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08/01/2018

Entrevista – É preciso valorizar a engenharia

Jéssica Silva e Fábio Pereira
Jornal do Engenheiro*

Dois mil e dezoito começa com a promessa de ser mais um ano de lutas. A perspectiva é de Carlos Roberto Mingione, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco). Ele se refere a leis e projetos governamentais em andamento que impactam diretamente a atividade da engenharia, como o Programa de Avaliação de Conformidade de Projetos de Engenharia e Obras de Infraestrutura, elaborado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

A medida pode acarretar queda na qualidade dos serviços prestados, pois, segundo Mingione, afrouxa o controle de empresas que realizam certificações. O texto foi à consulta pública, mas, até o momento, ele conta que nenhuma alteração foi apresentada. “Teremos que trabalhar firmemente para que o resultado seja favorável à engenharia nacional”, afirma o dirigente do Sinaenco, entidade que representa cerca de 33 mil empresas em todo o País.

De modo geral, como foi o ano de 2017 para a engenharia?

Infelizmente os dois últimos anos foram muito difíceis. Tivemos uma retração no mercado, com a crise econômica que o País vem atravessando associada a problemas de ordem institucional política. Com isso, a engenharia está desprestigiada. No setor de engenharia consultiva temos um desgaste com processos de contratações públicas, feitas até por meio de leilões, que tratam engenharia como um serviço comum; em contratações pelo menor preço frente à qualidade do projeto, há soma de aditivos em consequência do mau planejamento, atrasos nas obras e até inviabilização de empreendimentos. E as ações que vemos para mitigar isso parecem ir justamente em direção contrária. Sinto que a engenharia está passando por grandes desafios.

Mingione dentroQuais são as medidas que atingem a atividade da engenharia?

Um exemplo é a “Lei das Estatais” (Lei 13.303/16 – Lei de Responsabilidade das Estatais), que define como as empresas públicas ou de economia mista devem contratar. A lei abre brechas para que a contratação seja pelo menor preço e que ocorra até mesmo sem um projeto completo, ao invés de preconizar uma contratação baseada em qualidade. O novo Projeto de Lei das Licitações (PL 6.814/2017) também é um desafio. Se aprovado como está hoje, vai possibilitar a contratação inadequada do serviço de consultoria, pois viabiliza essa decisão com base apenas no preço, o que coloca o caráter do serviço em dúvida. Outro ponto impactante é o Programa de Avaliação de Conformidade de Projetos de Engenharia e Obras de Infraestrutura do Inmetro. A partir dele, empresas sem registro no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) ou no Conselho Regional (Crea), ou até mesmo no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), podem realizar certificações. E não dá para aceitar uma atestação de capacidade técnica apenas por declaração, sem vínculo com sistemas que regulamentam a profissão. Não se pode confiar na fidelidade de um serviço feito dessa forma.

Como o Sinaenco está se contrapondo a essas medidas?

Estamos buscando o diálogo, dedicados fortemente à questão da certificação, conversando com ministérios, com o Inmetro para mostrar o grande risco que está se colocando ao setor. A proposta ainda sugere que as empresas que fazem a certificação poderão exercer atividades inerentes ao trabalho de gerenciamento ou supervisão de obras. O que pode dar a falsa ilusão de que, a partir da certificação, a supervisão da obra é desnecessária. Isso não é correto. Medidas assim desvalorizam a engenharia nacional. Como, por exemplo, a ideia de abertura do mercado ao profissional estrangeiro. Qual é a necessidade dessa abertura tão drástica e tão imediata, sem reciprocidade alguma? O que sabemos é que cerca de 50 mil engenheiros brasileiros estão desempregados. Nós corremos um sério risco, ao abrirmos mão de desenvolvermos e mantermos uma engenharia forte, sadia e em evolução, de ficarmos hipossuficientes.


Entidade vê riscos das às empresas e aos profissionais brasileiros em normas
como a Lei de Licitaçãoes e o Programa de Avaliação de
Conformidade de Projeto de Engenharia e Obras de Infraestrutura.

O que é necessário para impedir os retrocessos no setor?

Precisamos de fato unir as entidades representativas, tanto empresariais como laborais, para trabalhar de forma contínua, incessante, unificando o debate e conscientizando dirigentes, políticos e toda a sociedade da importância que a engenharia tem. Temos que ser firmes no sentido de corrigir essas distorções que não vão sanar problemas, trabalhar muito para reverter esse quadro e recolocar a engenharia nacional como protagonista do desenvolvimento do País. Os governos também devem entender a importância da engenharia, a importância de um bom projeto, de planejamento, isso já é valorização. Quando você realmente valoriza a qualidade, a técnica, as empresas vão procurar os melhores profissionais (para terem competitividade); e os profissionais também vão buscar qualificação maior. O setor evolui, o desenvolvimento acontece.

Quais as expectativas do Sinaenco para 2018?

Esperamos que seja um ano de retomada, mas acho que será muito devagar. Porque estamos passando ainda por uma crise severa. Fora isso, as eleições trazem mais um ano de incertezas, pois não sabemos quais serão as mudanças que virão. Além disso, melhorias econômicas e de desenvolvimento não acontecem de uma hora para outra. O Sinaenco terá um ano de muito trabalho e luta com esses processos em andamento, das leis em discussão, da proposta do Inmetro de regulamentação de certificação de projetos e obras. Teremos que trabalhar firmemente para tentar impactar o setor de uma forma positiva.


* Publicação da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), nº 188, janeiro de 2018

 

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