Instituição de ensino lança núcleo para garantir presença feminina nos cursos de engenharia, e desmistificar a profissão como sendo um saber privado para os homens.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
A Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lança, neste 8 de março, como celebração ao Dia Internacional da Mulher, o Núcleo de Mulheres na Engenharia (NME), cuja coordenação será da professora e engenheira civil Simone Ramires. A iniciativa baseou-se em pesquisa da própria instituição de ensino gaúcha que mostra a evasão e o número reduzido de mulheres nos cursos de engenharia. “Queremos falar mais desse universo de impeditivos e atuar para mudá-lo”, observa a docente, acrescentando que quer atrair mais o público feminino para a área. “A profissão só tem a ganhar com isso”, defende.
Entre outras ações, o NME, segundo Ramires, vai agir em duas frentes: dentro da própria faculdade e nas escolas públicas e privadas de ensino médio. “Já como estudante, queremos entender quais as principais razões que fazem a mulher desistir do curso. A partir disso, definir ações para reverter esse quadro”, explica. Pelo lado de quem ainda não optou pela profissão, a docente observa que o trabalho será de conscientização com as jovens, mostrando que “a engenharia é lugar de mulher também, que pode desenvolver habilidades técnicas relacionadas à atividade”. Ela acrescenta: “Vamos desmistificar a engenharia como um espaço masculino. A mulher pode ter protagonismo e relevância na profissão e fazer a diferença, realizar pesquisas aplicadas com foco na melhoria da qualidade de vida e na redução do impacto ambiental.”
Nossa entrevistada
Coordenadora do Núcleo de Mulheres na Engenharia, Simone Ramires é docente da Escola de Engenharia da UFRGS, atua como pesquisadora nos projetos de gás natural renovável, IluminaTchê -iluminação sustentável, Rysktech – tecnologia em prol da segurança dos laboratórios da UFRGS, Fila Virtual, Ricepacking – bioplástico da massa residual da casca de arroz, Grupo de Trabalho (GT) - Resíduos Sólidos Orgânicos, Re-TEC – recondicionamento de computadores, Educação para Engenharia, Inovação e Empreendedorismo.
Mesmo em meio aos últimos preparativos para o lançamento do Núcleo, a coordenadora concedeu entrevista ao Oportunidades na Engenharia, do SEESP, sobre a iniciativa. Confira, a seguir.
Como nasceu a ideia da criação do Núcleo de Mulheres na Engenharia?
Ele surgiu no Hackathon 2.0 proposto pelo Centro de Estudantes Universitários da Engenharia (Ceue), da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2021. O objetivo do núcleo é reduzir a evasão das estudantes nos cursos de Engenharia da nossa instituição.
Segundo dados do Setor de Apoio Acadêmico (Sacad), da Escola de Engenharia, em 2020, de um total de 4.297 estudantes de graduação, 1.296 são mulheres e alguns cursos possuem menos de 40% de representatividade feminina.
A criação do NME vem para acolher as acadêmicas para tentar reduzir a evasão, com apoio psicológico, entre outras ações. Ao mesmo tempo, incentivar estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas a conhecerem o universo da Engenharia. Queremos que descubram o quanto podemos fazer a diferença, trabalhando com pesquisas, criar novos produtos, melhorar processos e serviços, além de transformar o mundo da tecnologia e ciência.
Professora, os dados de evasão das mulheres nos cursos de Engenharia da UFRGS refletem o que acontece no País de maneira geral? A senhora poderia falar um pouco sobre isso?
Quanto aos dados é possível verificar [ver figura 1] que há disparidade de estudantes nos cursos de Engenharia. É possível verificar que alguns cursos não possuem nem 20% de representatividade feminina.
Seguindo nessa perspectiva, verificamos [ver figura 2], com dados dos semestres 2020/1, que o percentual feminino de estudantes de graduação na universidade e na Escola de Engenharia difere muito, cai à metade.
