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28/06/2022

A informação salva do preconceito, diz engenheiro Miguel Filpi

Brasil é o país com mais assassinatos de LGBTQIA+: uma morte a cada 29 horas, aponta levantamento.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidade na Engenharia

 

A área Oportunidades na Engenharia do SEESP reforçando a importância do olhar, das ações e de políticas empresariais, institucionais e públicas que celebrem, acolham e respeitem a diversidade de forma real, em todos os seus sentidos e aspectos humanos, traz uma entrevista importante com o engenheiro de produção Miguel Pasqualetto Filpi, um homem trans. A matéria se insere no contexto do Mês do Orgulho LGBTQIA+, em junho: um mês temático em que atenção especial é dada às emancipação e aceitação de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, pessoas transgênero, queer, ou questionantes, intersexo ou agênero e assexuais ou arromânticos.

 

Em 2021, houve no Brasil, pelo menos 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+). Esse número representa um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior, quando foram 237 mortes. Os dados constam do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil.
Fonte: Agência Brasil – 12 de maio de 2022.

 No dia 28 de junho é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, data que marca a luta pelos direitos em todo o mundo. Neste data em 1969, policiais estadunidenses reprimiram os gays frequentadores do bar Stonewaal Inn, na cidade do Nova Yorque.

 

Entre os crimes ocorridos no ano passado, 262 foram homicídios (o que corresponde a 82,91% dos casos), 26 suicídios (8,23%), 23 latrocínios (7,28%) e 5 mortes por outras causas (1,58%). O dossiê, produzido por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, é resultado de uma parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). O número pode ser ainda maior por causa da subnotificação.

Fonte: Agência Brasil – 12 de maio de 2022.

Passados exatos 53 anos, apesar da evolução humana que se está conseguindo, a violência física e simbólica ainda é a realidade para quem não se enquadra no estereótipo binário criado pela sociedade. Nesse sentido, a área do SEESP, que presta atendimento de orientação à carreira de estudantes e profissionais de engenharia, quer contribuir levando informação. Como diz o nosso entrevistado Miguel Filpi, a informação salva.

 

Miguel Filpi jpeg 400Miguel Pasqualetto Filpi é formado em Engenharia de Produção. Crédito: Acervo pessoal.Miguel, agradecemos a sua participação nesta matéria que está saindo no mês do Orgulho LGBTQIA+. Por isso, começo perguntando: como você viu o convite para essa entrevista feito pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo?
Recebi o convite com muita felicidade e uma sensação de progresso por esse tema ser levantado no meio da engenharia. Espero que esse seja o início do fim de um tabu dentro da nossa área. 

 

Agora vamos retroceder um pouco no tempo. Como a engenharia entrou em sua vida? E como foi fazer o curso na FEI (Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana "Padre Saboia de Medeiros")?
Sempre gostei muito de resolver problemas lógicos, com números. Matemática e física eram minhas matérias favoritas! Desde pequeno sentia que deveria escolher uma profissão que me desse uma liberdade financeira, ou que deveria escolher uma faculdade que pudesse me “abrir portas” para boas oportunidades.

 

Vim de cidade pequena, onde ainda havia muito daquela ideia de que profissões que “davam dinheiro “eram as tradicionais: medicina, direito e engenharia. Então a que melhor se encaixou no perfil foi a engenharia. Escolhi engenharia de produção porque sentia que poderia ter mais liberdade para seguir em outra área de exatas caso não quisesse trabalhar especificamente com mecânica, elétrica, civil etc.

 

Fazer a FEI foi uma abertura de mente em todos os aspectos. Foi um desafio imenso na questão acadêmica, porque é uma excelente faculdade. Evoluí muito. Mas, foi a primeira vez que morei fora de casa, assumindo o papel do adulto responsável. Foi a primeira vez, também, que morei em cidade grande, onde ninguém se importa com quem você é ou o que faz ou deixa de fazer. Foi muito importante na minha formação não só como profissional, mas como ser humano mesmo. Além disso, conheci pessoas muito especiais que levarei comigo para sempre.

 

O que é a engenharia para você, uma área que vive de desafios e acostumada a resolver problemas e apontar soluções? Pela própria natureza da atividade, é uma área, podemos dizer, que precisa viver “fora da caixinha”, que não se pode aprisionar dentro de padrões e existe para inventar e se reinventar, ou seja, a olhar o mundo por diversos ângulos.
A minha sensação sempre foi essa, a de que a engenharia é curso “quadrado”. Apesar de exigir soluções “fora da caixinha” para problemas práticos, as pessoas que faziam o curso, em sua maioria, eram bem “quadradas”. Mas não posso generalizar, claro, porque lá conheci diversas pessoas abertas genuinamente a olhar o mundo por outro ângulo, em todos os aspectos. Mas olhando a nova geração de alunos que entra a cada ano é perceptível que esse “padrão” está mudando, para melhor, com certeza.

