Soraya Misleh/Comunicação SEESP
No início da tarde de 14 de junho, o seminário virtual “Em defesa da Petrobras e do petróleo brasileiro” reuniu especialistas que abordaram os caminhos para recuperar a empresa e o País. Organizado pelo SEESP, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Portal Outras Palavras e transmitido ao vivo pelos canais destas entidades e de outras 45 parceiras, o evento teve início no dia 13 e seguiu até esta terça-feira (14/6).
Considerado “o pai do pré-sal”, o geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, lembrou a história da construção da Petrobras e o início do processo de desmonte da empresa. A companhia, como reiterou, nasceu de clamor popular nas ruas e então foi criada no ano de 1953 pelo presidente Getulio Vargas, que determinou o monopólio estatal do petróleo, começando a operar um ano depois. Estrella observou que a Petrobras, diferentemente de outras estatais que vieram a ser nacionalizadas no período, já começou do povo brasileiro. “Um modelo inteligente que incorpora pesquisa científica a tecnologia e engenharia.”
As bases para o desmonte, como elucidou o geólogo, se deram a partir do Governo Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990, quando decidiu por flexibilizar o monopólio estatal do petróleo. Estrella acredita que a busca por entregar o patrimônio público à iniciativa privada é “um golpe contra a soberania nacional”. Na sua visão, é preciso recuperar a companhia para dar ao Brasil a possibilidade de assumir seu papel, muito diferente de sua recolonização em curso.
“Temos que mobilizar o povo brasileiro para que se aprove Medida Provisória e emendas constitucionais para se recuperar a soberania. Não há outra alternativa. Não podemos nos propor a gerenciar conjunto de leis que transforma o Brasil em grande colônia do capital internacional”, propugnou.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Gilberto Bercovici observou que a Petrobras é uma empresa estatal, ou seja, funciona como um órgão da administração pública brasileira, portanto, “tem que se pautar pelo interesse público”. E o monopólio estatal do petróleo, não obstante a flexibilização, como frisou ele, não acabou. “É preciso garantir o abastecimento e a soberania energética no País”, vaticinou.
Para ele, nessa direção, “o governo deve tirar a Petrobras da Bolsa de Nova York, e é necessário ter vontade política para retomar tudo o que nos foi subtraído. Não pergunto se, mas quando vai ocorrer a reestatização do setor energético e de uma série de serviços, já que o desmantelamento é de tal grau que está afetando a vida das pessoas no dia a dia, do prato de comida ao emprego”. Esta, na sua concepção, é uma questão de “sobrevivência nacional”.
Energia ao desenvolvimento e à soberania
Na mesma linha, Clarice Ferraz, diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), lembrou o papel da energia como “essencial ao modelo de desenvolvimento”. E sublinhou: “Requer domínio de ciência, tecnologia e inovação, e engenharia.”
Expressando sua tristeza com a perda da Eletrobras, estratégica à necessária transição energética no País, ela foi incisiva: “Isso tem que ser revertido. A descotização da empresa é quebra de contrato.” A companhia, conforme descreveu, é um monopólio natural, construção de engenheiros brasileiros que pensam o território e a preservação da natureza “da melhor forma possível”.
“É um setor de inteligência. Recuperar a Petrobras e a Eletrobras é recuperar nossos pilares da soberania. Transição energética envolve muita inovação e infraestrutura. Quem assume isso é o Estado, articulador e estimulador do projeto nacional de desenvolvimento.” Ferraz propugna que a partir da reestatização da Eletrobras é possível mudar a estrutura de formação de preços de eletricidade.
O professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Gonzaga Belluzzo enfatizou: “Energia é um insumo universal para as sociedades industriais. Não se pode tratá-la como se fosse negociar preço de banana, de mexerica.”
Por sua importância estratégica, continuou, “não pode ser deixada simplesmente ao mercado”. Privatizações no setor, como constatou Belluzzo, internacionalmente foram malsucedidas. O resultado aqui é que “o Brasil é um dos países que tem a energia mais cara do mundo”. Segundo ele, é fundamental que se recupere o controle público de sua oferta.
Belluzzo apresentou como proposta a reconstrução de marcos institucionais, revendo-se o teto de gastos previsto na Emenda Constitucional 95 e o papel das empresas públicas.
Nesse caminho, defendeu o fortalecimento da fusão entre Eletrobras e Petrobras, para que se “administre a transição energética de forma muito mais eficaz”, financiando-se esse programa a longo prazo via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Ele considera que, nessa linha, deve-se buscar articular o setor de ciência e tecnologia e forças populares para se avançar num processo de “democracia radical”, recuperando-se a liberdade e o planejamento.
Para o coordenador da atividade, jornalista Antonio Martins, do Portal Outras Palavras, a realização desse seminário é expressão de movimento de resistência contra a privatização da Petrobras e se alinha a uma nova consciência que surge. E resumiu: “Aqui vimos a negação da máxima neoliberal de que não há alternativa. O debate sinaliza a possibilidade de recomposição no horizonte político. Temos, além da luta institucional [para esse caminho], que atuar na reflexão e mobilização da sociedade.”
Confira a mesa “Caminhos para recuperar a empresa e o País” na íntegra: