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31/03/2022

A engenharia e o protagonismo político

Renato Vargas* 

 

“Se você quer fazer progresso em política, meu conselho é contratar cientistas e engenheiros e não experts e comunicadores.”
Dominic Cummins, Diretor da Campanha em favor do Brexit.
 

A Engenharia é a arte de mediar o conhecimento tecnológico entre os setores sociais fundamentais nas transformações e realizações que escrevem a história mundial, em seus avanços e recuos. Eventos fundamentais na história da humanidade como as revoluções industriais e as grandes guerras demonstram a alternância entre os momentos econômicos e sociais protagonizados pela tecnologia. Mas, sob o prisma da política, a tecnologia sempre foi apenas um instrumento. Países imperialistas usaram a tecnologia como protagonista de suas campanhas expansionistas, tanto na geopolítica como na busca de novos mercados. Aliás, este fato alimentou durante muito tempo um falso juízo sobre a “energia negativa” da tecnologia na história da humanidade, porque o seu avanço estaria conectado às grandes guerras. Uma análise mais ponderada demonstrou que durante as guerras o aporte de recursos em tecnologia foi exponencial e tornava natural o avanço superior em relação aos tempos de paz. Portanto, a diferença sempre esteve na decisão política de investir mais ou menos em tecnologia. O projeto Manhattan, criado para desenvolvimento da bomba atômica é um excelente exemplo, pois com investimentos de bilhões de dólares e uma equipe de 130 mil pessoas deixou um amplo legado de novos materiais, produtos e softwares, além de uma destruição sem precedentes.

 

Recentemente, as plataformas digitais, com seus bigdatas e algoritmos de inteligência artificial da indústria 4.0, que aos poucos vão migrando das linhas de produção para diferentes setores da sociedade, estão modificando este quadro. Este novo conhecimento, produto do trabalho dos engenheiros, é o responsável por uma aparente inversão no protagonismo da tecnologia que, de simples instrumento, passa a interferir nos destinos políticos dos países. Por meio das novas tecnologias e mídias sociais foi possível acessar os dados de bilhões de pessoas, traçar perfis, simular comportamentos e reunir um arsenal imensurável de informações que alimentam conteúdos direcionados e deliberados por meio de ataques cibernéticos. As recentes “revoluções coloridas” no leste europeu e as manifestações políticas no Brasil a partir de junho 2013, que culminaram com um impeachment da presidente em 2016, são bons exemplos para demonstrar o poder destes ataques na manipulação e mobilização da opinião pública por meio de narrativas duvidosas e, em muitos casos, falsas. Desde então, estas plataformas poderosas assumiram um papel crucial nas decisões políticas e estão agindo como protagonistas no reordenamento da geopolítica mundial baseado no colapso da democracia liberal (Castells, 2018). Portanto, a ordem entre tecnologia e política muda de orientação porque o protagonismo destas plataformas construídas por meio de sofisticados algoritmos eleva a tecnologia a um patamar superior e inédito na história mundial (Empoli, 2019). Nesta lógica, por exemplo, a escolha dos atores políticos é o produto de uma mobilização midiática em torno de uma correlação de forças circunstanciais, o que permite entender a ascensão política de grupos desqualificados e sem compromisso com as responsabilidades de governança. Evidentemente, estas plataformas possuem mantenedores interessados no caos político atual e estão dispersos no complexo conjugado de interesses do mercado financeiro e das grandes corporações.

 

A ciência moderna iniciou um processo civilizatório no século XVI, resgatando uma sociedade habitada por bruxas e ritos sumários da inquisição, baseada nos dogmas religiosos e símbolos esotéricos. Aparentemente, a velocidade dos recentes avanços tecnológicos obscureceu a capacidade de reflexão sobre os seus desdobramentos sociais e políticos e está devolvendo a sociedade aquele estado de irracionalidade, disseminando por meio das plataformas digitais ideias atrasadas sedimentadas por meio do ódio e do medo.

 

Neste momento em que o Brasil atravessa uma crise política e econômica, desafiada por uma pandemia duradoura e pelas sombras de uma nova edição da guerra fria é absolutamente necessário melhorar o entendimento de nossos engenheiros sobre este contexto, especialmente porque é o produto do seu trabalho. Por isso, as escolas de engenharia, seminários e congressos, mais do que repercutir agenda estritamente técnicas, poderiam estender as discussões para as consequências sociais e políticas da Engenharia e possibilitar aos engenheiros o entendimento de seu protagonismo e, em especial, da necessidade de seu engajamento político no desenvolvimento de um país.

 

 

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Bibliografia: 

Castells, M., Ruptura- Crise da Democracia Liberal, Editora Zahar, 2018

Empoli, G., Os Engenheiros do Caos, Editora Vestígio, 2019.

 

 

 

 

 

 

 

RenatoVargas

 

 

*Renato Vargas é engenheiro mecânico com mestrado e doutorado na área pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), diretor técnico-administrativo do Núcleo de Consultoria em Engenharia e Pesquisas em Tecnologia Ltda. (NEP) e coordenador da Relief, plataforma EAD desenvolvida para capacitação de engenheiros na área de análise estrutural por elementos finitos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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