Formada há cinco anos, Karen Contessoto Lima coordena uma equipe de 16 homens em grandes projetos de multinacional alemã, nos Estados Unidos
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
A engenheira mecânica Karen Contessoto Lima se formou aos 25 anos pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI), em 2015. Hoje, aos 30, mora e trabalha nos Estados Unidos, como responsável por toda a área de Metalurgia e Tratamento Térmico da planta de Russellville, no Arkansas, na Mahle, empresa alemã de peças automotivas. “Entre laboratório, operação e manutenção, coordeno uma equipe de 16 funcionários, de mais idade que a minha, nesta equipe, temos uma relação incrível de parceria e respeito”, declara. É com a trajetória de Lima que vamos celebrar o Dia do Engenheiro Mecânico, neste 5 de junho, homenageando todos os profissionais da área.
Fazer e pagar o curso de engenharia não foi fácil para Lima. Durante a faculdade, ela resolveu se dedicar à avó que enfrentava uma grave doença. Quando pôde, voltou a estudar e conseguiu um estágio na empresa alemã, em São Bernardo do Campo. “O salário dava para eu pagar a mensalidade”, recorda, orgulhosa.
Há 12 anos na multinacional, Lima lembra que sempre ouviu da sua mãe que ela poderia ser o que quisesse independente de questão cultural, de gênero ou financeira. Por isso, a família lhe é importante em toda a sua trajetória profissional e de vida, assim como a fé. Apesar da vida agitada, “nunca deixei de me dedicar às atividades na igreja. Amo o ambiente de união que encontro lá e dedicar tempo para agradecer a Deus por tudo o que Ele é para mim faz parte da minha rotina”.
A entrevistada fala, ainda, das competências importantes para todos os profissionais, como os de Engenharia, como a de se comunicar bem, inteligência emocional e pensamento estratégico.
Antes de falarmos da sua trajetória profissional, como está a situação aí com a pandemia do novo coronavírus?
Karen Contessoto Lima – Aqui para nossa empresa a pandemia trouxe grandes desafios. Fomos a única planta a não fechar em nenhum momento durante todas as fases dentre toda a América do Norte e Europa e tivemos que aprender a lidar com um novo modo de interagir como fábrica: reuniões espaçadas, limite de pessoas, todos de máscara, orientação ao chão de fábrica.
A pandemia trouxe uma crise que era imprevisível e despertou o que o engenheiro tem de melhor: a capacidade de criar novos métodos de distribuir layout para praticar o distanciamento social, estratégias de redução de custo para superar a crise, desenvolver projetos de saving [de redução de custos] antes impensáveis. O profissional da área é capaz de liderar mudança em tempos de crise. Temos a missão de reduzir o impacto negativo ao máximo. Os dias de pressão nas semanas de prova na faculdade estavam na verdade nos preparando para momentos como esse: onde nos deparamos com problemas que parecem maiores que nosso entendimento, mas quando paramos, pensamos e analisamos, vemos que não são! Tudo tem solução e mesmo quando a crise é tamanha, sei que sairemos dela mais conscientes e fortes.
Como se deu a sua trajetória a partir da sua formação em engenharia mecânica, pela FEI, em 2015?
Minha carreira profissional na Mahle praticamente ocorreu junto com a minha formação. Foi com muito esforço e fé que consegui cursar Engenharia. Apesar de ter iniciado o curso como bolsista na FEI pelo desempenho no vestibular e por necessitar de auxílio financeiro, perdi minha avó após lutar contra uma doença no primeiro trimestre da faculdade e a escolha por me dedicar a cuidar dela até o fim me custou a bolsa de estudos. Mas foi a melhor escolha que fiz.
Mesmo perdendo a bolsa não desisti e segui na FEI sabendo que não teria condições de arcar com os custos. Minha família sempre me apoiou a seguir meus sonhos e minha mãe foi a grande inspiração para que eu fizesse engenharia. Ela sempre dizia que eu tinha o dom de resolver problemas e que poderia ser qualquer coisa que quisesse, independente de limitações financeiras, distância ou barreiras culturais.
Como seguiu os estudos?
Antes que vencesse a primeira parcela [do curso] recebi uma proposta para fazer entrevista na Mahle como estagiária. Na época eu estava efetiva como assistente de arquivo técnico em um escritório de engenharia e quando vi o porte da empresa escolhi arriscar. O salário era exatamente o que precisava para me manter na FEI. Passei na entrevista. Todos os dias ia para o estágio pensando: sei que se der o meu melhor eles vão me efetivar. E aconteceu! Com apenas oito meses fui efetivada. A Mahle foi uma escola tão fantástica quanto a FEI. Lembro-me de semanas de prova em que saía da empresa e ia para a faculdade direto, e depois retornava porque estava com algum projeto crítico em mãos.
Continua na mesma empresa?
Doze anos depois, e após passar por três plantas diferentes entre Brasil e Estados Unidos, ainda vou para a Mahle com o mesmo brilho nos olhos dos tempos de estagiária. Atribuo meu sucesso profissional na empresa há muita dedicação e também à autenticidade: nunca alterei minha personalidade criativa e expansiva somente por estar no ramo de exatas onde se espera uma postura rígida, formal e séria.
