Com 28 anos de idade, Gabriela Souza Araújo lidera uma equipe dentro de uma empresa de manutenção de equipamentos.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
No Dia Internacional da Mulher, neste 8 de março, quando são diversas as manifestações em lembrança à data, mesmo que alguns prefiram dar batom, a engenheira mecânica soteropolitana Gabriela Souza Araújo, 28 anos, é taxativa: “Não é um dia para dar presentes à mulher. É uma data de conscientização da sociedade em geral, pois ao longo de décadas a mulher vem lutando para galgar um espaço no mercado de trabalho e equidade salarial. Acredito que este seja o momento para empresas investirem em campanhas relacionadas à luta e a valorização da mulher no âmbito profissional.”
Formada em 2017 pela Faculdade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, Araújo atualmente reside em Maceió (AL) por causa do trabalho. Ela é contratada como engenheira e é responsável pelo setor de planejamento numa empresa de soluções integradas de engenharia nas áreas de manutenção, construção e montagem eletromecânica e serviços especializados de caldeiraria e soldagem. A profissional se considera vitoriosa, mas tem consciência de que a caminhada é árdua: “Nós, mulheres, que atuamos em áreas predominantemente masculina, sabemos que o desafio é grande e permanente.” No seu caso, informa, focou no seu objetivo e potencial técnico e humano para “alcançar o meu espaço na área de engenharia mecânica como líder. Sou a primeira e única mulher engenheira na empresa em que trabalho.”
Direitos iguais
“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.” Esta é a reprodução do inciso I do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, que determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Já no artigo 7º, incisos XVIII e XX, respectivamente, estão inscritos os direitos invioláveis de que a mulher terá direito à licença gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, e incentivos específicos para proteção no mercado de trabalho.
A Carta Magna não deixa dúvidas de que as mulheres têm direito a ter salários iguais aos dos homens, que não podem ser discriminadas na hora de uma seleção profissional, por exemplo, por causa da maternidade. E mais: as mulheres têm todas as condições intelectuais e competências técnicas e comportamentais para assumir cargos de chefia ou de nível hierárquico alto dentro de uma empresa ou uma organização corporativa.
Todavia, a realidade brasileira ainda está distante do que reza a Constituição. A economista Marilane Oliveira Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), observa que a sociedade brasileira é altamente machista, misógina e antifeminista. “Ainda vivemos uma divisão sexual do trabalho que coloca a responsabilidade das tarefas domésticas e do cuidado em cima da mulher”, assevera. O que se reflete no baixo número de mulheres que optam por profissões ligadas à carreira STEM, acrônimo, em inglês, formado pelas iniciais das palavras ciência, tecnologia, engenharia e matemática (science, technology, engineering, and mathematics).
Outro dado que agrava o cenário, segundo a economista, é a redução de uma série de políticas públicas que também confina as mulheres ao ambiente doméstico.
Sociedade patriarcal
Especificamente na modalidade de Araújo, a mecânica, o Brasil tem mais de 106 mil profissionais registrados nos 27 conselhos regionais da categoria (Creas). A disparidade entre os gêneros masculino e feminino, neste caso, é gritante: são 100.603 homens (94,80%) e 5.512 mulheres (5,19%). Ela se impressiona com os números, sabia que havia diferença, mas não nessa proporção, por isso, avalia que a engenharia mecânica, por incrível que pareça, ainda se relaciona a uma atividade mais braçal, “quebrar esse paradigma de ter mulheres direcionando homens é algo ainda muito distante da nossa sociedade patriarcal”.
Uma sociedade patriarcal que Araújo desafia desde o ensino médio, diz, quando descobriu sua afinidade com exatas e chegou a ser considera uma das melhores alunas de física do terceiro ano. Ela não abriu mão do seu sonho, e logo pensou que o melhor lugar profissional para ela era a engenharia. Araújo não lembra, com exatidão, quantas mulheres faziam o curso com ela, “mas posso afirmar que não chegava a 10%. Já na formação, éramos apenas em cinco mulheres, uma delas, inclusive, era minha irmã”.
Araújo observa que quem está de fora, acha que a desigualdade entre os sexos não existe ou que é pouca. “Ainda hoje, formada, atuando na profissão, não me sinto em pé de igualdade. Principalmente, porque você olha para os lados e não tem identificação, não existem mais mulheres engenheiras no mesmo local.” O isolamento é ainda mais sentido, acrescenta, quando se exerce um cargo de liderança.
Sexismo
Araújo trabalhou antes em escritório, local tinha mais mulheres, lembra, chegando a quase 40%. “Já na área industrial, 90% são de homens. O impacto, portanto, é grande”, diz. Ela sente que o fato de ser mulher nesse tipo de local se sobrepõe, ainda, à posição de ser engenheira. “Cheguei a ser questionada por um profissional o que estava fazendo naquela área e porque tinha escolhido engenharia”, recorda.
A engenheira também já sofreu assédio moral, se sentindo menosprezada e inadequada apenas pelo fato de ser mulher. “Confesso que já pensei em desistir algumas vezes. É um peso muito grande que se carrega. Você se sente completamente fora dos padrões, não tem representatividade, não tem quem carregue a bandeira junto a você”, ressalta.
Trabalho seguro
Para estar hoje na posição de responsável pelo setor de planejamento, Araújo faz muitas viagens para acompanhar paradas de manutenção, como em Araxá (MG) e Paulínia (SP). Além disso, já enfrentou situações as mais diferentes, como subir torre de processo de 80 metros – como a de destilação – para acessar equipamentos não projetados para ocupação humana. “A vivência e o conhecimento adquiridos em campo me dão autonomia e segurança para gerir uma equipe”, afirma.
Ela trabalha com diversos tipos de equipamentos da área industrial com diferentes produtos – dos inflamáveis, ácidos aos tóxicos. “Nosso trabalho é feito com toda a segurança e respeitando as normas regulamentadoras do espaço confinado (NR-33) e de serviços em altura (NR-35). Para fazer a manutenção desses equipamentos e tubulações, há um bloqueio de entrada desses produtos químicos.”
Mensagem para homens e mulheres
A engenheira mecânica Gabriela Souza Araújo faz questão de dar uma mensagem diferente para homens e mulheres neste 8 de março. “Para os homens, quero dizer que, apesar de nós mulheres comumente não ocuparmos cargos nos setores da engenharia, estamos preparadas e aptas para competir em pé de igualdade e com equidade salarial, desempenhando de forma exemplar a engenharia. Já para as mulheres, digo: não vamos desistir! O caminho pode ser árduo, mas é gratificante e nosso. Saber que estamos rompendo barreiras e conseguindo mudar o cenário profissional é algo recompensador, e não tem volta.”