Leonardo Pacheco de Souza atua na área de petróleo há 21 anos e criou a consultoria técnica Ubuntu
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
“Sou o que sou pelo que nós somos." Esse é um dos significados da palavra de origem africana Ubuntu imortalizada em discurso do ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela: “O Ubuntu não significa que uma pessoa não se preocupe com o seu progresso pessoal. A questão é: o meu progresso pessoal está a serviço do progresso da minha comunidade? Isso é o mais importante na vida. E se uma pessoa conseguir viver assim, terá atingido algo muito importante e admirável."
Começamos esse texto em celebração ao Dia do Engenheiro de Petróleo, neste 29 de junho, trazendo a trajetória de um profissional que, dentre tantas belas inspirações que teve e tem na vida, trouxe uma lição forte de países africanos, como Angola e Congo, onde trabalhou. “Os povos da África gostam muito de conversar e têm um espírito coletivo muito forte”, ensina Leonardo Pacheco de Souza, nascido em Niterói (RJ). Para ele, algumas personalidades que ele classifica como grandes humanistas, como o próprio Mandela, Desmond Tutu [arcebispo anglicano e Prêmio Nobel da Paz em 1984], Amílcar Lopes Cabral [político e agrônomo da Guiné-Bissau], António Agostinho Neto [médico, escritor e do Movimento Popular de Libertação de Angola] e Darcy Ribeiro [antropólogo e escritor brasileiro] deveriam ser “transformadas em verbo”. “Porque verbo significa ação”, explica.
Formado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Unef), em 1999, diz, com orgulho, que foi o primeiro negro graduado em engenharia de petróleo pela instituição e o primeiro a trabalhar na profissão fora do País. A universidade, inclusive, foi implantada em Campos dos Goytacazes depois de uma grande mobilização da sociedade local. A instituição sairia do papel na gestão do governador Leonel Brizola, em 1991, que delegou a missão a Darcy Ribeiro, também criador e o primeiro reitor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de projetos de instauração ou reforma de universidades na Costa Rica, Argélia, Uruguai, Venezuela e Peru.
“Acompanhei uma entrevista do professor Darcy Ribeiro que foi decisiva para eu escolher a Uenf”, lembra Pacheco, que atua na área há 21 anos e foi o primeiro da família a fazer uma faculdade. “No dia da minha formatura, a comunidade da Riodades [Niterói] desceu. Alugamos um ônibus para 45 pessoas, nenhuma delas tinha ido numa formatura de engenharia antes.” Souza faz questão, ainda, de ressaltar a importância das mulheres na sua vida: “Além dos meus pais, estiveram ao meu lado, sempre, as minhas avós e quatro tias.”
Souza, que tem o típico sotaque carioca, é dono de um sorriso contagiante e se diz resiliente, apesar dos percalços que enfrentou por ser negro. Um desses foi aos 19 anos de idade, em Campos de Goytacazes: “Fui parado pela polícia que não acreditou que era estudante de engenharia e que na minha mochila tinham livros. Depois de mostrar documentos e muito falar, fui liberado.”
Souza é casado com a funcionária pública Vanessa e tem dois filhos – Bernardo, de 12 anos, e Vitória, de 9.
Como foi a sua escolha pela engenharia de petróleo?
Fiz meu segundo grau na Escola Técnica Federal de Química (ETFQ-RJ). Durante o curso, participei e conheci diversos projetos de química aplicados à produção de petróleo e petroquímica. Isso me fez conhecer melhor a engenharia de petróleo e me identificar na hora com a atividade. Outro fator que me inspirou foi o pioneirismo do curso. À época, assisti a uma entrevista do professor Darcy Ribeiro sobre como a Uenf seria uma universidade diferente, onde os alunos teriam uma formação multidisciplinar e envolvimento com projetos de iniciação científica. Isso me motivou bastante, porque sempre gostei das atividades ligadas à análise e de laboratório.
A sua escolha, então, partiu da sua experiência próxima à área?
Decidi pela engenharia de petróleo vendo-a como uma continuidade do meu curso técnico em química. Até porque, naquela época, os “engenheiros de petróleo” eram de outras modalidades, como de mecânica, elétrica e civil, que faziam o curso de especialização da Petrobras.
E como foi a reação da sua família?
Fui o primeiro da minha família a entrar numa universidade! O esforço dos meus pais – minha mãe é professora do Estado e meu pai, comerciário – seria muito grande, porque, apesar de a universidade ser pública, mudei de Niterói para Campos de Goytacazes e tinha os custos com livros, alimentação e moradia. Passei a universidade tentando não decepcionar aquele esforço dos meus pais e via também minha profissão como um passo inicial para uma mobilidade social da minha família. Queria ser o exemplo para quem estava vindo depois. E isso aconteceu: meus dois irmãos conseguiram passar no vestibular anos depois e hoje somos três engenheiros formados em universidades públicas de renome. Meu irmão caçula é engenheiro químico e o mais velho, engenheiro mecânico.