Ainda sobre a participação feminina na profissão de Engenharia, conforme Censo da Educação Superior (2019), o número de mulheres que concluem o ensino superior é maior que o de homens, sendo de 43% mulheres e 35% homens. Apesar do elevado número de mulheres concluindo o ensino superior, o número de engenheiras registradas no Sistema Confea-Creas representa 19% de mulheres do total de 1.003.583 registrados (2021), quanto ao número de profissionais ativos no Crea-RS é possível verificar que 19,1% são femininos e 80,9% masculino.
Quais ações o Núcleo pretende implementar?
O Núcleo de Mulheres na Engenharia vai ter como objetivo reduzir a evasão dos cursos de engenharia, implementar ações para atrair mulheres para as carreiras de engenharia e estimular a serem agentes transformadoras nos cursos de engenharia. Além disso realizar workshops, seminários, oficinas voltadas ao empreendedorismo feminino, apadrinhar estudantes de Engenharia e implementar ações de suporte emocional.
O Núcleo pretende incentivar alunas de escolas públicas e privadas dos cursos de Engenharia da UFRGS por meio de palestras, rodas de conversas, seminários, visitas técnicas, minicursos e outros eventos que envolvam discussões sobre a presença feminina em cursos de engenharia e também a produção de material informativo sobre a carreira de engenharia, para incentivar as mulheres a seguirem essa carreira e da área de ciências.
Quais os principais problemas levantados dentro da universidade que parametrizou a criação do núcleo?
Para a criação do Núcleo de Mulheres na Engenharia, foi elaborado um questionário tendo um total de 106 respondentes divididos em masculino, feminino e prefiro não dizer. As perguntas foram as mesmas. Quanto ao gênero 61,5% são feminino, 36,9% masculino e 2% prefiro não dizer/outro [ver Gráfico 1].
Quando se perguntou sobre quais seriam as principais causas dos elevados índices de evasão do público feminino nos cursos de engenharia teve-se os seguintes dados: da aba prefiro não dizer/outro: 100% assédio e 100% preconceito; da aba feminino, as respostas foram variadas: ausência de suporte (35,2%), preconceito e machismo (71,8%), predominância masculina (46,5%), desigualdade salarial (39,4%) e assédio (35,2%) [ver Gráfico 2].
Em sua opinião, quais os principais impeditivos para que a engenheira possa exercer plenamente a profissão?
Penso que já poderíamos ter evoluído nessa área, ou seja, não encontrar barreiras e/ou impeditivos que fazem com que a mulher siga outra área do que escolheu para sua vida profissional, levando em consideração uma mulher que cursou engenharia cinco anos ou mais na universidade.
Enquanto docente o meu discurso para as discentes é que não percam o brilho nos olhos; que sejam protagonistas na graduação, que façam a diferença e que sejam resilientes. Desafios fazem parte da Engenharia, mas não justificam o preconceito, as perguntas e/ou piadas não aceitáveis e sem graça.
Desejo que esses dados, num futuro não distante, estejam com equidade, que todas que desejam ser engenheiras e seguir a área das ciências sintam-se confortáveis e acolhidas durante o curso.
Como você já trabalha isso com as suas alunas?
Sempre relato para as discentes a importância de não desistir de seus sonhos e aproveitar ao máximo a fase da estudante e afirmo com toda convicção que escolheria engenharia mil vezes na minha vida, mesmo tendo poucas horas de sono durante a graduação, mesmo sendo difícil entender algumas disciplinas e/ou o próprio professor, mesmo por muitas vezes questionar-me se era a escolha certa para minha vida, duvidando da minha capacidade. Mas, como digo, a engenharia me fez ser resiliente, tornar-me cada vez mais forte e tenho orgulho da pessoa que me tornei e a diferença que posso fazer enquanto docente, pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Mulheres na Engenharia (NME).
Além disso, escutar as discentes tem sido um aprendizado constante, pois o Núcleo de Mulheres na Engenharia tem a participação de seis acadêmicas dos diversos cursos de Engenharia: Ana Carolina Mendes, Jennifer Leiria, Ana Carolina Mendes Pinheiro, Juliana Rodrigues de Vargas, Tayná dos Santos, Julia Gabrieli da Silva e Maria Eduarda Pereira Pintos.
