Com essa visão, Wanderley da Silva Paganini desenvolve, há 41 anos, sua carreira como engenheiro sanitarista na Sabesp.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
No Dia do Engenheiro Sanitarista, neste 13 de julho, trazemos não apenas uma entrevista, mas uma aula de saneamento ambiental, compromisso com a sociedade e consciência do papel que lhe cabe como profissional da área. Wanderley da Silva Paganini se formou aos 21 anos de idade, em 1978, engenheiro civil na antiga Fundação Educacional de Bauru, atual Universidade Estadual Paulista (Unesp); e recebeu o título de engenheiro sanitarista, em 1987, após um ano de especialização na Faculdade de Saúde Pública. Hoje, como esclarece ele, isso não é mais possível. No final de 1979, entrou na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), onde está até hoje, já são 41 anos. Na companhia, ocupou diversos cargos até chegar, em 2007, à função atual de superintendente de Gestão Ambiental.
A paixão e compromisso pelo que faz e acredita – de devolver à sociedade tudo que ela lhe deu – também estão em outra frente de trabalho: como professor doutor no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). “Fui aprovado, em primeiro lugar, em concurso público e contratado em 26 de agosto de 2002”, faz questão de dizer.
O engenheiro, nesta entrevista, também aborda o novo marco legal do saneamento básico, projeto de iniciativa do governo federal, aprovado em 24 de junho último, pelo Senado. Até a publicação desta matéria, a regulação não havia sido sancionada pela Presidência da República. “Esse marco regulatório está facilitando apenas a entrada da iniciativa privada no saneamento, e nunca vi a iniciativa privada atuar e trabalhar para ter como retorno benefício social”, observa.
Paganini faz questão de agradecer a oportunidade de falar da profissão: “O sindicato com essa postura coloca uma perspectiva de ouvir um pouco os profissionais e como se sentiram ao longo da vida.” Ele também faz um alerta: “A cada ano, de três a quatro mil profissionais entram no mercado e, passado um ano, metade deles vai fazer outra coisa.”
O Brasil tem, hoje, de acordo com dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), 1.648 engenheiros sanitaristas. “Um engenheiro sanitarista que, por não ter oportunidade, vai atuar em outro campo é uma perda muito grande para a sociedade”, lamenta.
Quem é o engenheiro sanitarista?
É uma das profissões que mais atuam de maneira multidisciplinar. Ele é o gestor e tem o olhar para o todo, mas depende de biólogos, agrônomos, do engenheiro florestal. Ele consegue aglutinar os conhecimentos, e não pode perder de vista que o que ele faz é saúde pública, qualidade de vida, bem-estar da sociedade.
O engenheiro sanitarista percebe a existência de barreiras sanitárias que podem proteger o cidadão. Estamos falando em lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes, fazer a comida, assear a casa, beber água. Tudo depende do saneamento para fornecer água potável de boa qualidade. Ou seja, a estação de tratamento de água e de esgoto é uma barreira sanitária e ambiental também.
Mas saneamento não é só prover água, coletar e tratar esgoto, mas está também na educação ambiental, para a utilização da água de forma racional, para não se jogar lixo ou esgoto na rede coletora ou pluvial.
Com a pandemia a área ganha ainda maior relevância.
Foi criado o slogan “novo normal”. Na verdade, acredito que seja uma adequação para percebermos e enxergarmos o outro de novo, porque isso estava esquecido. A pandemia vai trazer uma perspectiva de viver em sociedade. Quando você usa a máscara [facial] está protegendo a si e ao outro. É uma postura de respeito. O resumo da história é que não vivemos sozinhos no Planeta. E nem sem o Planeta.
A própria Sabesp compreende com mais profundidade a importância dela no abastecimento de água, em colocar pias, em lavar as ruas. Isso significa que existe um espaço enorme que não preenchemos na inter-relação das pessoas, em se doar um pouco para as pessoas, porque nem tudo é tecnologia. Aliás, a tecnologia deveria estar a serviço das pessoas e não da empáfia ou da autopromoção. A tecnologia deve existir para resolver problemas da humanidade. Nesse aspecto, a pandemia vai nos mostrar a importância do que estávamos perdendo, como o diálogo, a convivência.
É quase uma redundância dizer que saneamento básico está ligado à saúde pública e que o saneamento pode evitar doenças?
Perceba que você começou falando saneamento básico e terminou falando em saneamento. Fomos adestrados em ver saneamento básico como água, esgoto, lixo e drenagem, e não é só isso. Saneamento é tudo que afeta a vida humana, a água é uma parte, esgoto também, costumo brincar que a Sabesp deveria se chamar Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo. Imagina que eu abasteço uma população, preciso ter um manancial protegido, para isso preciso coletar, tratar e dispor adequadamente o esgoto, tenho de cuidar do manancial.