 

Engenheiro formado, como você entende a sua contribuição em trazer a diversidade para uma categoria, ainda majoritariamente masculina – segundo estatísticas do Sistema Confea-Creas, hoje, são mais de 850 mil registros profissionais identificados como do sexo masculino e 205 mil, de mulheres: Qual o debate necessário, na engenharia, que realmente englobe as tantas formas de ser, fora do padrão binário? e O que as faculdades também podem fazer para levantar essa questão, não apenas com palestras sobre o tema?
Não sei se o debate deveria iniciar na engenharia propriamente dita, visto que essa estatística não mudou tanto nos últimos anos. Quais são os passos antes da entrada na engenharia onde fica evidente essa (des)proporção da seleção da profissão? O que leva esse desbalanço na escolha da profissão entre: jovens mulheres (identidades femininas) e homens (identidades masculinas)?

 

Acredito que deveríamos rever o reforço de gênero atrelado a comportamentos, vestimentas, profissões, brinquedos etc. É o famoso “meninos gostam/fazem/são melhores nisso e meninas gostam/fazem/são melhores naquilo”.

 

Além disso, tem a questão real ainda de salários inferiores para mulheres, descrédito, insegurança e o assédio por parceiros. E acho também que existem poucas referências femininas – apesar de, ainda bem, essa estatística estar mudando nos últimos tempos – em posições de liderança nessa área. Isso vem antes da engenharia e acredito que são hoje os maiores inimigos de uma maior pluralidade de gêneros nessa área.

 

Acredito que deveria haver uma mudança cultural geral no Brasil. Mas, como estamos longe dessa utopia, sugeriria que as faculdades pudessem fazer como muitas empresas vêm fazendo: criar frentes administrativas responsáveis pela diversidade e inclusão com o objetivo de ouvir, garantir que a faculdade seja um ambiente seguro e que realmente trabalhe para propiciar equidade entre todas as pessoas. Workshops para funcionários, pais, docentes, alunos e outros. E fazer integrações celebrando diversidade.

 

O seu posicionamento, nas redes sociais também, foge um pouco, ou bastante do que estamos acostumados a entender como um/a profissional de engenharia. É uma desconstrução necessária para que se tenha de fato um ambiente de respeito entre todas as formas de ser na engenharia?
Observo que essa desconstrução é algo necessária na vida, não só na profissão. A sexualidade e todo o seu guarda-chuva de termos em nada impactam a habilidade, caráter, excelência daquele/a profissional/humano. As pessoas perdem muitas oportunidades de conhecerem, trabalharem e conviverem com excelentes pessoas por conta de ideias preconcebidas. Perde-se muita troca rica, a troco de quê?

 

Enquanto as empresas aumentaram sua preocupação com a saúde mental dos funcionários, segundo um relatório recente, a diversidade e a inclusão ficaram em segundo plano. Uma das razões da queda seria a impressão de que o tema já está resolvido. Como iniciativas já foram tomadas nos últimos anos, as empresas decidiram focar em outros tópicos — como saúde mental, por exemplo, muito impulsionada pela pandemia da Covid-19.
Fonte: The News – 6/6/2022

Há pouco tempo, você postou uma matéria que indica que a diversidade e a inclusão estão perdendo força nas empresas brasileiras, neste ano. Como você analisa e o que fazer para reverter esse cenário?
Creio que estamos progredindo bastante nessa pauta, mas isso está longe do fim, já que ainda temos um grande número de pessoas LGBTQIA+ desempregadas e as margens da sociedade.

 

Acredito que capacitando, proporcionando oportunidades e criando ambientes seguros e confortáveis para todes já é um bom norte para a mudança dessa estatística – e estávamos trilhando dessa forma até então, apenas não chegamos ao fim.

 

Todes
A linguagem não binária, também denominada linguagem neutra, é um fenômeno social, político e linguístico vinculado às lutas identitárias de grupos LGBTQ+. Criada há cerca de 10 anos, no contexto das redes sociais e do surgimento de coletivos militantes, grafa ‘x’, ‘@’ ou ‘e’ em substantivos para neutralizar o gênero gramatical. O ‘e’ é a primeira experimentação pronunciável e vem conquistando falantes. ‘Todes’ já é uma palavra popular, utilizada para substituir o masculino genérico: “Bom dia a todas, todes e todos”.
Fonte: Revista Educação

Como você se reinventou na melhor forma possível para se conectar ao mundo: exercendo uma comunicação que é fácil, traz empatia, credibilidade e respeito? Ou essa comunicação é nata sua, Miguel?
Que nada, isso é fruto de muita terapia! Acredito que quanto mais pudermos estar em paz e bem resolvidos com quem somos, mais “facilidade” teremos em encarar o mundo. Tem uma frase do Steve Maraboli [autor norte-americano] que é assim: "Quando eu me aceito, eu me liberto do peso de precisar que você me aceite.”

