Soraya Misleh/Comunicação SEESP
Após adiamentos, muitos alertas e negociações nos bastidores, o Senado aprovou na tarde desta quinta-feira (17/6), em sessão que durou mais de sete horas, o texto-base da Medida Provisória 1.031/2021, que viabiliza a privatização da Eletrobras.
Ante as mudanças incluídas no Senado, a matéria volta para a Câmara, cuja previsão é que seja deliberada na próxima segunda-feira (21/6), um dia antes de perder sua validade.
O cenário ameaça a principal holding de energia da América Latina. A empresa é estratégica à soberania e desenvolvimento nacional, responsável por 30% da geração no País, detentora de várias usinas hidrelétricas e tendo a seu cargo a gestão de grande parcela do armazenamento de água utilizada no setor elétrico.
A votação
Para garantir a aprovação, o relator, senador Marcos Rogério (DEM-RO), acrescentou emendas de última hora de modo a satisfazer parlamentares. A sessão chegou a ser interrompida pela manhã para contemplá-los.
O resultado, como sintetizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), é que a MP se tornou um criadouro de “jabutis” – termo usado quando uma matéria inclui assuntos que não lhe dizem respeito originalmente, para atender interesses específicos.
Unindo as alterações que vieram após a Medida Provisória passar pela Câmara no dia 19 de maio último, a bem apelidada “MP do Apagão” gesta praticamente uma “manada”.
A senadora Simone Tibet (MDB-MS), que votou contra, enfatizou: “A Medida Provisória que prometia capitalizar e modernizar a Eletrobras virou um monstrengo. É inconstitucional na forma e imoral no conteúdo.”
Em meio à pandemia e a uma crise hídrica que lembra a vivida pelo País em 2001 – quando os brasileiros enfrentaram racionamento –, vários parlamentares, inclusive alguns favoráveis a privatizações, questionaram na sessão tanto os “jabutis” quanto o andamento no Senado.
O relatório foi apresentado ao final da tarde de 16 de junho, quando estava na ordem do dia a MP, levando o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a adiar a votação para a manhã do dia seguinte. Ele se recusou, contudo, a atender solicitações feitas de retirada da Medida Provisória da pauta e possibilitar amplo debate à retomada das comissões da Casa, dada a importância estratégica da Eletrobras.
A forma açodada com que foi apresentado o tema foi amplamente criticada. MP, como lembraram, é um instrumento a ser utilizado quando a matéria é urgente – e no País, hoje, premente é buscar saídas para a pandemia que já deixou meio milhão de mortos. Nada, na opinião dos que se opunham, justificaria sua análise a toque de caixa.
Por essa razão, PDT e Cidadania prometem recorrer ao Judiciário. Ambas bancadas votaram em oposição à MP, juntamente com PT, PSB, Rede e Podemos. Votaram a favor da MP 1.031/2021 DEM, Republicanos, PP, PSD, PL, PSL, Patriota e PSC. As bancadas do MDB, PSDB e Pros se dividiram.
Por que não desestatizar
O parlamentar Jean Paul Prates (PT-RN) lembrou as indefinições em torno da matéria, como impacto nas tarifas ao consumidor, com estimativas de que aumentem “no mínimo” o triplo a médio prazo. Além da ausência de regulação, insegurança em relação a passivos trabalhistas, entre outros problemas. Na sessão do dia 16, ele alertou que o Amapá vivia na mesma data seu quinto apagão em menos de um ano, como consequência de privatização no estado.
Já o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) questionou: “Por que privatizar uma empresa estratégica e lucrativa?” À reportagem do Jornal do Engenheiro, José Antônio Latrônico Filho, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Santa Catarina (Senge-SC) e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas (Abee), corroborou a importância estratégica da Eletrobras ao controle e regulação do sistema em momentos de escassez hídrica e uso múltiplo das águas, bem como à modicidade tarifária.
“Daqui a dez ou 15 anos a matriz energética vai mudar e teremos as modalidades chamadas intermitentes – eólica e fotovoltaica. Os grandes reservatórios da Eletrobras, com energia renovável e barata, podem complementar tal geração e minimizar o uso das termelétricas, mais caras. Teríamos uma energia 100% verde, podendo usufruir de melhores condições de financiamento internacional”, ensina.
Para Latrônico, que é engenheiro especialista em planejamento energético brasileiro, as linhas de transmissão da empresa são estruturantes, muito importantes não só para o País, mas a outras quatro ou cinco nações vizinhas. Também são cedentes de fibras ópticas. “Essa grandeza de valor não está sendo computada [à privatização]. As referências são as mesmas de 40 anos atrás. Se for feita uma revisão se verá que vale quatro vezes mais. Seus reservatórios estão sendo subavaliados. A empresa vem sendo muito mal tratada nos últimos 15 anos”, pontua.
Murilo Pinheiro, presidente do SEESP e da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), fez inúmeros alertas quanto ao absurdo de se abrir mão desse patrimônio público, “com objetivo míope, de curto prazo, pensando meramente em fazer caixa”. Contra isso, a mobilização e pressão continuam.