O engenheiro agrônomo Carlos Alberto Arantes Lagrotti trabalha há 20 anos no Itesp e participou de quase 40 projetos de assentamento
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
Para celebrar com grande honraria o Dia do Engenheiro Agrônomo, neste 12 de outubro, trazemos a trajetória profissional do engenheiro Carlos Alberto Arantes Lagrotti dedicada, já há 20 anos, na Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – “José Gomes da Silva” (Itesp), autarquia vinculada à Secretaria da Justiça e Cidadania responsável pelo planejamento e execução das políticas agrária e fundiária do Estado de São Paulo. “Participei da elaboração de ao menos 40 projetos de assentamento de trabalhadores rurais sem-terra. Trabalho desafiador, porém, profundamente gratificante. Tive a oportunidade de presenciar a transformação da situação das famílias, muitas vezes acampadas em situação precária, a margem de rodovias, até o ingresso na terra”, exalta. Trabalho de tamanha grandeza social, todavia, corre o risco de ser extinto desde que o Governo do Estado de São Paulo enviou o Projeto de Lei 529/2020 à Assembleia Legislativa, em 12 de agosto último. O PL propõe a extinção do Itesp e de outras 10 empresas ligadas a serviços essenciais e 12 fundos estaduais.
site do órgão.
A Fundação Itesp, criada em 1999, atua com foco no desenvolvimento regional, geração de emprego e renda para mais de 30 mil pessoas em assentamentos rurais e comunidades quilombolas. Na regularização fundiária urbana e rural possui parceria com 115 municípios para regularizar mais de 75 mil imóveis. “A instituição trabalha para quem mais precisa, proporcionando eficiência, tecnologia e resultado no campo, e na cidade leva cidadania, desenvolvimento e bem-estar social”, diz Marco Silva, responsável pela Diretoria Executiva da Fundação, em matéria no
Aos 60 anos de idade e 40 de profissão, Lagrotti se diz um apaixonado pela engenharia agronômica pelos mesmos motivos “que me fizeram optar por ela aos 19 anos” e ingressar no curso da Universidade de Taubaté (Unitau), em 1980. “Todo dia peço perdão a Deus pela minha ignorância e sigo buscando atingir essa visão holística e integradora.”
O interesse pelas ciências naturais, diz o nosso entrevistado, vem dos tempos do ensino médio, antigo colegial, e foi despertado pelas boas aulas da professora de biologia. “Ela sabia tornar o assunto interessante, com exemplos, material expositivo e excursões a museus naturais”, recorda ainda com grande entusiasmo. A profissão, todavia, não caiu nas graças do pai. “Meu ‘velho’ queria que eu fosse trabalhar num banco. Mas com o tempo, meus pais perceberam que a decisão era mesmo irrevogável e passaram a incentivar.”
De acordo com estatísticas do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o Brasil tem 108.981 engenheiros agrônomos.
Como o senhor escolheu a engenharia agronômica?
Desde o nível médio – antigo colegial – possuía um grande interesse por ciências naturais, que, acho, foram despertados por uma professora de biologia que fazia o que podia para tornar o assunto interessante, com exemplos e material expositivo de grande qualidade. Simultaneamente as aulas teóricas, ela conduzia aulas de laboratório e sempre que podia promovia visitas a museus naturais, as excursões. No decorrer do colégio, lembro de ter confeccionado o meu primeiro herbário, coleção de plantas dessecadas, e coleções de insetos, coleópteros. Tudo isso me despertou uma vontade de aprofundar esses conhecimentos.
A sua família teve alguma participação nessa sua escolha e como ela reagiu?
A reação em casa não foi das mais calorosas. A família possuía uma vivência quase que exclusivamente urbana, e o sonho do meu “velho” era mesmo que eu fosse trabalhar em um banco. Mas com o tempo, perceberam que a decisão era mesmo irrevogável e passaram a incentivar, mas sempre desconfiados que aquilo iria passar e eu iria reformular para uma opção mais convencional.
Como foi o início na profissão?
