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20/03/2019

Mercado de trabalho no País é ainda muito preconceituoso

 Rosângela Ribeiro Gil

Oportunidades na Engenharia

 

Patrícia EmpregueAgroPatrícia Santos criou a primeira recrutadora para a inclusão de afrodescentes no mercado de trabalho.

 

Em maio de 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) noticiava que o País “ainda está muito longe de ser uma democracia racial”, explicando que, em média, “os brancos têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são maioria entre os que frequentam o ensino superior, por exemplo. Já os indicadores socioeconômicos da população preta e parda, assim como os dos indígenas, costumam ser bem mais desvantajosos”.

 

Tal situação, ensina o professor Otair Fernandes, doutor em Ciências Sociais e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ), “ainda é herança do longo período de colonização europeia” e do fato de o Brasil ter sido o último país a acabar com a escravidão. A abolição da escravidão, ocorrida há 130 anos, não foi acompanhada por projetos de inserção do negro na sociedade brasileira. “Mesmo depois de libertos, os negros ficaram à própria sorte. Então, o Brasil vai se estruturar sobre aquilo que chamamos de racismo institucional”, aponta. 

 

>> Somos todos iguais? O que dizem as estatísticas

Nesse sentido, todas as ações afirmativas devem ser bem-vindas e ampliadas. Na esfera privada, temos uma iniciativa importante, datada de 2004. É a EmpregueAfro, uma consultoria de recursos humanos focada na diversidade étnico-racial. A ideia foi de Patrícia Santos, 39 anos, mãe de quatro filhos. Ela é formada em Pedagogia pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), com MBA em Administração pela Trevisan Escola de Negócios e pós-graduação em Gestão de Pessoas pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Patrícia, em meio a tantas tarefas e solicitações de entrevistas, falou com a gente sobre sua trajetória de vida e profissional num País ainda extremamente racista, machista, transfóbico e desigual. Mas a nossa entrevistada, que se define “empreendedora social”, já mostrou que não vai sair “da pista” enquanto o Brasil for desse jeito. E nós também!

 

Em um vídeo feito pela Eudora, você fala da importância da sua avó materna na sua formação humana. Quem é essa mulher?

A minha avó (falecida em 2010), matriarca da nossa família, foi fundamental à minha formação como mulher e para minha consciência racial. Uma senhora que nasceu numa fazenda de café no interior da Bahia, numa cidade chamada Vitória da Conquista, que nunca conseguiu estudar formalmente. O nome dela é Hermosina Maria de Jesus, a Dona Nenzinha, e teve 12 filhos. Meus tios, todos mais velhos, foram casando, saíram de casa e, como a minha mãe era a caçula, ela ficou com a gente. Fui a primeira neta. Ela cuidava de mim. Ficou comigo até os (meus) 17 anos, pois minha mãe trabalhava muito.


 

Nesse dia a dia em que ficávamos juntas, ela falava muito da gente se sentir bonita. Durante a “crise” de se sentir feia, no final da infância e começo da adolescência, minha avó dizia exatamente o contrário.

 

Minha avó era bem engraçada nesse sentido e costumava ter ditados populares para tudo. Ela falava muito sobre a situação do dia a dia, tanto que a frase que eu estou segurando lá no quadro é “se eu pudesse e se meu dinheiro desse, não há nada no mundo que eu não fizesse”. É porque ela falava que tinha muita vontade de viajar, de ir para outros lugares e ela não conseguia.


Patrícia Avó mãe 2019Ainda menina, Patrícia com a avó e a mãe. Foto: Arquivo pessoal.


Meu avô era branco; ela, preta. Ela sempre falava para a gente valorizar nossa cor e origem, e não se esquecer de ser humilde. Ela era muito carinhosa e amorosa. Então, esse cuidado, esse amor, esse carinho, esse conversar, eu passo muito para os meus filhos hoje.

 

Minha avó ficava horas conversando comigo e contando histórias da época da fazenda. Depois que fui associar que eram histórias da escravidão.

 

Como desenvolver a autoestima, no nosso mercado de trabalho, das diversidades e diante das desigualdades: das mulheres, dos negros, do LGBT, do desempregado, do estudante que trabalha e estuda etc.?

O mundo do trabalho não desenvolve a nossa autoestima. O mercado de trabalho é o segmento mais preconceituoso que existe. Ele reflete o que é a nossa sociedade: machista, racista e transfóbica. As empresas que investem e trabalham com diversidade têm criado grupos de afinidades, esses vão trabalhando não só a autoestima, mas as competências pessoais, comportamentais, para que possamos desenvolver o senso de pertencer. Falo, primeiramente, em nós, negros; mas isso serve também para os outros grupos considerados historicamente excluídos.

 

Ao longo do seu trabalho na área, você poderia nos apontar políticas ou ações públicas e privadas que verdadeiramente são inclusivas? E o que é apenas marketing?

É difícil falar o que é apenas marketing e o que de fato representa mudança. Temos clientes que são verdadeiramente engajados. Quando você vê que as políticas de inclusão consideram ações de recrutamento, de seleção, de treinamento e de desenvolvimento é que a gente pode falar que, de verdade, estão preocupados com uma mudança e com uma causa, não só com uma questão de marketing.

 

400 Patrícia quadroEm qual momento histórico as ações afirmativas não serão mais necessárias? Essa realidade já existe em algum lugar do mundo?

Quando a gente tiver uma equidade nas estatísticas entre brancos e negros e entre todas as etnias no Brasil. Por exemplo, quando a gente olhar o quadro das 500 maiores empresas do País e perceber que temos uma proporcionalidade com relação ao que representamos na população. Se hoje temos apenas 4,6% de executivos negros, quando tiver 30% considerando 55% da população, aí sim a gente vai dizer que não precisa mais de ações afirmativas.

 

Um estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) aponta que essa equidade vai chegar no Brasil em 150 anos. Não quero esperar tanto tempo. Acredito que podemos mudar isso em 30 ou 40 anos. Estou nesse mercado há 15 anos e vi poucas mudanças. Com mais pessoas engajadas e empresas, poder público e instituições do terceiro setor trabalhando com qualificação, diversidade e inclusão, vamos reduzir essa desigualdade.

 

>> Aqui você lê o estudo do BID citado pela Patrícia: “Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas”

Essa realidade, infelizmente, ainda não é vista em nenhum lugar do mundo. Nos EUA tem um pouquinho mais de equidade, porque a população negra é de 14% e eles já ocupam mais cargos executivos, mas ainda é um desafio porque o racismo é muito presente.

 

O racismo é o que mais impede a implantação de políticas de igualdade entre brancos e negros em nosso País.

 

Por fim, quais são as suas inspirações pessoais, além da sua avó, e dicas culturais também inspiradoras?

Minhas inspirações, atualmente, são a Oprah (Winfrey) – apresentadora de televisão, atriz e empresária norte-americana –, uma mulher fantástica, multitarefa, extremamente inteligente, engajada, posicionada, uma comunicadora e empresária de excelência; a Rachel Maia, atual CEO da Lacoste; e o (ator) Lázaro Ramos, porque ele tem um posicionamento muito ético e coerente. Essas são as minhas três principais inspirações. Dicas culturais eu sugiro visitar o Museu Afro, no parque do Ibirapuera, em São Paulo; e a cidade de Salvador (BA), que tem uma história e cultura negras muitos fortes; e ler o livro do Lázaro Ramos, “Minha pele”.

 

 

 

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