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26/01/2017

O ataque à Petrobras e a liquidação do futuro

 

Em três meses, algumas decisões do governo interino encaminham o País para uma situação de absoluto desastre, que o devolveria à condição de colônia. É como se o Brasil se suicidasse pela determinação de quem manda, diante da desinformação ou indiferença da opinião pública.

As medidas aceleram a liquidação da sua estrutura produtiva relevante, a consequente perda de autonomia no contexto mundial e o fortalecimento de um modelo centrado no rentismo, o nacional e o internacional.

No balcão de negócios da nova política econômica, a Petrobras, presidida pelo tucano Pedro Parente, vendeu no dia 28 o primeiro campo do pré-sal, o de Carcará, na baía de Santos, e ofereceu no mercado a BR Distribuidora, a maior do País, com peso decisivo na receita do grupo. Outros reservatórios daquela camada marítima deverão ser vendidos, ao lado de alguns bens que podem ser alienados sem danos à empresa e ao País.

Aprovado no Senado e prestes a ser votado na Câmara, o projeto do senador José Serra, o atual ministro das Relações Exteriores, de eliminar a obrigatoriedade de a companhia participar do pré-sal há de ser visto como o deflagrador do desmonte do que sobrou da privatização devastadora do período FHC, nos anos 1990.

Outros congressistas participam da grande liquidação com projetos para facilitar a venda de terras a estrangeiros e à ação das mineradoras globais, entre outros. A queima de ativos inclui ofertas feitas pelos estados, asfixiados com a queda contínua da arrecadação provocada pela recessão e a austeridade do governo, iniciada na gestão de Joaquim Levy na Fazenda, no segundo mandato de Dilma Rousseff.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quer privatizar 60% do Metrô paulistano, mas ainda não informou como serão contabilizados os prejuízos de 800 milhões de reais, segundo a Promotoria, causados pelo sobrepreço pago a um cartel de empresas para reformar 98 trens, nem as perdas com as 46 composições novas estacionadas por tempo indefinido por causa do atraso na construção de três linhas.

Destituída de partes crescentes da sua base material, a economia gravita cada vez mais em torno do rentismo, o jogo lucrativo e sem risco para instituições financeiras, empresas e famílias aplicadoras de recursos em títulos da dívida pública e ativos correlatos. A rentabilidade acima do retorno dos investimentos produtivos e da inflação, a segurança e a liquidez são garantidas pelo governo.

O amplo interesse nesse parasitismo do Estado, com rendimentos da aplicação em títulos da dívida pública, contribuiu para reverter, em 2012, a redução recorde da taxa de juros para 7,25%. Ninguém quer ganhos na faixa de um dígito quando está habituado a abocanhar juros no patamar dos 14,25% atuais.

Os rentistas internacionais encontram no Brasil o último paraíso de juros extremamente elevados, quase sempre os mais altos do mundo, bancados há décadas por um Estado Nacional. Eles ganham com a diferença entre as taxas de juro internas e as externas, as oscilações das moedas e manobras no mercado cambial local, um dos mais voláteis do mundo.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica investiga há um ano a manipulação da taxa de câmbio do real por um cartel de 15 bancos estrangeiros, de 2007 até 2011, com perdas de 200 bilhões de reais para 800 grandes indústrias responsáveis por 90% das exportações.

O governo interino apresenta o seu programa de privatização como indispensável ao equilíbrio fiscal. “A verdade é outra. Foi uma oportunidade que apareceu para venderem ativos públicos que agradam ao mercado. Dizer que é por problema fiscal é uma fraude, um ilusionismo, pode chamar até de pedalada fiscal”, rebate a economista Laura Carvalho, professora da USP.

Quando vende uma empresa, o Estado deixa de arrecadar no futuro os respectivos dividendos e lucros e, se o comprador for estrangeiro, ainda é obrigado a remetê-los eternamente para o exterior. O próprio FMI classifica o expediente como manobra fiscal, diz a professora. Foi muito utilizado por vários países desde a crise de 2008, sob regras fiscais rígidas, “para criar a sensação de que a situação melhorou, à custa de uma piora futura”.