Desde o segundo ano do curso, realizava pesquisa científica, em nível de iniciação, na área de pedologia [ciência dos solos], financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica [CNPq]e estava inclinado pela carreira científica. Mas a realização de um estágio curricular na antiga Sudelpa, Superintendência de Desenvolvimento do Litoral Paulista, órgão responsável pela regularização fundiária e acompanhamento de comunidades tradicionais no Vale do Ribeira, acabou me desafiando a atuar naquela região, ao mesmo tempo paupérrima em recursos econômicos, mas exuberante em termos de meio ambiente e riqueza sociológica.
Ao concluir o curso superior, fui contratado para atuar no “Programa Emergencial de apoio a pequena agricultura”, cuja tarefa era, identificar, diagnosticar e assistir, tecnicamente, grupos comunitários recém-titulados em terras devolutas pelo programa Masterplan [Plano Diretor de Desenvolvimento Agrícola do Vale do Ribeira, de 1986], de regularização fundiária do Vale do Ribeira. Eram tempos de redemocratização do País, e o Governador André Franco Montoro, primeiro a ser eleito democraticamente após o longo hiato da ditadura militar, possuía planos de atuação bem vanguardistas, no sentido de equacionar a questão fundiária, ambiental e social da região, o que nos entusiasmava a todos.
O que faz o engenheiro agrônomo?
O campo de atuação do profissional em Agronomia é vastíssimo, acredito que seja uma das profissões que possuem o maior número de vertentes de atuação. Possuo colegas atuando nas áreas estritas da produção agrícola, mas também alguns ligados a áreas aparentemente díspares, como paisagismo, avaliação de terras, silvicultura, zootecnia, entre outras. Nos dias atuais, a atuação do engenheiro agrônomo tem que estar pautada pela busca da integração dos sistemas de produção agrícola, em harmonia com o meio ambiente, garantindo a sua sustentabilidade.
A engenharia agronômica está distante do espaço urbano?
Acredito que com o aumento da consciência ecológica da população dos grandes centros, o profissional de agronomia será cada vez mais requisitado e valorizado no espaço urbano, projetando e coordenando espaços urbanísticos e de paisagismo, atuando na melhoria das condições de habitabilidade nas grandes regiões metropolitanas. Outra atuação de destaque nas grandes cidades está relacionado ao processamento e armazenamento de alimentos em entrepostos, a exemplo do Ceagesp [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo], aqui na cidade de São Paulo.
Além da graduação, como o senhor se aperfeiçoou na sua profissão?
Após ter trabalhado no Vale do Ribeira como extensionista, superada a premência do primeiro emprego, ouvi aquele meu chamado interior e ingressei no curso de pós-graduação em Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas [Unicamp], onde realizei os programas de mestrado (1995) e doutorado (2000). Na universidade, tomei contato, no âmbito do programa de mestrado, com a linha de pesquisa de planejamento agroambiental com aporte de geotecnologias [sistemas de informação geográfica (SIG) e Sensoriamento Remoto] a qual me dedico até os dias de hoje.
O senhor poderia nos falar sobre o seu trabalho no Itesp? Desde quando, quais os desafios e as vitórias conquistadas ao longo da sua carreira?
Aproveitando os conhecimentos adquiridos nos programas de pós-graduação, realizei o concurso público da recém-criada Fundação Itesp, no ano de 2000. Candidatei-me ao cargo de engenheiro agrônomo, no perfil de analista espacial, justamente o cargo responsável pela elaboração dos projetos de assentamento de trabalhadores rurais. Quando ingressei no Itesp, estava no auge a arrecadação de terras públicas estaduais, as áreas julgadas devolutas, e a fundação tinha o papel institucional de dar destinação social a essas terras.
Participei, diretamente, ao longo desses 20 anos, da elaboração de ao menos 40 projetos de assentamento de trabalhadores rurais sem-terra. Trabalho desafiador, porém, profundamente gratificante. Tive a oportunidade de presenciar a transformação da situação das famílias, muitas vezes acampadas em situação precária, a margem de rodovias, até o ingresso na terra. Acompanhei a luta pela organização, muitas vezes coletiva, desses grupos de trabalhadores até a etapa da conquista da tão sonhada terra para produzir. E depois os desafios que se impunham a esses grupos de trabalhadores para primeiro alcançarem a subsistência das unidades familiares e, em seguida, gerarem excedentes que pudessem ser comercializados.
