A Proposta de Emenda à Constituição – PEC (de nº 241 na Câmara e 55 no Senado) que congela o gasto público, em termos reais, por 20 anos, não se sustenta. Ela certamente será aprovada, mas sua revogação, se não houver decisão judicial suspendendo seus efeitos antes, já será objeto da campanha presidencial, senão de 2018, com certeza de 2022.
O arrocho sobre as aposentadorias e pensões, sobre os salários dos servidores públicos e sobre os que dependem de serviços públicos ou de programas sociais do governo federal será de tal ordem que os próprios governantes, para evitar revoltas incontroláveis, se encarregarão de propor sua revogação ou flexibilização antes de cinco anos de sua vigência.
Os efeitos mais perversos da vigência da PEC serão sentidos a partir do terceiro ano de vigência, porque nos dois primeiros, como foi mantida a regra anterior para os gastos com saúde e educação e os servidores federais, em sua maioria, terão reajuste até janeiro de 2019, e cujos impactos não serão afetados pelo limite de gastos, o governo, ainda que fazendo uso de repressão, conseguirá administrar a situação e segurar as pressões nos próximos dois anos.
Entretanto, quando não houver mais margem para pagar os aposentados – após ter sido instituída ou aumentada contribuição em favor da previdência e eliminados os reajustes acima da inflação para os benefícios de valor igual ao salário mínimo – e tiverem, mesmo com a eventual aprovação da reforma da previdência, que reduzir o valor das aposentadorias e pensões, assim como os recursos não forem mais suficientes nem para o atendimento básico em saúde, não há governo que resista à pressão social.
O problema é que quando chegar esse momento – e isto poderá acontecer nos próximos três a cinco anos – o estrago nas demais áreas já terá sido feito, como: a) reforma da previdência com corte de direitos; b) venda de patrimônio público; c) precarização das relações de trabalho; d) desmonte do Aparelho do Estado, por falta de investimento e pessoal; e) privatização de grande parte dos serviços públicos, entre outros retrocessos.
Caso não haja uma reação social forte a esse modelo de ajuste – que só atinge as pessoas cuja renda tem caráter alimentar ou que são as mais fracas na relação com o governo e com o mercado – a situação do Brasil tende a ser essa nos próximos três ou quatro anos por força da aplicação dos gatilhos previstos na PEC.
Aliás, a PEC foi feita para não ser cumprida. Se todas as despesas ficarem dentro desse limite, nada aconteceria. Porém, com a mera atualização pelo IPCA, com as demandas crescentes, é impossível manter o mesmo nível despesas. E é exatamente no não-cumprimento que a PEC produz seus efeitos. Ou seja, quando o gasto é extrapolado, o governo é obrigado a promover reformas e cortar gastos automaticamente, e esses cortes incidirão sobre aqueles com menos poder de pressão.
Se há – e não resta dúvida que há – necessidade de ajustes e sacrifícios, que todos – ricos e pobres – sejam chamados a contribuir, porém cada um deve participar segundo sua capacidade financeira. Excluir o sistema financeiro e escolher apenas os mais fracos como variável de ajuste não parece certo nem aceitável.
É disso objetivamente que se trata. Quando se congelam os gastos, exceto os financeiros, e não sendo possível impedir o envelhecimento das pessoas nem congelar as demandas da população por saúde/educação/segurança/previdência etc, esse congelamento não se sustenta. Daí a PEC para obrigar os cortes.
Portanto, o congelamento será utilizado apenas como gazua ou pé-de-cabra para forçar outras reformas de interesse do mercado, como as que retiram do Estado a responsabilidade pela garantia de direitos universais – como saúde, educação, assistência social, etc – e pelo fornecimento de bens, programas sociais e pela prestação de serviços que “onerem” o contribuinte, forçando os cidadãos a comprarem tais serviços no mercado.
O formato proposto, em essência, redirecionar o papel do Estado, que passa a priorizar a garantia de contratos, da propriedade e da moeda em detrimento do combate à desigualdades – regionais, de renda e de oportunidade – e do provimento de bens e serviços para os mais pobres ou necessitados. Ou seja, amplia a dimensão do direito privado e reduz a dimensão social ou de bem-estar do Estado brasileiro.
Por tudo isso, a PEC cria as condições ou fornece os meios para os governantes cortarem gastos por determinação Constitucional, mesmo que isso comprometa a qualidade e até a sobrevivência de pessoas. Ela, essencialmente, interdita o governante, impedindo-o de implementar políticas para reduzir desigualdades e gastar além do IPCA nas despesas não-financeiras exatamente com o propósito de gerar superávit para pagar as despesas financeiras: juros e amortizações da dívida.
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)