiança do mercado, e esse não somos todos nós. O mercado é absolutamente concentrado em grupos que dominam boa parte da economia e todo o resto – aqui entram trabalhadores, aposentados, profissionais liberais e classe média. Para mim, é essa parcela que precisa ganhar mais confiança, porque é ela que trabalha e produz. Quando se tira recursos da saúde, da educação, da assistência social, da previdência, aí sim se cria instabilidade econômica.

Segundo não se pensar mais em curto prazo, cuja preocupação é sempre o rendimento daqueles que têm aplicações. Listar aquilo que é essencial: fomentar a produção, abrir o crédito que chamaria de seletivo, para realmente aqueles que vão gerar emprego, renda e riqueza para a população de um modo geral. Há algum tempo, foram dados subsídios e créditos para empreendimentos, como automóveis e outros bens, que não geram tanto emprego assim. Incentivar a produção gera a circulação da economia, tributos, possibilidade de crédito e explorar muito o mercado externo.

E os impostos?
Gomes –
É fundamental a revisão do quadro de imposto que incide hoje, basicamente, sobre os assalariados. Pouco se fala em imposto sobre lucro, riqueza e patrimônio. Tributação sobre o excedente gerado por causa de investimentos públicos é o caminho que vários países estão assumindo.

Uma política de longo prazo que prioriza empregos, investimentos, isso para mim gera mudança na economia. E o Brasil tem condições para isso. É só uma questão de pensar o País não para classes que historicamente já são privilegiadas, mas pensar na grande maioria. O presidente interino falou que enquanto se tiver pobre no Brasil deve-se pensar neles. Eu completo: pensar neles para favorecê-los, e não prejudicá-los.



Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP







 

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Comentários  
# AVALIAÇÕES IMPORTANTESuriel villas boas 27-05-2016 10:19
A entrevista com o Presidente do Sindicato dos Economistas de S.Paulo abordou algumas questões que são de interesse geral e não apenas de grupos. Sua afirmação de que "não se fala em impostos sobre o lucro, a riqueza e i patrimônio". E vai além, alegando que n"não se pode pensar apenas nos rendimentos dos investidores do sistema financeiro". Muito oportunos os questionamentos e mais ainda, as respostas do entrevistado, que merecem muita reflexão para que não fiquemos na dependência de quem pensa apenas em auferir resultados de investimentos, deixando de lado questões sociais.
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