Como a engenharia agronômica se beneficia com as novas tecnologias?
Na minha área específica, a evolução das geotecnologias digitais transformou substancialmente os métodos de trabalho. O surgimento da tecnologia GPS, as imagens orbitais de sensoriamento remoto, os Sistemas de informação Geográfica, a tecnologia da fotogrametria realizada com câmeras embarcadas em Veículos Aéreos não Tripulados [Vant], popularmente conhecidos como drones, têm revolucionado os métodos de levantamento topográfico e de aquisição de dados ambientais.
Em outras áreas, a evolução também tem sido vertiginosa, como no melhoramento genético de plantas, na promissora utilização da biotecnologia para produção de organismos geneticamente modificados, da síntese cada vez mais elaborada de novas moléculas e princípios ativos para uso na agricultura. Todos esses recursos parecem ensejar um novo limiar de realizações humanas na agricultura. A prova disso tem sido a pujança e competência do agronegócio brasileiro ao lidar com os desafios dessa nova era produtiva.
Depois de tantos anos na área, qual o sentimento que prevalece ainda hoje?
Confesso que sou apaixonado pela profissão, exatamente pelos mesmos motivos que me fizeram optar por ela aos 19 anos. O que me fascina mais é justamente a interface dos conhecimentos da engenharia strictu sensu com os conhecimentos da área biológica, animal e vegetal. Sempre me pareceu que apenas uma vida não seria suficiente para atingir essa junção de conhecimentos. Mas todo dia peço perdão a Deus pela minha ignorância e sigo buscando atingir essa visão holística e integradora.
Como conciliou vida profissional e vida pessoal?
A dificuldade sempre foi conciliar a vivência de profissional com perfil de planejamento, trabalho efetuado em ambiente de escritório, com a característica itinerante de ter que vistoriar e implantar projetos no campo, o que exige disponibilidade do profissional para a realização de viagens e ausências, às vezes prolongadas, do ambiente familiar. Mas até mesmo essa característica, com o tempo, se tornou enriquecedora, pois poucas profissões permitem a alternância de vivências urbanas, intercaladas com imersões no ambientes rural.
Por fim, qual a importância do Itesp para o Estado de São Paulo?
Essa pergunta é muito oportuna no momento em que tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, um projeto de lei do governo estadual (PL-529) que, entre outros preceitos, pede a autorização para a extinção de dez autarquias e fundações públicas do Estado de São Paulo, incluída a Fundação Itesp.
O Itesp foi criado com a missão institucional de planejar e executar as políticas agrária e fundiária do Estado de São Paulo. Esse papel foi consubstanciado com políticas de regularização fundiária – entrega de títulos de terra – em ação conjunta com a Procuradoria Geral do Estado [PGE]; com a arrecadação e aproveitamento das terras julgadas devolutas estaduais, na forma dos assentamentos de trabalhadores rurais, como já disse; na celebração de inúmeros convênios e parcerias com órgãos da administração pública estadual e federal e também em trabalhos de reconhecimento e legitimação de comunidades quilombolas do Estado de São Paulo.
Todos esses trabalhos objetivaram e ainda promovem a pacificação e negociação de conflitos de terra no âmbito estadual, o resgate da cidadania dos trabalhadores rurais sem terra e de comunidades tradicionais, o apoio à agricultura familiar por meio de assistência técnica e extensão rural prestada aos assentamentos rurais e às comunidades quilombolas e à reparação da situação de insegurança das comunidades quilombolas com o seu reconhecimento.
A Fundação Itesp se capacitou para o atendimento da política agrária e fundiária do Estado de São Paulo nos seus 20 anos de existência. A sua extinção constituirá uma perda irreparável da expertise na realização e condução das políticas agrária e fundiária do Estado de São Paulo.