Quem quiser entrar em contato com o NME: contatEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
Relatos
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“A oportunidade de cumprir com um dos meus desejos entrando na Engenharia de Computação - o de colaborar para representatividade feminina na área - tanto incentivando mais meninas a conhecerem e descobrirem que podem e devem ocupar esses espaços, como também acolhê-las para diminuir os índices de evasão. Além disso, a oportunidade de buscar um ambiente mais acolhedor para as mulheres que estão na Engenharia em geral, fazendo parte da construção de uma rede de apoio forte entre as alunas. E, claro, representa também a possibilidade de me envolver mais com a UFRGS e continuar motivada a cooperar para alguma mudança, além de estar em um espaço em que me sentirei pertencente, confortável e acolhida.” — Juliana Rodrigues de Vargas, Engenharia de Computação, 1º semestre.
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“Eu busco dentro do NME um acolhimento que poucas vezes recebi dentro do ramo acadêmico e profissional. Eu, como mulher, quero poder fazer parte de um grupo que entenda minhas lutas e que me apoie, que compartilhe das minhas vivências e que não me considere apenas mais um número nas estatísticas. Precisamos nos unir para superar as adversidades que a sociedade nos impõe e eu vejo esse projeto como uma grande oportunidade para sermos ouvidas além de vistas.” — Jennifer Leiria, Engenharia de Materiais, 5° semestre.
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“Desde o começo do ensino médio já tinha o desejo por cursar engenharia, contudo, no decorrer do tempo me questionei diversas vezes se esse era o caminho ideal, pois muito me foi dito que não era, que eu não estaria capacitada (como mulher) para isso. Felizmente, apesar da falta de crédito me imposta, aceitei o desafio e fiz o que realmente tinha desejo: cursar engenharia; e ainda bem que me ouvi em primeiro lugar, porque foi a melhor decisão que já tomei! Dessa forma, é uma honra imensa participar da construção do NME, possibilitando que outras mulheres também sintam que tomaram a decisão certa, que estão no lugar que sempre quiseram e que merecem estar nele, pois afinal a engenharia é nosso lugar sim!” — Tayná dos Santos, Engenharia Ambiental, 4° semestre.
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“Desde criança sabia que queria fazer parte de algo que faria a diferença. Nasci e cresci em uma cidadezinha no interior do RS, onde os jovens sempre escolhiam e ainda escolhem cursar algo tradicional como medicina ou direito. Sempre escutei durante minha vida escolar que fazer engenharia era algo para meninos ou algo além do que era encontrado em minha cidade, estudar na UFRGS então, coisa de outro, já que o mais cômodo sempre foi ir para a cidade vizinha estudar em alguma faculdade particular. Contudo, estudei muito e passei na UFRGS, faculdade em que vejo que é possível ser uma mulher engenheira, e através da professora Simone, fui apresentado ao NME, projeto esse que será fundamental para que nós, mulheres na engenharia, sejamos acolhidas e respeitadas como estudantes e profissionais, pois somos sim capazes de pesquisar, inventar e deixar a nossa marca no mundo.” — Júlia Gabrieli da Silva, Engenharia de Energia, 2º semestre.
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“Às vezes, na correria do dia a dia e nas dificuldades da faculdade, acabo me sentindo sozinha e desmotivada por esse mundo que parece não reconhecer o esforço das mulheres. Mas o NME é justamente sobre isso, mostrar que nós, mulheres, não estamos sozinhas, é sobre reconhecer e valorizar cada conquista feminina juntas. De modo que as mulheres já cursando a faculdade sintam-se acolhidas e apoiadas; e aquelas que ainda vão entrar, saibam que não estão sozinhas, e não passem pelas dúvidas e desconfortos pelo qual eu e outras meninas passamos hoje.” — Ana Carolina Mendes Pinheiro, Engenharia Química, 2º semestre. _______________________________________________________________ |