Você estudou em qual faculdade? Em qual ano se formou e com quantos anos?
Fiz a graduação de 1994 a 1998, aos 24 anos de idade. Quero destacar que a Uenf foi a primeira universidade do País a ter o curso de graduação em Engenharia de Petróleo e única até o ano de 2009. Antes, a engenharia de petróleo era uma especialização ou bastava ser um engenheiro da Petrobras e fazer o curso interno da companhia. O pioneirismo da Uenf abriu portas para outras universidades – públicas e privadas – criarem os cursos de graduação na área.
O que faz um engenheiro de petróleo?
Ele é responsável pelo dimensionamento, avaliação e exploração e produção de jazidas petrolíferas, uma definição estabelecida pelo Sistema Confea-Creas. Porém, uma boa parte dos engenheiros de petróleo formados no País trabalha em empresas prestadoras de serviços, servindo como um elo de ligação entre empresas de diferentes setores na busca de oportunidades de serviços relacionados com a exploração, produção, transporte e industrialização do petróleo e gás.
Você foi o primeiro engenheiro de petróleo a seguir carreira fora do País?
Fui o primeiro negro a se graduar em engenharia de petróleo no Brasil. Quando me formei o Brasil passava por problemas semelhantes aos atuais: crise, recessão e o preço do petróleo estava abaixo de 25 dólares o barril. Ou seja, havia poucas oportunidades na área. Em 1999, a Petrobras ainda estava no processo de desenvolvimento da bacia de Campos e seu último concurso para contratação de engenheiros foi nos anos 1980. Outro fato que vale lembrar é que pouquíssimas empresas prestadoras de serviço tinham planos de cargos com vagas específicas para a nossa modalidade. Nessa época, o engenheiro de petróleo, no Brasil, resumia-se a uma colocação interna na petrolífera brasileira.
Diante desse cenário, um diretor da Uenf dizia que fazíamos engenharia de petróleo para servir o mundo, e não pensar apenas em trabalhar em nosso país. Seguindo esse pensamento, iniciei minha carreira, já em 1999, na empresa argentina-espanhola Repsol-YPF. Também fui o primeiro engenheiro de petróleo formado na Uenf a deixar o País para trabalhar na profissão.
Trabalhei no desenvolvimento de campos de petróleo dentro da selva amazônica no Equador. A maioria dos poços estava localizada dentro da reserva indígena Yasuní. Foi ali que aprendi a importância do respeito e do cuidado quando trabalhamos em projetos de produção de petróleo em áreas sensíveis ambiental e socialmente. O respeito e a integração com as comunidades indígenas faziam parte do processo introdutório que todos engenheiros tinham de fazer antes de iniciar o trabalho na região.
Como foi o início e o desenvolvimento da sua carreira?
Durante os 21 anos de formado, tentei desenvolver minha carreira com experiências nos eixos operacional, técnico, acadêmico e de gestão. Fiz um pouco disso tudo ao longo da minha carreira.
Na parte operacional, trabalhei nas empresas Repsol-YPF e PetroReconcavo com a engenharia de poços e reservatórios, responsável pelos projetos de melhoramento da produção e de reservatórios. A baiana PetroReconcavo foi a primeira empresa privada a operar campos de produção terrestre que pertencem à Petrobras e fui o primeiro engenheiro de petróleo brasileiro contratado pela empresa. Nesse trabalho, adquiri competências e habilidades multidisciplinares que me possibilitaram até ser coautor do primeiro livro publicado pela ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] destinado ao mercado de produção de campos marginais de terra brasileiros.
Na área técnica, trabalhei nas petrolíferas Halliburton Company e Baker Hughes [ambas estadunidenses], onde desenvolvi projetos internacionais em países da América do Sul. E acabei indo trabalhar em Angola, durante três anos, elaborei projetos muitos semelhantes aos que existiam aqui no Brasil com a Petrobras.
A experiência na África me abriu a oportunidade na área de gestão em engenharia, em 2009. Foi na primeira grande empresa nacional de expressão, fora Petrobras, que foi a OGX, como gerente de contas para OGX pela empresa Smith internacional e, depois, na [estadunidense] Schlumberger durante cinco anos. Por participar da parte inicial de criação da engenharia de poço e perfuração, essa oportunidade me fez ter uma experiência multidisciplinar de todos os processos que envolvam perfuração de poços de petróleo no offshore brasileiro.
Já no eixo acadêmico, fui um dos responsáveis pela criação do primeiro curso de graduação superior em tecnologia em petróleo e gás nacional na Unigranrio [Universidade do Grande Rio] e, durante sete anos, junto com as minhas atividades em empresas, fui o coordenador técnico responsável pelo curso, devidamente reconhecido junto ao MEC [Ministério da Educação] e ao Sistema Confea-Creas.
