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22/08/2022

Engenheiro mecânico cria edtech de sucesso

A expressão edtech é originada do inglês Educational Technology.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

 

O nome dele é Virgilio Marques dos Santos. Ele é sócio fundador da FM2S Educação e Consultoria. Graduado em Engenharia Mecânica, mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação e Master Black Belt pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Santos foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas na mesma instituição de ensino, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.

 

A startup hospedada no Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, informa Santos, acaba de criar um algoritmo que conecta a educação profissional às principais vagas buscadas pelo mercado. Por meio de análises estatísticas dos pré-requisitos exigidos por centenas de vagas, o algoritmo mapeia as competências e habilidades mais exigidas para cada área corporativa.

 

Virgilio jpegO engenheiro mecânico Virgilio Marques dos Santos, CEO da FM2S Educação e Consultoria. Crédito: Divulgação FM2S.

 

O modelo criado mapeia, segundo o engenheiro, dados nas áreas de Qualidade, Projetos, Indústria, Logística e Processos e Excelência Operacional. Com isso, obtém-se informações precisas e sólidas sobre as habilidades mais requisitadas para essas carreiras e seus cargos: sejam iniciantes ou de liderança. “Isso envolve tanto hard skills, com conhecimento técnico, como soft skills, que englobam habilidades como empatia, gestão de rotina e comunicação assertiva", exemplifica Santos.

 

Nesta entrevista concedida à área Oportunidades na Engenharia do SEESP, Santos, engenheiro desde 2006, fala mais sobre a startup, trajetória profissional e ainda faz reflexões sobre carreira, mercado de trabalho e perspectivas para os profissionais de engenharia. Segundo ele, "aprender a aprender", ter visão crítica, solução de problemas e criatividade são as habilidades mais demandadas pelo mercado hoje. Confira a entrevista a seguir.

 

Engenheiro, você usou a expressão bem interessante que desde a sua formação, há 16 anos, ‘caiu’ na profissão. Isso demonstra um desprendimento e conexão total com a profissão.

A graduação foi bem interessante, principalmente porque optei pela formação de engenheiro generalista. Tive a oportunidade de me formar numa época em que as turmas eram de 60 alunos e, assim, a ampla estrutura de laboratórios que a Unicamp gozava pôde ser aproveitada à vera. Lembro de que o conteúdo teórico abordado era densamente colocado em prática por meio dessas aulas no laboratório. Como generalista, vi um pouco da mecânica computacional, térmica, fluídos, petróleo, energia, projetos e fabricação, área que me apaixonei. De lá para cá, o modo de pensar da engenharia me acompanha e me tira dos apuros que o empreendedor se mete.

 

Pode contar brevemente como surgiu a ideia da edtech FM2S e o caminho até chegar à hospedagem no Parque Científico e Tecnológico da Unicamp?

A ideia surgiu lá atrás, assim que saí da faculdade. Queria ter uma empresa que democratizasse o ensino de qualidade e prático. Via, pelas empresas que pude conhecer, que havia demanda por ferramentas de gestão simples e aplicáveis. Entretanto, era apenas um consultor e professor solo.

 

Foi no meu doutorado, inspirado pelo meu coorientador, que enxerguei maneiras de estruturar uma escola que sonhasse grande, com a capacitação da força de trabalho e a melhoria da produtividade. E, em 2015, após pedir minha demissão do cargo de Gerente de Melhoria Contínua da Ambev, resolvi criar a edtech, que tem esse propósito de usar tecnologias inovadoras no setor educacional. Foram anos complicados, 2016 e 2017, em que todo dinheiro que faturávamos era revertido em investimento na criação dos cursos EaD [ensino a distância] e na tecnologia da empresa. No parque, chegamos apenas em janeiro de 2018, ano de sua inauguração.

 

A FM2S acaba de criar um algoritmo que conecta a educação profissional às principais vagas buscadas pelo mercado. Você pode nos falar do projeto e se outros profissionais de engenharia estão envolvidos nele?

O que buscamos fazer, no projeto do algoritmo, foi entender quais são as necessidades de cada uma das vagas que estão no mercado, definir quais são as habilidades que essas vagas demandam e, por meio dos nossos treinamentos, endereçar essas habilidades que vão ser aprendidas.

 

Cada uma de nossas trilhas de formação foram pensadas para que todas as habilidades técnicas necessárias ao cargo forem supridas por nós. É claro que networking, que alguns cargos exibem, por exemplo, não tem como suprir. Entretanto, tudo o que é habilidade nós desenvolvemos. E os outros profissionais de engenharia envolvidos compõem nossas equipes de Educação. Agora, estamos tramitando uma parceria com a FEM [Faculdade de Engenharia Mecânica], da Unicamp, nossa faculdade mãe, nossa alma mater [expressão em latim que significa “mãe que alimenta” ou “a mãe que nutre”], para que a gente desenvolva o sistema de machine learning mais profundo ainda.