Então, o mais adequado é falar em saneamento ambiental?
Básico é passado. Saneamento é tudo aquilo que envolve a pessoa e se consegue concatenar de maneira holística com o objetivo de proteger o indivíduo e o meio ambiente. Saneamento básico sumirá do mapa, quem quiser fazer isso está fora do mercado.
Saneamento é cuidar também de uma praça, transporte adequado e vias bem cuidadas. O asseio de uma habitação é saneamento. Controle de vetores, é saneamento.
Estamos falando em saneamento ambiental de forma holística?
Isso. A água é o remédio homeopático mais potente do mundo, mas também pode ser o veneno mais potente. Depende da qualidade do abastecimento. Temos que universalizar esse abastecimento, e universalizar não significa apenas dar água para todos, mas água potável de boa qualidade para todos o tempo todo. Não tem remédio mais poderoso do que a água para a doença ou a saúde.
Sem medo de errar, a falta de saneamento mata mais do que tem matado o novo coronavírus no Brasil. Se olhar do ponto de vista das pessoas que morrem por falta de saneamento não têm como contabilizar porque não se tem como rastrear isso, porque são várias doenças.
Saneamento ambiental olhado da maneira holística na proteção do indivíduo provê saúde. Falam muito que para cada real investido no saneamento, economiza-se quatro ao longo do tempo na medicina preventiva e corretiva. Isso é verídico, mas não gosto disso porque ele é relativo, porque investir um real para abastecer uma pessoa da Avenida Paulista [na capital paulista] é diferente de abastecer na periferia, aqui vou economizar de 20 a 30 reais, e não 4. Não gosto desse paralelo porque homogeniza o que não é.
Há um tempo, perguntaram-me se 90% de abastecimento de água não era um grande número. Respondi que depende de que lado se está: se estiver nos 90% vai realmente achar um grande número, mas se tiver nos 10% vai achar uma porcaria. No Brasil, são 20 milhões de brasileiros que não têm água potável, a mais dura realidade de pobreza. Não é possível a pessoa se resignar com essa situação.
A pandemia no Brasil ganha uma potencialidade com a falta de saneamento ambiental universalizado?
Diria que a pandemia atual – porque já esquecemos da H1N1, do cólera, da peste negra, da gripe espanhola, da peste suína, e a maioria delas resgatada pelo saneamento – vai mostrar uma parte muito importante do valor do saneamento ambiental para a sociedade e para os dirigentes.
Também existe uma hipocrisia enorme a pessoa votando [no Congresso Nacional] a nova regulação do saneamento dizer que a questão é mais importante do que nunca por causa da pandemia. Pergunto, é mesmo? Por que não percebeu isso antes? Aqui é importante deixar esclarecido que o resultado do investimento em saneamento se percebe de três a quatro anos depois. O dia a dia sem saneamento é cruel, cruel, talvez a maior de todas as crueldades que se possa fazer com o ser humano.
O que muda no setor com a regulação recém-aprovada?
Esse marco regulatório está facilitando a entrada da iniciativa privada no setor, mas ela nunca foi impedida ou proibida disso. Mas quando a iniciativa privada entra quer resultado, mas, nessa área, nem tudo é dinheiro. Fico preocupado com isso porque vimos o que aconteceu na Argentina, por exemplo, e em outros países.
Não tenho medo do novo, mas que venha pela frente, não venha pelo lateral ou por trás. E que o marco regulatório abra o olho das pessoas para a necessidade do saneamento em prol da sociedade, que a gente não esqueça da dona Maria, que abre mão de comprar um quilo de carne para pagar a conta de água. Aliás, os mais pobres são os que nunca deixam de pagar.
Tem dois jeitos de universalizar: para todos e o tempo todo, ou para quem pode pagar. Aí é elitizar. Vamos ver se a iniciativa privada vai ter coragem de fazer tarifa social, extensão de rede. Tomara que sim.
Como é a atuação da Sabesp?
A Sabesp é um case mundial. É a única empresa de saneamento que vive com as “próprias pernas” e com a tarifa, sem dinheiro dos governos do Estado, do município ou federal, tudo gerado pela tarifa. Hoje, 49.7% das ações estão nas bolsas de Nova York e de São Paulo, e 50.3% são ações do governo. Então, a Sabesp tem que atuar como empresa, com a legislação, com a política de compliance, transparência, dar resultado, juros e dividendos para o proprietário e também fazer a parte social. Para o governo do Estado custa zero o saneamento onde a Sabesp opera.
O governo federal deveria abrir, sim, mão, de taxação. A Sabesp, todo ano, paga, de impostos para o governo federal, taxando a tarifa de água e esgoto, cerca de 1 bilhão de reais. Se o governo abrisse mão desse dinheiro já estaria ajudando no saneamento.
Quanto se deveria investir no País em saneamento?
