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18/08/2020

Barrar o PL que extingue empresas e instituições estaduais em meio à pandemia

 

Soraya Misleh / Comunicação SEESP

 

“Totalmente inoportuna, enquanto se tenta conter uma pandemia que segue grave no Estado.” Assim o presidente do SEESP, Murilo Pinheiro, enxerga a proposição apresentada pelo governador João Doria na última quinta-feira (13/8) à Assembleia Legislativa (Alesp), em caráter de urgência.

 

Ele se refere ao Projeto de Lei no 529/2020, que extingue 11 empresas ligadas a serviços essenciais, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), fundações e institutos de pesquisa, além de 12 fundos estaduais.

 

Também concede à iniciativa privada 14 parques e unidades de conservação, entre outros pontos controversos, como aumento de tributos – entre os quais o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) – e ameaça à autonomia de instituições de pesquisa e universidades estaduais.

 

Murilo enfatiza: "Os engenheiros estão mobilizados contra essa medida que não deve prosperar na Assembleia Legislativa. Neste momento, é preciso garantir acesso à saúde e condições de vida adequadas à população para que possa se proteger da doença. E, por fim, é necessário preservar empregos nos setores público e privado, e não agravar a já alta taxa de desocupação no País."

 

Sob o pretexto de promover ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas para conter déficit orçamentário da ordem de R$ 10,4 bilhões para o exercício de 2021, o Governo Doria ameaça o emprego de 5,6 mil trabalhadores, entre os quais engenheiros – à demissão em massa que deve culminar caso o PL seja aprovado, o Executivo usa o subterfúgio de Programas de Demissão Incentivada (PDIs).

 

Em artigo publicado nesta segunda-feira (17/8), na Folha de S. Paulo, intitulado “A boiada que Doria quer passar deixará Ricardo Salles e Bolsonaro com inveja”, Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), aponta que o Executivo paulista avança, assim, "no desmonte do Estado ou na promoção de alterações legislativas sem debate com a sociedade".

 

Embora enfatize que não se questiona a necessidade de equilibrar as contas do Estado, Bonduki frisa em seu artigo que “a maneira como isso está sendo feito, em um período de isolamento social, (...) misturando temas que nada têm a ver um com outro e extinguindo instituições relevantes sem apresentar alternativas de gestão, é totalmente equivocado”.

 

Assessor especial do SEESP, Carlos Hannickel defende, nessa direção, que se realizem audiências públicas com ampla participação da sociedade e sobretudo de representantes de cada setor atingido pelo PL – segundo constata, todos são importantes à elaboração de políticas públicas em prol da sociedade e envolvem engenharia.

 

 

Habitação e transporte em xeque

 

Bonduki cita, por exemplo, a CDHU – a qual conta 67 engenheiros empregados, representados pelo SEESP nas negociações coletivas –, cujas funções seriam, após extinta, diluídas em órgãos da administração do Estado, sobretudo junto à Secretaria da Habitação.

 

Unidades habitacionais entregues pela CDHU em outubro de 2019 na

cidade de Manduri, região de Sorocaba. (Divulgação CDHU/Habitação)

 

A justificativa do governo para sua liquidação é que a companhia teria perdido espaço na “operação direta de construção e financiamento habitacional do Estado”. Isso, segundo o Executivo paulista, em função do “desenvolvimento dos programas estimuladores da atividade privada para o setor de habitação de interesse social, como o Casa Paulista e o Minha Casa Minha Vida, entre outros, e os bons resultados alcançados com as parcerias público-privadas na área”.

 

O professor da FAU-USP é categórico: “É consenso entre os especialistas que o problema de moradia da população de mais baixa renda, onde se concentra o déficit habitacional, não será equacionado apenas pelo setor privado, requerendo a implementação de programas e ações que apenas uma empresa pública poderá cumprir. Se a CDHU precisa mesmo ser reestruturada e modernizada para que possa ser estratégica para o equacionamento de um dos principais problemas sociais, não é isso que está sendo proposto.”

 

Ainda na mira, a EMTU – com a qual o sindicato também negocia, que conta hoje cerca de 500 funcionários, entre os quais oito engenheiros. À sua extinção, o governo paulista argumenta que a empresa deixou de exercer sua função como operadora, passando a ser apenas gerenciadora das concessões dos serviços – o que, alega, pode ser feito pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), que cuida desses contratos em relação a rodovias.

 

A medida é refutada pelo setor. Reportagem publicada em 14 de agosto no Diário do Transporte, de autoria de Adamo Bazani, traz entrevistas com três especialistas que não deixam dúvidas de que a empresa é superavitária, autossuficiente, tem estrutura enxuta e é fundamental para a prestação de serviços à população. Como aponta a matéria, são 1,8 milhão de passageiros usando seus 4.521 ônibus somente na Grande São Paulo (números anteriores à pandemia).

