Uma das principais formas de tratamento para o câncer, a quimioterapia, ainda causa fortes efeitos colaterais nos pacientes, por atacar tanto as células tumorais quanto as saudáveis. Entre os efeitos mais comuns estão mielodepressão (depressão da medula óssea), queda de cabelo e alterações gastrintestinais (náuseas, vômitos e diarreia).
Com o objetivo de reduzir esses danos e dar mais qualidade de vida a quem precisa se submeter ao tratamento, pesquisadores em diversos países têm buscado desenvolver ação mais eficiente com a ajuda da nanotecnologia. No Brasil, um exemplo é o estudo do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que usa nanopartículas de sílica (componente químico feito a partir de minerais), carregadas de um antitumoral utilizado no tratamento de câncer de próstata, a curcumina.
A curcumina é uma substância de baixo custo em comparação a outras utilizadas nas quimioterapias. A doxorrubicina 0,01g, muito utilizada nos tratamentos convencionais para câncer, custa R$ 1.200,00, enquanto a curcumina sai por R$ 323,00. De baixa solubilidade em meios aquosos, o experimento demonstrou que a nanopartícula ajuda a levar a substância até a região a ser tratada. Além disso, a minúscula partícula é revestida com folato, uma variação da vitamina B, que é naturalmente atraída pelas células tumorais. Nos testes realizados, in vitro, as nanopartículas mataram entre 70% e 80% das células doentes de próstata, e somente entre 10% e 15% das saudáveis. “Fizemos uma série de experimentos. A célula tumoral possui um metabolismo diferente que, em geral, tem de 100 a 200 vezes mais avidez por folato na sua superfície do que as saudáveis. Dessa forma, as nanopartículas revestidas dessa estrutura química acabam driblando as células que não precisam ser atacadas. O fármaco é utilizado de forma mais eficaz e com maior concentração”, explica Mateus Borba Cardoso, químico com doutorado nessa área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-doutorado no Oak Ridge National Laboratory, nos Estados Unidos. O pesquisador é responsável pelo estudo “Funcionalização de nanopartículas de sílica: aumentando a interação biológica”, realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que foi capa da publicação estadunidense Langmuir, em abril deste ano.
Cardoso conta que iniciou o trabalho há cerca de dois anos, após ter tido êxito em outro experimento com nanopartículas de sílica para transportar antibióticos. “Parti para uma empreitada mais desafiadora com células antitumorais. Mas, por enquanto, são experimentos in vitro. Não fizemos nada em seres vivos. Ainda há muitas etapas a serem percorridas”, esclarece Cardoso. Um dos pontos a ser explorado é que as nanopartículas precisam superar obstáculos existentes em seres vivos, como as proteínas presentes na corrente sanguínea que, ao terem contato com a sílica, recobrem sua superfície e impedem a identificação do folato pelas células tumorais. Uma hipótese para solucionar o problema é fazer com que as partículas ganhem funcionalização múltipla e consigam livrar-se desse efeito.
Uso tópico
Outra linha de pesquisa, a da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP), estuda a aplicação de medicamentos para quimioterapia de forma tópica: na pele, boca ou olhos. Conforme a professora Renata Fonseca Vianna Lopez, que coordena o estudo, uma das drogas testadas foi a doxorrubicina, encapsulada em pequenas partículas de gordura, as nanopartículas lipídicas sólidas. A substância foi aplicada a animais pela iontoforese, técnica que envolve a aplicação, próxima à pele, de uma corrente elétrica de baixa intensidade para aumentar a penetração da droga.
Os resultados, segundo a pesquisadora, foram bastante animadores: o fármaco chegou em doses seis vezes maiores até as camadas profundas da pele. A junção dessas duas técnicas, nanotecnologia e iontoforese, não só ampliou a introdução do antitumoral na pele, como também propiciou sua condução para dentro das células tumorais, preservando as saudáveis. “Administrar a droga nessas regiões, que são vias não invasivas, ajudará a diminuir os efeitos nocivos da quimioterapia. Além disso, aumenta o potencial do tratamento, já que aumenta a quantidade de substância que penetra. E mais interessante é que estamos usando medicamentos que já são usados nos tratamentos de forma intravenosa ou oral, porém, aplicados em um sistema de liberação modificado, que são as nanopartículas”, explica a farmacêutica bioquímica com doutorado pela Universidade de Genebra e pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O grande desafio para que as pesquisas cheguem ao mundo real, pondera Lopez, é que sejam realizados os experimentos em animais e seres humanos, o que tem custo bastante elevado. “Temos uma dificuldade em levar as pesquisas para o mercado. Precisamos de mais empresas que atuem fazendo a ponte entre pesquisa e indústria, que assumam os estudos clínicos. A indústria até se interessa, mas como ela ainda tem que investir muito, prefere não correr o risco”, lamenta.
Por Deborah Moreira
Matéria publicada, originalmente, no jornal Engenheiro, Edição 170, de julho de 2016, da FNE