O Brasil precisa de 20 bilhões de reais durante 15 anos seguidos para a universalização verdadeira do saneamento. Hoje se investe 10 bilhões de reais, sendo 4 bilhões de reais só da Sabesp. O Brasil vai bem obrigado, não morreu ainda, mas tem o pé no gelo e a cabeça no fogo. Está bom 87% de abastecimento de água? Está horroroso. Está bom 70% de coleta de esgoto? Está bom 50% de esgoto coletado tratado? A pergunta é quantas crianças pisam no esgoto? Qual é o esforço do governo no saneamento rural e na periferia?
O grande desafio não está em levar água e esgoto nos Jardins e na Paulista, mas em levar para regiões de periferia e palafitas. Na Região Metropolitana de São Paulo, temos quase 3 milhões de pessoas vivendo em favelas e em habitações subnormais e, no Brasil, sobe para 13 milhões. Habitação subnormal é um nome que inventaram para não dizer que a pessoa mora onde não dá para morar.
Quais os maiores desafios no transcurso da sua carreira?
O maior desafio enfrentado durante toda a minha trajetória de formação e profissional continua sendo o aprimoramento técnico aliado a um empenho constante no sentido de buscar o melhor desempenho no desenvolvimento das atividades que se apresentam. Numa abordagem ampliada, almeja-se contemplar os objetivos técnicos e também os anseios das pessoas, de realizações e conquistas, de crescimento e reconhecimento, anseios comuns tanto no meio acadêmico quanto nas organizações empresariais.
Qual a importância dos seus pais na sua formação?
A minha postura diante da vida e do trabalho foi provavelmente herdada de meus pais. Minha mãe, pessoa simples e sem instrução acadêmica, foi rigorosa e firme com os filhos, nos apresentando uma “versão da vida” – espelhada no que foi a sua própria – de que nada se consegue sem esforço e dedicação. Meu pai, homem público, foi altamente exigente quanto à formação dos filhos, cobrando-nos uma postura inquestionável, norteada por valores como integridade moral, onde valem a verdade, a honestidade, a doação de si próprio ao outro, a gratidão e a lealdade.
Ainda que a maturidade nos conduza a fazer nossos próprios julgamentos, somos o que somos, e também com certeza, somos muito daquilo que foram nossos pais. Desta forma, é minha constante preocupação zelar pelo outro, respeitar o próximo e buscar maneiras diversas para retribuir à sociedade tudo o ela tem me oferecido, uma vez que, após quase 40 anos de trabalho numa empresa de serviços públicos, somados à oportunidade de complementar os estudos na Universidade de São Paulo [USP], devo à sociedade tudo o que sou e conquistei em termos profissionais.
Com o diploma de engenheiro na mão, como iniciou a profissão?
Em meados de 1979, iniciei as atividades na engenharia no ramo da construção civil em Botucatu, como engenheiro autônomo. Neste primeiro ano, desenvolvi várias atividades e mais de 35 projetos. No final do mesmo ano, fui convidado para trabalhar na Sabesp, na Gerência Divisional de Botucatu. Foi uma fase de transição na minha vida. Ao iniciar as atividades de operação e manutenção de sistemas de abastecimento de água e esgotos, sanitários, parei de dar aulas nas escolas e encerrei minhas atividades e compromissos com as obras. Foi assim que entrei no saneamento, e tive a certeza que fiz a opção certa.
No final de 1979, fui convidado a trabalhar na Sabesp a convite do doutor Dagoberto Antunes da Rocha e de Masato Terada. Parecia que o saneamento seria a minha opção, e assim foi, iniciei minhas atividades na companhia de Botucatu como engenheiro de apoio.
A construção da carreira se deu em paralelo à da família?
Em outubro de 1982, casei-me com a Sueli, mulher de fibra e companheira de todas as horas, com quem tenho a alegria e a felicidade de permanecer casado até os dias de hoje. Foi a pessoa que me deu os três presentes mais importantes da minha existência, os meus filhos Camila, Wanderley e Enzo.
Como o senhor vem se aperfeiçoando na carreira?
Em 1985, participei de um curso de especialização em Gerenciamento de Empreendimentos na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Juntamente com as atividades profissionais intensas, com a consolidação da minha família, em 1987 iniciei o meu retorno às atividades acadêmicas, quando participei do curso de especialização em Saúde Pública, que me conferiu o título de engenheiro sanitarista na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Em 1997, defendi a dissertação de mestrado, na Faculdade de Saúde Pública da USP, com o título “Disposição de Esgoto no Solo – Escoamento à Superfície”. Em 2001, defendi a tese de doutorado “Os efeitos da disposição de esgotos no solo”. Em 2006, defendi minha livre docência com a tese intitulada “A história de um rio de contrastes: o Tietê e seus múltiplos usos”.
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