 

À reportagem, o consultor independente Peter Alouche é taxativo: “É obvio [que pode prejudicar a qualidade dos serviços para os passageiros]. A Artesp é uma agência reguladora. (...) não pode gerenciar o transporte, tem de fiscalizar, tem de regulamentar. (...)” 

 

Outro dos especialistas ouvidos, o diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia de São Paulo, Ivan Whately, salientou que “a intenção de extinguir a EMTU vai na contramão de um estudo feito por mais de 40 engenheiros da entidade que aponta para a necessidade da criação de uma Autoridade ou Governança Metropolitana do Transporte Metropolitano, que defende uma gestão unificada de trilhos e ônibus em todas as cidades de regiões metropolitanas, inclusive com integrações tarifárias totais e conexões físicas entre os sistemas (...)”.

 

 Frota da EMTU, cujos ônibus transportam 1,8 milhão de passageiros

somente na Grande São Paulo. (Site EMTU)

 

A inclusão da EMTU como passível de extinção já enfrenta resistência na Alesp, – assim como o PL em geral que reúne inúmeras emendas apresentadas. Duas delas publicadas nesta terça-feira (18/8) propõem que a companhia seja retirada da lista, assinadas pelos deputados estaduais Márcio da Farmácia (Podemos) e Mônica Seixas (Bancada Ativista). Em sua justificativa, esta última ratifica que a empresa é superavitária, autossuficiente e tem estrutura enxuta – embasando parte dos argumentos na entrevista de um dos especialistas ouvidos pelo Diário do Transporte, o consultor Flamínio Fichmann.

 

A parlamentar revela que seu capital social supera os R$ 2,3 bilhões. “Em 2019 o fluxo de caixa operacional da EMTU deu positivo, da Artesp não.” Seixas observa que “a EMTU gerencia 19.773 veículos em todas as 5 (cinco) regiões metropolitanas; (...) fez mais de 25 mil fiscalizações e mais de 81 mil inspeções em 2019; a EMTU atendeu 134.887 chamados referentes a informações e reclamações, a Artesp apenas 4.457. (...) As empresas de ônibus pagam várias taxas, como de fiscalização, vistoria de frota e outros serviços, que colocam a EMTU com custo zero para a população. A EMTU não custa nada para o Estado. (...)”.

 

 

Institutos

 

O mesmo pode ser dito quanto à prevista extinção do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que tem por objetivo planejar e executar as políticas agrária e fundiária. Quanto aos vários institutos de pesquisa estaduais, como Instituto Florestal, Fundação para o Remédio Popular e a Fundação Oncocentro, a pretensão de extingui-los revela, como também expressa Bonduki em seu artigo, “que a gestão Doria, nem mesmo na pandemia, entendeu o papel do Estado no desenvolvimento científico”.

 

Ele continua: “A reestruturação e reorganização dessas instituições talvez seja necessária, mas isso deveria ser feito com a participação dos pesquisadores e garantindo a continuidade das atividades em curso, e não em um pacote que tem como único objetivo o ajuste fiscal e o desmonte do Estado.”

 

Com relação à autonomia das universidades e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a ameaça se dá porque o PL autoriza o repasse de superávit inclusive dessas à conta única do Tesouro, sem qualquer deliberação dos órgãos colegiados dessas instituições.

 

No caso da Fapesp, como escreve Bonduki, “a mais importante agencia de fomento à pesquisa do país, o impacto desse dispositivo é grave. (...) Se o dispositivo for aprovado, ela terá que devolver ao caixa geral do Estado os recursos que não tiverem sido utilizados até o final de cada exercício, rompendo com uma política científica baseada na autonomia financeira”.

 

O professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Wagner Romão, revela em texto que enquanto essas instituições têm fechado suas contas “às custas do arrocho salarial e do uso de reservas financeiras que têm escasseado nos últimos anos”, o governo paulista procede há tempos a renúncia fiscal que “favorece grandes grupos econômicos e retira recursos que poderiam já ter ido para a educação, a saúde, a segurança pública e tantos outros setores de atuação do Estado”. Ele explicita: “Entre 2011 e 2019 foram mais de R$ 150 bilhões de recursos não arrecadados, dispensando privilégios fiscais. Apenas no ano de 2019, mais de R$ 24 bilhões deixaram de ser arrecadados.”

 

Em vez de rever essa situação que favorece o rentismo, em detrimento da sociedade, como aponta Romão, o PL caminha no sentido de “aprofundar a fragilidade do Estado, privatizar o patrimônio público e preservar privilégios”.

 

Ante tal proposição, Romão conclui: “Há tempo de resistir e denunciar. Precisamos pressionar deputados e deputadas e nos organizarmos em torno de nossas entidades de representação, nossos sindicatos. (...).”

 

 

 

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