No ano passado, em Ohio, desenvolvi um jogo de tabuleiro muito divertido para treinamento técnico do chão de fábrica e hoje esse jogo está se espalhando por diversas plantas no mundo.
Não foi apesar de ser mulher que obtive sucesso na engenharia, foi por ser mulher. Procuro dar o meu melhor em tudo, não o melhor dos outros, o meu melhor. Tento entregar algo único em tudo que faço, essa é minha motivação. Acredito que cada um de nós tenha algo único em sua personalidade que é o que define nosso sucesso.
Quais são suas atividades na empresa?
Atualmente sou responsável por toda a área de Metalurgia e Tratamento Térmico da planta de Russellville, no Arkansas. Entre laboratório, operação e manutenção, coordeno uma equipe de 16 funcionários, de mais idade que a minha, nesta equipe, temos uma relação incrível de parceria e respeito. Eles confiam no meu direcionamento e eu confio na capacidade deles. Eu amo a equipe com a qual trabalho e o modo como lidamos com os desafios juntos.
Cuidamos dos processos metalúrgicos para endurecimento da camada superficial dos eixos de comandos de aplicação comercial (automotiva, agrícola, ferroviária entre outros). Nosso objetivo é a redução de desgaste por atrito e fadiga no motor sem perder a ductilidade necessária para a aplicação. É um processo bastante complexo, cada dia um novo desafio.
A Mahle é uma multinacional alemã líder no mercado automotivo e nosso foco é liderar a mobilidade do futuro. Desde os meus primeiros meses como estagiária a empresa sempre me deu muito espaço para inovar processos e expressar minhas opiniões e sugestões e isso me empoderou para encarar qualquer problema.
Já representei a empresa em diversos países em reuniões técnicas, comissionamentos de equipamentos importados e para resolução de problemas de qualidade. A primeira vez em que fiz uma viajem para o exterior resolver um problema em um cliente, quando me viram – jovem, mulher – estranharam que eu estava ali representando a empresa. Após uma semana de trabalho com eles, recebi um feedback muito positivo. Em 2018, surgiu a oportunidade de mudar para os Estados Unidos e tem sido uma experiência incrível.
Como é conciliar trabalho, estudo e vida pessoal?
Sempre gostei de estudar, aprender coisas novas e estar antenada, isso tudo nunca foi um fardo. Acredito no poder do conhecimento e na educação como fatores de mudança social. Conciliar isso com a carreira não foi fácil. Assim que conclui a FEI fiz especialização em finanças na Saint Paul e emendei meu MBA na FGV [Fundação Getúlio Vargas] e depois uma extensão na [Universidade] George Washington, nos EUA. E já estou com vontade de partir para a próxima especialização.
Em sua apresentação no LinkedIn, você destaca fortes habilidades em comunicação, inclusive em outro idioma. No mundo atual, quais habilidades são importantes?
A habilidade de se comunicar bem é fundamental. A engenharia não tem fronteiras: se o profissional se dedicar vai encontrar a solução que procura muitas vezes do outro lado do mundo e a língua não pode ser uma barreira. Além disso, inteligência emocional e pensamento estratégico são duas habilidades importantes. Espera-se que o engenheiro resolva problemas e normalmente o prazo para resolução é muito inferior ao desejado.
O profissional precisa estar preparado para priorizar suas atividades, avaliar como suas decisões afetam a estratégia da empresa em diversos aspectos (financeiro, qualidade, segurança) e isso tudo sem perder o equilíbrio emocional. O ambiente produtivo é mais “bruto”, mas isso não pode transformar a personalidade do profissional ou fazê-lo confundir os conflitos da indústria com os de caráter pessoal. Um líder que tive me ensinou que as pessoas são contratadas por suas habilidades técnicas mas sempre são demitidas por sua falta de habilidade comportamental.
Como a engenharia segue com os avanços tecnológicos?
A Indústria 4.0 vem forte para apoiar o profissional de engenharia: base de dados ampla que seria inviável de ser coletada manualmente, dando maior apoio para tomada de decisões. Até a terceira revolução industrial – era dos CLPs [Controladores Lógicos Programáveis] –, algumas décadas separaram as grandes mudanças; hoje, fazemos parte da geração que muda completamente a rotina da sociedade em poucos anos com a adição de um novo aplicativo.
Sobra tempo para você ter hobby, família, atividades culturais?
A família é minha base para continuar na carreira. Sou abençoada com um esposo que apoia meus sonhos e sonha comigo! Ele também é engenheiro e, muitas vezes, compartilhamos desafios e soluções. Gosto de viajar, conhecer lugares e pessoas diferentes, experimentar realidades distantes da minha. Apesar da carga extensa de trabalho, algumas viagens por ano são garantidas. Também nunca deixei de me dedicar às atividades na igreja. Amo o ambiente de união que encontro lá e dedicar tempo para agradecer a Deus por tudo o que Ele é para mim faz parte da minha rotina. Gosto de fazer trilha pelo menos uma vez por mês e sempre que possível passar tempo com os amigos. Amamos ter a casa cheia. Tenho pais e uma irmã maravilhosos que me apoiam em tudo e sempre que possível nos reunimos para ter tempo de qualidade juntos, apesar da distância. Também amo assistir a filmes e documentários.
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