A queima de ativos públicos “foi a solução para o governo ilegítimo e com situação política difícil no Congresso reforçar sua posição no mercado sendo extremamente pró-business”, analisa o economista Ricardo Carneiro, professor da Unicamp e ex-representante do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Carneiro pediu demissão do cargo de diretor-executivo da instituição em maio, pouco depois da aprovação, pelo Senado, do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

A venda do reservatório de Carcará à empresa pública Statoil, espécie de Petrobras da Noruega, por 2,5 bilhões de dólares, é um escândalo. Ao contrário do alegado pela administração de Pedro Parente, não há urgência na venda. “Vergonhosa e criminosamente, estão vendendo 1 bilhão de barris por um preço de dois dólares o barril. Isto precisa ser contestado na Justiça”, clamou Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e professor da USP, em depoimento na quarta-feira 10, na Comissão de Energia da Câmara, convocada pelo deputado Carlos Zarattini para discutir o projeto de Serra.

“O que se quer fazer agora é abrir a porta de entrada para a entrega total. Aparentemente, não há uma compreensão da dimensão do problema a que está se submetendo o povo brasileiro, titular dos recursos do petróleo. Este projeto que aí está ignora isso completamente e envergonha a nação”, acrescentou Sauer.

“A Petrobras não pode ter o direito, na minha opinião, de negar-se a ser operadora única do pré-sal. A empresa tem compromisso com o desenvolvimento nacional em uma área extremamente sensível, o desenvolvimento tecnológico, e trabalha na faixa de limite do conhecimento científico. O pré-sal representa isso”, alertou Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção que integrou as equipes que fizeram as grandes descobertas no Iraque e no pré-sal, em 2007, no governo Lula.

“O pré-sal veio completar a base energética que o Brasil precisa para se desenvolver autonomamente. Nisso, a operação única da Petrobras é um fator preponderante”, disse o geólogo.

Em um trecho do seu depoimento, esclareceu a razão dos ataques de potências estrangeiras, grupos multinacionais e seus auxiliares locais: “O pré-sal brasileiro talvez seja a mais importante área no mundo que contém uma grande quantidade de reservas e dá um protagonismo na cena geopolítica global ao País, que o contrapõe aos grandes países hegemônicos, principalmente no Ocidente”.

A comemoração da compra pelo presidente da petroleira nórdica, Eldar Sætre, evidencia um negócio excepcional. “Com esta aquisição, estamos acessando um ativo de classe mundial e reforçamos a nossa posição no Brasil, uma das áreas estratégicas da Statoil... O Campo de Carcará vai melhorar significativamente os volumes de produção internacional nos anos 2020 e posteriores.

Estamos desenvolvendo um negócio sólido no Brasil, com um amplo portfólio, produção material, oportunidades de exploração de alto impacto e excelente potencial de criação de valor de longo prazo e fluxo de caixa”, disse o executivo.

Os objetivos da estatal nórdica, muito além do curto prazo, contrastam com o sepultamento da estratégia anterior da Petrobras, de se tornar uma das cinco maiores empresas de petróleo integradas do mundo até 2030, e a instauração de um esquema imediatista de negócios centrado na venda de ativos em um ambiente mundial de preços rebaixados.

“O ponto fundamental é como fica o futuro do País. Quando se fala em privatização, abertura comercial, desregulamentação, a grande pergunta que falta é: “Tudo isso para quê? Onde está o projeto? Qual é a estratégia por trás disso?”, questiona o economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo.

O País saiu de uma grande lavoura de café para ser uma das maiores economias industriais na segunda metade do século XX, com uma estratégia. É possível questioná-la, mas havia uma linha muito clara.

A partir da crise dos anos 1980, o Brasil embarcou na onda neoliberal vinda do exterior. Lacerda chama atenção: “O período representado por Lula e Dilma significou uma tentativa de retomada de um projeto de nação, e agora, com o governo Temer, nós temos um retrocesso no sentido de um açodamento de medidas de cunho neoliberal sem um projeto por trás”.

A consequência, alerta o economista, é a perda de autonomia e de capacidade de articulação, sem outro objetivo além de agradar aos mercados, em um processo influenciado por uma interpretação da valorização do real e da elevação da bolsa como sinais de confiança, “mas você olha os indicadores reais da economia e constata que todos estão despencando. É um grande contrassenso”.

Vítima da queda mundial dos preços do petróleo, do saque perpetrado por uns poucos, da dilapidação da sua cadeia produtiva pela Lava Jato, da recessão e da crise política, a Petrobras talvez seja hoje a presa mais vulnerável na disputa geopolítica e militar entre Oriente e Ocidente, ignorada no Brasil. O acesso às fontes de energia está no centro do conflito entre blocos de superpotências e megaempresas petrolíferas.

Os Estados Unidos e as petroleiras americanas não gostaram do leilão do Campo de Libra, no pré-sal, sob o regime de partilha, em 2013, no governo de Dilma. Cinco telegramas do consulado americano no Rio de Janeiro enviados a Washington, o primeiro deles em 2 de dezembro de 2009, descobertos pelo site WikiLeaks, detalham como “a missão americana no Brasil acompanhou a elaboração das regras para a exploração do pré-sal e faz lobby pelos interesses das petroleiras”.

As mensagens evidenciam a insatisfação das petroleiras estadunidenses com a lei de exploração aprovada pelo Congresso e sua irritação, “em especial, com o fato de a Petrobras ser a única operadora”, e como aquelas companhias “atuaram fortemente no Senado para mudar a lei” da partilha do pré-sal. Segundo Patricia Padral, diretora da Chevron no Brasil, José Serra teria prometido mudar as regras se fosse eleito presidente.

Ocupante do ministério das Relações Exteriores no governo interino, o tucano está em uma posição-chave para mexer peças nesse tabuleiro. Neste momento, tenta impedir que Nicolás Maduro ocupe a presidência do Mercosul, no sistema de rodízio adotado pelo organismo.

O veto ajudaria a realizar o sonho dos Estados Unidos de mudar o comando da Venezuela, dona da maior reserva petrolífera do mundo, uma das mais cobiçadas alternativas ao distante e conflagrado Oriente Médio e ao esgotamento, nos próximos anos, da exploração do xisto, ou shale.

O projeto de Serra para enterrar o protagonismo da Petrobras no pré-sal e o papel de Pedro Parente como corretor das reservas de petróleo são a melhor oportunidade para os tucanos realizarem um objetivo perseguido há duas décadas. O plano foi revelado em 1996 em um artigo da revista especializada Offshore sobre a quebra do monopólio estatal do petróleo no ano anterior, no primeiro mandato de FHC.

O governo manteve 51% das ações com direito a voto, um “choque para os homens de negócios do setor petrolífero”, para os quais o fim do monopólio significaria também a privatização da empresa pública: “Aqueles que acompanham a política petrolífera brasileira mais de perto estão cientes de que, apesar de neste estágio a privatização da Petrobras não ser contemplada, existe uma forte facção no governo, no Congresso e nos círculos de negócios que gostaria de introduzir uma legislação com esse efeito em uma data posterior”.

Naquele ano, a petroleira brasileira era a 17ª em produção, destacou o artigo. Em 2014, ocupou a 14ª posição, segundo o ranking da revista Forbes.

A aceleração, por Pedro Parente, da venda de ativos iniciada pelo antecessor Aldemir Bendine encaixa-se no figurino clássico das privatizações de grandes grupos, de primeiro desmembrar a empresa e depois se desfazer dos fragmentos. “As grandes petroleiras, os bancos e os escritórios de advocacia estão salivando”, revelou em junho Nick Butler, do Financial Times, com “aquilo que pode ser uma rodada muito substancial de privatizações, a começar pelo setor de petróleo.

Leia a reportagem completa aqui

 

Comunicação SEESP
Reprodução de notícia da revista CartaCapital

 

 

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