 

Não preciso provar nada para ninguém. A terapia foi a melhor bússola para que eu pudesse encontrar isso. Isso me ajudou bastante a me abrir sobre o assunto tanto para mim quanto para outras pessoas. Somado a isso, sempre busquei lutar por meio da educação e da informação. Aliás, 99% das vezes, porque acredito piamente que essa é a melhor forma de se combater qualquer preconceito.

 

Nunca aprendi nada muito na pancada, ou porque “tinha que aceitar aquilo”. Sempre fui curioso e buscava pessoas que pudessem me explicar o conceito ou que me ofereciam uma nova perspectiva de uma forma educativa, leve e divertida.  Aí aprendia que era uma belezinha. Então, tento me comunicar com o meu público da forma que entendo que mais funcionou comigo quando queria aprender e conhecer algo ou alguém. E vou moldando a forma como faço de acordo com os feedbacks que recebo.

 

Miguel, o que nos liberta dos preconceitos, do ódio, da intolerância, da violência simbólica e física contra quem achamos não ser igual a nós?
Informação. Convivência e abertura ao diferente. Educação e exposição a diversidade desde cedo. E mais que isso: para quem se sente dessa forma, refletir sobre o porquê aquilo evoca sentimentos tão ruins. Por que aquela diferença lhe causa tanto incômodo e raiva? Fazer terapia também ajuda bastante!

 

Miguel, qual mensagem você deixaria não apenas às pessoas que vivem uma realidade parecida com a sua, mas para todos, todas e todes? Qual mundo melhor para se viver?
Não deixem que os obstáculos dessa vida te façam perder a esperança ou felicidade, a vida é uma só. Busque a felicidade dentro de você, fortaleça sua alma. Tem uma frase muito repetida, mas sem autoria conhecida, que diz o seguinte: “Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca me quebrarão.” Dedique sua energia àquilo que te faz crescer. Fique perto daqueles que genuinamente te amam como você é. Brigue menos na internet e mais nas urnas eleitorais. Tenha paciência, mas não seja passivo. Tem uma frase de Theodore Roosevelt [presidente dos Estados Unidos, entre 1901 e 1909] que também gosto: “Talk softly out carry a big stick.” [em tradução livre para o português: fale baixinho e carregue um grande bastão; você irá longe]. Sempre busque o seu melhor por você, não pelas outras pessoas.

 

Quais são suas perspectivas e expectativas profissionais, como vem se aperfeiçoando?
Atualmente fiz uma transição de carreira para desenvolvedor backend. Antes trabalhava mais na área de business intelligence com análise de dados. Minha perspectiva hoje é estudar bastante e me desenvolver nessa área, quero me tornar um especialista em DevOps [Desenvolvimento & Operações]. E talvez no futuro poder viajar o mundo trabalhando de casa.

 

Por fim, quem é você?
Meu nome é Miguel Pasqualetto Filpi, tenho 28 anos e sou do interior de São Paulo, Araraquara. Sou apenas um cara normal, como qualquer outro. Almejo felicidade, sucesso, uma família, bons amigos, boas viagens e assim construir memórias que tragam sensação de dever cumprido no fim dessa vida. Além disso, espero ter sido (e continuar sendo) um bom ponto de referência para outres como eu, e um soldado resiliente na nossa luta.

 

Para aprender um pouco mais, indico canais no YouTube, como: Transdiário, Rita Von Hunty, Popó Vaz, Lucca Najar, Jonas Maria – todos também podem ser encontrados no instagram. Para além dos vídeos, indico muito o documentário “Disclosure”, que hoje está disponível na Netflix. Também tenho filmes bacanas para indicar: “Uma Mulher Fantástica”, “Paris is Burning”, “Girl”, “Boys Don't Cry” e “Orações para Bobby”; e séries: “Alice Júnior”, “Pose”, “Sense8”, “La Veneno” e “Euphoria”.

 

>> Perfis de Miguel Filpi no Intagram (@miguelfilpi) e no YouTube (/MiguelFilpi)

 

Sou mãe de um homem trans

 

 

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