Essa experiência tem uma relevância muito importante na minha carreira, pois consegui fazer parte da vida de mais de 500 graduados. Vale ressaltar que muitos deles se graduaram engenheiros de petróleo posteriormente.
Como é a sua atuação hoje?
Com a experiência adquirida em todos esses projetos e atividades, criei a Ubuntu Treinamento e Desenvolvimento, em 2014, uma consultoria técnica e de capacitação. Nela, sou o engenheiro de petróleo responsável por desenvolver em conjunto com clientes nacionais e internacionais, consultorias técnicas, como também cursos de capacitação na área de perfuração de poços, reservatórios, métodos de elevação e estratégias de produção.
Como vem se aperfeiçoando na área?
Por participar de vários projetos multidisciplinares que envolveram operação, conhecimento técnico, gestão e principalmente relacionamento humano e liderança de equipe, busquei um aperfeiçoamento contínuo. Fiz especialização em reservatórios de petróleo pelo IAPG [Instituto Argentino de Petróleo e Gás]; mestrado em engenharia e pós-graduação lato sensu em negócios em engenharia de petróleo, na Coppe/UFRJ [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Para me aprimorar na área de gestão e pessoas, fiz MBA na Fundação Dom Cabral. Atualmente, sou doutorando pelo Lapol-USP [Laboratório de Planejamento e Otimização de Lavra, da Universidade de São Paulo] onde desenvolvo tese na área de viabilidade econômica em campos petrolíferos marginais.
Quais os desafios da profissão?
A capacitação e atualização constantes para nos mantermos conectados à dinâmica de mudanças na área de petróleo no País e no mundo.
Como sabemos, o ano de 2020 será marcado pela abertura de mercado para novas empresas nacionais e internacionais que serão responsáveis pela maioria das futuras oportunidades que surgirão no setor. A adaptação a esse novo cenário será a chave principal para o futuro dos profissionais que já se encontram no setor, assim como para os recém-formados e os que estão ainda na universidade.
É fundamental que o profissional se torne multidisciplinar e desenvolva habilidades não somente técnicas, mas também humanas – liderança, negociação, comunicação. Com certeza esse é o principal caminho para o sucesso profissional.
Outro desafio grande é conciliar as constantes viagens e mudança para cidades com menos infraestrutura para a família. Também vale destacar o regime de trabalho para quem exerce a atividade embarcado [em plataformas], que nos distancia da vida familiar.
Como as novas tecnologias impactam o modo de atuar do engenheiro de petróleo?
A digitalização, a robotização, o aumento exponencial na quantidade de dados, a mudança regulatória e os cenários cada vez mais offshore profundo, nos obrigam a cada ano nos reinventarmos como engenheiros de petróleo. Porém, no momento, o nosso maior desafio é tentar nos adaptar à conjuntura de abertura de mercado de petróleo com o desinvestimento da Petrobras, como também o desgaste no setor devido ao preço baixo do barril.
A pandemia da Covid-19 mudou sua rotina de trabalho?
Mudou muito minha forma de trabalhar. Tivemos de desenvolver rapidamente uma forma de atender ao cliente por meio do home office. Projetos que tínhamos em Angola tiveram que ser paralisados devido à impossibilidade de viagens internacionais para atendimento, verificação e implantação. Projetos de consultoria e capacitação tiveram que ser repensados e adaptados. Atualmente, estamos trabalhando para manter os projetos em desenvolvimento como também montando uma estratégia para que no pós-pandemia possamos estar mais preparados às mudanças que acontecerão.
Qual o futuro da profissão com a sustentabilidade?
O futuro da atividade estará muito ligado à sustentabilidade na produção de petróleo e à produção de energia mais limpa por meio do gás. O setor já está em constante mudança. Companhias típicas de exploração e produção de petróleo estão se transformando em empresas de energia. Cabe ao engenheiro de petróleo, hoje, ter um olhar especial para esse novo mercado que está surgindo no Brasil ligado à exploração e produção de reservas de gás natural e sua implantação na matriz energética, como também as novas tecnologias que revitalizam os processos petroquímicos, que reduz, mas não elimina, a utilização de combustíveis fósseis
Avalio, ainda, que no futuro haverá espaço também para o engenheiro de petróleo na exploração e produção de água subterrânea e na mineração, onde serão utilizadas as tecnologias aplicadas na engenharia de petróleo, como dimensionamento de reservas, perfuração de poços e caracterização e avaliações geológica das formações.
Você pode citar algum país com essas práticas mais sustentáveis?
Quem está investindo muito na redução do nível de poluição no ar, com projetos sustentáveis e utilizando o gás natural, é a China. O objetivo deles é conter a sufocante contaminação do ar em quase todos os grandes centros daquele país; por isso, suspendeu a operação de diversas termoelétricas a carvão substituindo-as por termoelétricas a gás natural, que possuem um potencial poluidor muito menor.