De pequenos objetos a peças de satélites da Agência Espacial Americana (Nasa), a tecnologia de impressão 3D está ganhando espaço. Um exemplo em andamento no Brasil é a parceria entre a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que desenvolvem ligas metálicas para a fabricação de próteses customizadas confeccionadas a partir da Fusão Seletiva a Laser (FSL) – do inglês Selective Laser Melting (SLM) –, processo inovador de prototipagem rápida. Iniciado em agosto último, o projeto tem incentivos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Segundo João Batista Ferreira Neto, coordenador do projeto no IPT, as próteses feitas no método convencional por usinagem restringem adaptações aos pacientes que, no caso da AACD, são crianças e ainda estão em desenvolvimento. “A ideia de usar a manufatura aditiva é para, a partir da tomografia do paciente, desenhar a prótese em CAD (em três dimensões, em computador) e imprimi-la, com o mínimo de alterações possíveis na colocação”, conta Ferreira Neto.
Foto: Concept Laser Brasil
Máquina de impressão em 3D por fusão seletiva a laser, utilizada no projeto que deve melhorar
qualidade de vida a pessoas com deficiência.
O projeto terá duração total estimada em 42 meses, divididos em duas fases. A primeira consiste no desenvolvimento da liga e de pós-metálicos para a produção, além de testes clínicos, resistência mecânica e porosidade do material. A liga metálica criada é composta por nióbio, fornecido pela CBMM, e titânio que, segundo Ferreira Neto, são metais “biocompatíveis com a constituição óssea”. O pó metálico, oriundo da liga, será modificado pelo laser, imprimindo a forma desejada, camada por camada. A técnica permite porosidade na peça, o que também se aproxima da textura do osso humano, evitando rejeições. O engenheiro metalurgista conta que a primeira peça a ser prototipada será uma prótese de quadril chamada placa angulada, a pedido da AACD.
Na segunda fase do projeto, a impressão das peças ficará a cargo do Instituto de Sistemas de Manufaturas e Laser do Senai em Joinville (SC), também apoiador da iniciativa. Para o diretor da instituição, Edson Costa, mestre em fusão seletiva a laser com titânio pela Universidade de Osaka, no Japão, a manufatura aditiva é inovadora por possibilitar a produção de conteúdos de alta complexidade sem o aumento no valor total da peça. “No modo convencional, a cada complexidade de uma peça você precisa trocar o centro de usinagem por um de maior potência, o que gera um custo. No modelo FSL, as camadas são feitas com o mesmo gasto, complexas ou não”, explica ele.
Além disso, a FSL também barateia a customização do molde, já que esse e o ferramental necessário têm preços competitivos. Outro ponto destacado por Costa em relação à inovação do processo é o tempo de produção que, dependendo do tamanho da peça, “pode ser feita em horas”.
Relevância
Segundo o censo mais recente realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, mais de 45 milhões de pessoas, ou 23% da população brasileira, possuem algum tipo de deficiência. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram realizados 4,2 milhões de procedimentos relacionados à concessão, manutenção e adaptação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção (OPMs) em 2015.
Para Jorge Almeida Guimarães, diretor-presidente da Embrapii, que investiu R$ 8,2 milhões na parceria, esses dados ressaltam a seriedade do trabalho das instituições, que exige “excelência no resultado”. “Esse é um projeto que articula a engenharia e a medicina para produzir próteses customizadas, que irão melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência”, diz. Na sua avaliação, para além dos indivíduos diretamente beneficiados pela inovação, a iniciativa é positiva para o conjunto da população. “Uma prótese sob medida, o surgimento de um novo material biocompatível, tudo isso chega para melhorar a vida da sociedade como um todo”, opina.
Costa, do IPT, corrobora a opinião, já que a linha de pesquisa pode ter desdobramentos diversos e abrir caminhos para novos negócios, com a consequente geração de empregos. “É uma tecnologia que tem espaço desde a produção de satélites à de linha branca”, vislumbra. Para ele, o futuro das indústrias são as células híbridas, que possibilitam a manufatura aditiva na construção de moldes e usinagem nas finalizações.
Jéssica Silva
Matéria publicada no jornal Engenheiro, da FNE, edição 173, outubro de 2016