Sérgio Scuotto*
A montadora Ford anunciou no dia 11 de janeiro deste ano o encerramento da produção de veículos no Brasil.
Não surpreende o anúncio porque há tempos havia declarado essa intenção. Muitas manifestações ocorreram naquela ocasião, como ocorrem agora.
Centenas de análises foram feitas a respeito das causas da decisão e, principalmente, de suas consequências. Quantas famílias vão ficar desamparadas, etc., etc., etc.
Não estamos aqui para analisarmos nada disso. O que vai a seguir é uma constatação fria sobre como o capitalismo encara o seu futuro que, evidentemente, deve ser forrado de altos lucros, doa a quem doer.
Isso pode ser traduzido no que os liberais, de um modo geral, chamam de “mercado”. Ora, se o mercado está propício para a comercialização de algum bem, que se o comercialize, desde que os lucros sejam sempre maximizados. Evidentemente, quem precisa do bem é quem vai se dar mal, porque vai pagar caro por ele. É a lei da oferta e da procura, dirão os liberais. No caso inverso, se a produção e comercialização de tal bem não oferecer o máximo de lucratividade, há dois caminhos: melhorar a qualidade do bem através de aplicação de novas tecnologias na sua produção (o que requer investimentos) ou, simplesmente, parar sua fabricação. No último caso, o custo para o capitalista é o menor possível. Para essa raça de gente, é o que interessa.
Chamou-se a isso, descrito toscamente acima, de capitalismo selvagem.
De todas as análises feitas, sobram duas perguntas:
- Realmente, quantas famílias vão ficar sem sustento por causa do fechamento das fábricas da Ford (incluam-se aí toda a rede de serviços envolvida na decisão: concessionárias, prefeituras, serviços agregados, etc.)?
- Por que a montadora resolveu abandonar o Brasil depois de 101 anos de atividades aqui? Certamente, nesse tempo todo, centenas de crises aconteceram no país e no mundo, incluindo uma guerra mundial. A montadora atravessou todas elas sem nunca falar em fechar suas portas.
A única resposta que vemos é esta: não interessa investir em novas tecnologias aqui (o que tornaria seus produtos novamente competitivos) e o que se quer é baixos custos e altos lucros.
Esse é o pensamento de tais capitalistas modernos.
É inócuo tentar chamar a atenção dessa gente mostrando o sofrimento das famílias atingidas pela decisão, sofrimento esse desdobrado nas mais variadas situações. O coração desses senhores não se abala com nenhum dos milhares de exemplos que serão mostrados nas reportagens, artigos, blogs, etc. Simplesmente porque o coração não faz parte dos dados a serem analisados em busca de lucratividade máxima.
Há um único ponto sensível que pode, talvez, preocupar esse grupo: o bolso.
Propõe-se aqui, portanto, extrair das centenas de acordos que a Ford fez com inúmeros entes (prefeituras, governos estaduais, União, sindicatos, associações de revendedores e tantas outras) todos os compromissos que deixou de cumprir. Leve-se em conta, principalmente, seu Objetivo Social.
Essa falta de cumprimento de compromissos aliada ao prejuízo a ser causado a milhares de pessoas com o fechamento das fábricas deve dar base para que a montadora seja processada neste País com ações judiciais que exijam, ao final, indenizações em dinheiro.
Como fazer isso é o trabalho que sindicatos, associações, prefeituras, governos estaduais e União têm pela frente. Unir todos esses entes em um único grupo é inviável. No entanto, cada um deles pode tornar isso exequível. Ou não, como esperam os sanguessugas do capitalismo selvagem.
*Engenheiro mecânico, diretor e vice-presidente da Delegacia Regional do Grande ABC do SEESP