Rosângela Ribeiro Gil
A “Excelência profissional” desta edição é o professor José Roberto Cardoso, do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Graduado em 1974, obteve os títulos de mestre, doutor e livre docente na mesma instituição. Entre 1987 e 1988, realizou pós-doutorado no Laboratoire d´Electrotechnique de Grenoble, na França.
Professor Cardoso fala do início da sua carreira na engenharia, e como os profissionais atuais devem se preparar para enfrentar
o mercado de trabalho. Foto: Beatriz Arruda/SEESP.
O professor Cardoso também é o coordenador do Conselho Tecnológico do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo. Para ele, os novos tempos exigem um profissional de engenharia além do conhecimento técnico, mas que tenha competências que envolvem aptidões mentais, emocionais e sociais, e que saiba se comunicar corretamente na escrita e na língua oral; humildade para saber ouvir e aprender e interagir com equipes cada vez mais multidisciplinares, que incluem gente de Humanas.
Como a engenharia entrou em sua vida?
Nasci numa época, em 1949, em que o País estava realizando grandes obras, como linhas de transmissão (de energia), (construção de) estradas. É um estímulo à criança querer entender como se faz tudo isso. Talvez por essa razão a engenharia tenha me chamado a atenção. Além disso, lembro que meu pai me levou para visitar uma linha de transmissão de energia pequena que estava sendo construída lá perto de casa, no Ipiranga, na cidade de São Paulo. Esse fato talvez tenha agido no meu subconsciente para me atrair para a engenharia elétrica, onde estudei sistema de potência, máquinas e equipamentos.
O senhor fez o curso na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), na década de 1970?
Sim. Entrei na Poli em 1970. Foi um sacrifício de vida. Foram cinco anos na graduação que não foram nada fáceis.
Depois de formado, como foi exercer a profissão?
Logo que me formei fui trabalhar numa fabricante de geradores elétricos. Era uma empresa familiar, pequena. Éramos somente eu e mais um colega para resolver todos os problemas de engenharia que aparecesse, fossem eles de mecânica ou de elétrica. Tivemos que resolver questões multidisciplinares e isso foi muito bom para minha formação. Não fiquei especializado numa determinada função. O aprendizado nessa empresa, durante cinco anos, me fez enxergar as outras profissões com tranquilidade. Encarava um programa de engenharia mecânica sem medo, porque eu tinha que fazer isso no dia a dia, não só de mecânica como de química, pois tinha que trabalhar com vernizes para isolar as máquinas.
Em 1976, um professor da Poli me convidou para dar aula. Naquela época os professores eram convidados, não tinha concurso.
Desde então o senhor não saiu da universidade?
Fiquei como professor em tempo parcial até 1985. Então, decidi que deveria fazer pós-doutorado no exterior. Já tinha feito mestrado e doutorado na Escola Politécnica na área de máquinas elétricas, em 1979 e 1985. Fiz meu pós-doutorado na França. Fiquei um ano em (Laboratoire d´Electrotechnique) Grenoble, um grande centro europeu de equipamentos elétricos. Quando voltei para o Brasil saí da empresa e fiquei tempo integral na Poli. Fui chefe de departamento, presidente da comissão de pós-graduação e também diretor da escola de 2010 a 2014. Continuo dando aulas na Poli.
Como o senhor vê a evolução dos cursos de engenharia no Brasil?
Para mim, mudou completamente o perfil do engenheiro, que antes saía sabendo mais do que a indústria, agora não mais. Então esse profissional tem que ter um dos atributos mais caros à engenharia: ter o prazer de continuar a aprender, não parar de estudar nunca. Já sai da escola e deve fazer um curso de MBA, de especialização ou até pós-graduação e persistência para tentar acompanhar a tecnologia.
Isso tem reflexos na forma de trabalho?
Mudou a forma de trabalho dos engenheiros também. Na época em que me formei, sempre lembrando isso, trabalhava como projetista, fazia os cálculos, não tinham computadores pessoais, eu usava calculadoras antigas e fazia o meu projeto de forma isolada, praticamente, ninguém mexia comigo. Ficava lá pensando, terminava o projeto e daí passava para a fabricação e o pessoal ia fazendo o desenho com os cuidados adequados. Hoje não existe mais esse isolamento.
Como é agora, então?
Um projeto agora envolve diversas habilitações que o engenheiro precisa saber interagir. Por exemplo, um veículo hoje tem de tudo: programas de mecânica, de elétrica, de química, de logística, de produção, o que exige muitos engenheiros, pessoal de designer, marketing, de humanas etc.. Ou seja, trabalha-se com uma equipe multidisciplinar que, às vezes, não está fisicamente no mesmo local e até espalhada no mundo inteiro. Ou seja, o engenheiro tem contato com essa equipe por meio de programa de computadores, plataformas digitais.
Além disso, ele trabalha com profissionais de áreas distintas, ou seja, precisa ler bastante, inclusive sobre economia. Isso exige muita flexibilidade para entender que ele não vai mais estar numa sala com computador e dizer sou engenheiro eletricista, então o resto do pessoal que se vire. Ele precisa saber aprender em contato com os profissionais da sua equipe.
Como se preparar para essa realidade?
Esse engenheiro precisa ter alguns atributos além da técnica. Por exemplo, trabalhar em equipe exige saber se comunicar tanto na escrita como na comunicação oral. Ele vai ter de escrever bastante, porque nas plataformas digitais a maior parte do contato é via e-mail. Estamos falando que esse profissional precisa saber escrever e ler adequadamente, inclusive em outros idiomas. Se comunicar bem na forma escrita, na forma oral e na forma gráfica também. Saber fazer gráficos para apresentar uma ideia. Aprender a ouvir é outra virtude.
Como a universidade pode preparar esse engenheiro moderno?
As novas diretrizes curriculares da área colocam entre as competências do engenheiro a importância do que a gente chama de soft skill (competências que envolvem aptidões mentais, emocionais e sociais). É incrível como isso é importante e como vem impactando a reestruturação do emprego na engenharia. Esse profissional para conseguir emprego, a primeira coisa que as empresas fazem é pedir um vídeo de apresentação. Se ele não sabe fazer um vídeo se apresentando, acabou, não tem emprego.
Ele precisa ser estimulado na universidade para essas habilidades. As escolas precisam se preocupar com esses novos atributos e competências, começando a fazer programas por meio de oficinas ou atividades extracurriculares; ou de própria exigência dos professores. Por exemplo, numa aula de cálculo vai ser conveniente o docente pedir ao aluno ir à lousa e fazer uma apresentação, que ele comece a ser um agente ativo no processo de aprendizado. Isso já são práticas antigas nos EUA e na Ásia, e agora está chegando no Brasil.