Deborah Moreira
Comunicação SEESP
Dando prosseguimento ao "Seminário Ferrovia Essencial", promovido pelo SEESP e Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente) na manhã de quarta-feira (4/12), no auditório do sindicato, na capital paulista, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e o secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy, foram os convidados do painel “A ferrovia e o desenvolvimento econômico”, que teve mediação de José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da FerroFrente. A tônica das explanações foram as dificuldades econômicas e políticas enfrentadas para as pequenas conquistas obtidas ao longo do ano durante três episódios que ocorreram neste ano e que contribuíram para reanimar as discussões sobre ferrovias.
Fotos: Beatriz Arruda/Comunicação SEESP
"Tivemos três ocasiões importantes para reacender o debate", afirmou Abreu. A primeira delas foi o leilão, em março deste ano, da Estrada de Ferro 151, conhecida como Ferrovia Norte-Sul, vencido pelo consórcio Rumo S.A. pelo valor de R$ 2,71 bilhões, acima do lance mínimo de R$ 1,3 bi, mas muito abaixo do valor estimado da ferrovia, de mais de R$ 6 bi, segundo alertou a senadora do Tocantins.
Ela chegou a produzir um mapa para “mostrar o que aconteceu com a ferrovia norte-sul no seu leilão”, que diz ter entregue para “o mundo, desde os técnicos do TCU [Tribunal de Contas da União] a parlamentares, Ministério da Economia, da Infraestrutura". E brincou: “Não posso ver alguém que já dou o mapa.” Kátia Abreu critica os moldes apresentados pelo Ministério da Infraestrutura para o leilão que manteve o monopólio de duas empresas, uma delas a vencedora do certame, em toda a infraestrutura ferroviária do País, que prejudica o transporte da produção, com frete alto, tornando inviável o uso dessa opção pelos produtores rurais.
Outro ponto citado pela senadora foi a autorização do direito de passagem nos trilhos para outra operadora por somente cinco anos e de apenas 1% da carga total, o que teria inviabilizado a entrada de novas empresas concorrentes, encarecendo o transporte da carga.
“Fiquei em choque quando vi o edital. De que seria essa modalidade sem o direito e passagem”, exclamou. No entanto, ainda de acordo com sua narrativa, o “barulho” feito foi tão grande que começou a chamar a atenção e ecoou meses depois no voto dado posteriormente pelo ministro do TCU, Augusto Nardes.
Esse, aliás, é o segundo episódio citado por ela: a prorrogação dos contratos na malha paulista, que são da Rumo, e que recebeu voto favorável do ministro Nardes, em novembro último, para ser renovado até 2028 com uma série de exigências, contrariando a proposta do Ministério da Infraestrutura e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que estenderia o acordo até 2058.
“Li todo o voto do TCU. É uma vergonha para a ANTT, que é a agência reguladora. Ela tem que copiar esse voto, que simplesmente regulou o setor, a partir da concessão da malha paulista, com riqueza de detalhes. Estou pronta para fazer um pronunciamento no Senado sobre o tema, e farei para registrar nossa vitória”, contou à plateia.
O terceiro episódio citado pela senadora é a discussão em torno do Projeto de Lei 3.110, de 2019, de autoria do senador Jean Paul Prates (PT/RN), que pretende alterar a Lei das Estatais (13.303/16), condicionando a prorrogação dos contratos das concessionárias à autorização legislativa. Abreu é relatora do PL. “Pedi vistas e disse que vou apresentar um substitutivo, se não houver acordo”, comentou, referindo-se ao relatório apresentado por Prates, em que coloca que “o sistema de concessão poderá ser transferido para autorização sem licitação”. “A dispensa de licitação [para prorrogação do contrato], como é o caso da malha paulista, está sub judice no Supremo com a ADI [5.991], que a ministra Cármen Lúcia deverá julgar a qualquer momento. Já pensou se ela julga mesmo, como nós esperamos, que é inconstitucional isso. Vai derrubar tudo o que está sendo feito”, continuou.
Agências reguladoras
Ao final de sua explanação, a senadora fez um alerta sobre o não cumprimento do papel fiscalizador por parte das agências reguladoras em todo o País. “Não estão cumprindo seu papel, que é defender o consumidor. É isso que está prejudicando o Brasil, em diversos setores, inclusive no ferroviário.” Ela citou ainda a omissão do Banco Central em relação à cobrança de juros abusivos dos bancos, que recentemente baixou de 300% para 150% ao ano:
“Qual a penalidade para as agências reguladoras? O Banco Central que deixou isso acontecer por anos, qual penalidade ele receberá por permitir o endividamento de tantas famílias? Qual vai ser a penalidade dos gestores da ANTT que permitiram o abandono das nossas ferrovias no Brasil e não tomaram providência de caducidade dos contratos? E a cobrança das multas que nunca foram pagas?”, questionou.
Alexandre Baldy também foi contundente: “O Senado está discutindo um novo marco regulatório, e nós estamos pedindo que, enquanto não estiver definido, que não haja a prorrogação desse contrato. Depois, se for inevitável, que possamos conviver da melhor maneira possível, que é com a fiscalização da ANTT.”
Teto de investimentos
Em sua fala, ao discorrer sobre as dificuldades enfrentadas pelo Estado de São Paulo, o secretário falou sobre compressão da capacidade orçamentária na execução de grandes obras, como as ferrovias, e que demandaria de recursos federais. Uma das alternativas são as emendas impositivas de bancadas estaduais (aprovadas por meio de Proposta de Emenda Constitucional - PEC em abril deste ano).
“Hoje, estamos modelando projetos a serem concedidos nas ferrovias para o transporte de passageiros que sejam apetitosos para o investidor privado e internacional, como o trem intercidades, associado à linha 7, que atualmente transporta diariamente 500 mil pessoas, numa via segregada, para que possa fazer, em até 60 minutos, o trecho São Paulo – Campinas, com possível parada em Jundiaí”, detalhou Baldy.
Considerando-se pragmático, ele reafirmou em diversos momentos que o Estado não tem mais recursos, que projetos como o trem bala não condizem com a realidade e a atual conjuntura não possibilita a ampliação das inversões em infraestrutura. Neste ano, segundo o secretário, o governo só deve investir pouco mais de R$ 2 bilhões em mobilidade urbana. “Tem-se uma PEC do teto que limitou o investimento. O colchão fiscal nacional é de R$ 24 bilhões. Qualquer prefeitura que tente pegar um empréstimo hoje para fazer investimentos em mobilidade não tem mais aval da Caixa [Econômica Federal]”, declarou.
Acesse as apresentações do painel:
Kátia Abreu
Alexandre Baldy
Vídeo do Painel 'A ferrovia e o desenvolvimento econômico':