 

O modelo mapeia dados nas áreas de qualidade, projetos, indústria, logística e processos e excelência operacional, obtendo informações sobre as habilidades mais requisitadas para essas carreiras e seus cargos: sejam iniciantes ou de liderança. A partir dessa ferramenta criada pela FM2S, você pode nos mostrar como a engenharia está sendo demandada pelo mercado?

A engenharia tem papel central nas habilidades que serão demandas, segundo a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], do ano de 2025 para frente.

 

As habilidades desenvolvidas no curso de Engenharia, pelo menos a base dele, estão muito atreladas à resolução de problemas, o "aprender a aprender", o "aprender a desaprender". Com essa constante inovação, o profissional precisa se revisitar a todo momento. Quando você aprende, na sua base, como aprender – o que a engenharia faz muito bem –, facilita demais a vida desse profissional.

 

Assim quando novas tendências ou sistemas surgem, com a habilidade de aprender a aprender, o profissional vai conseguir resolver. Outro ponto importante dado pela engenharia é a questão da visão crítica. Ao olhar para uma situação, um problema, é importantíssimo que o engenheiro saiba quais são as maneiras de melhorá-los. A criatividade, também, está incluída nesta profissão. Você parte do zero, faz testes; enfim, "aprender a aprender", ter visão crítica, solução de problemas e criatividade são as habilidades mais demandadas pelo mercado hoje.

 

Além dessas habilidades, quais outras você também destacaria?

O destaque maior que identificamos como habilidades em nosso mapeamento e que são muito importantes, englobam a questão de trabalhar forças e competências que envolvem ferramentas – de análise crítica, que aprimoram a habilidade de resolução de problemas e ferramentas de gestão, que melhoram a capacidade de criar e de aprender.

O aluno ou o profissional já formado precisa dominar o método científico, que é desdobrado por meio das análises que fazemos, famosas da parte de gestão, como PDCA e PDSA, e com isso a gente consegue colocar, em prática, conhecimento.

 

PDCA
É um método da qualidade utilizada no controle de qualquer processo para a solução de problemas. Foi criado na década de 20 por Walter A. Shewart, mas foi William Edward Deming, o “guru do gerenciamento da qualidade”, quem disseminou seu uso no mundo todo, (por isso, a partir da década de 50, o ciclo PDCA passou a ser conhecido como “Ciclo Deming”).

 

PDSA
Também introduzido por Deming, surge a partir da necessidade de aprendizado e melhoria de um produto ou processo, essa ferramenta veio complementar o que já existia no PDCA, pois ela propõe que seja feito um processo de estudo em pequena escala com o objetivo de desenvolver o aprendizado e a geração de um novo conhecimento.

A minha dica para recém-formados e até profissionais de Engenharia de carreiras mais desenvolvidas é desenvolver plenamente essas habilidades iniciais. Poucas pessoas vão conseguir aprender se não tiverem treino, por mais que tenham visto os conteúdos criados a partir deste método na época da graduação. Mas, se falarmos para a pessoa aplicar, de fato, um PDCA, PDSA, com template certo, treinar esta aplicação, é possível desenvolver uma maneira de pensar, uma habilidade com método científico de pensar resolução de problemas e a parte crítica.

 

Na experiência que vocês têm nesse projeto que começou em 2016, como vocês percebem as mudanças do mercado de trabalho em relação aos profissionais de engenharia?

Desde a época que entrei em Engenharia, em 2006, acredito que o foco dos cargos tenha mudado bastante. Acho que antes, a gente entrava na faculdade, aprendia sozinho, lia, aprendia mais um pouco. As pessoas estavam acostumadas a uma rotina, com atividades e horários definidos, que vinha de 20, 30 anos, na qual executavam todo dia.

 

A partir do momento que você tem que mudar as técnicas, os fornecedores, fazer mais com menos e ser mais produtivo, que são as exigências existentes hoje, se você não tiver essa habilidade para conseguir aprender coisas novas, para conseguir lidar com dados, entender como funcionam as bases de dados e entender como funciona a estatística, essa visão crítica, método científico, você não vai conseguir se dar bem no mercado. Bem, pode até se dar, porque tem empresas paradas no tempo; mas se você está falando de empresas de fronteira, que pagam melhor e que têm carreiras mais desenvolvidas, dificilmente vai conseguir ser aproveitado.

 

Esse aprendizado de vida inteira, que era "eu estudei 20 anos, trabalhei 20 anos e aposentei", hoje mudou completamente. Como disse Domenico De Masi, no livro "O ócio criativo", além de outras obras de inovação de sua autoria, não tem mais essa divisão clara de trabalho, lazer e estudo. Você tem que aprender a aprender. Com as mudanças que temos hoje, num mundo bastante volátil, essa habilidade do engenheiro, de aprender a aprender, é o que vai ficar. Essa questão de executar uma tarefa mil vezes igual não existe mais.

 

Do exercício profissional da engenharia mais tradicional, com até um protagonismo maior da engenharia civil, até os tempos atuais, como você percebe a evolução do profissional?

A minha percepção, do profissional de engenharia mais tradicional, é que ele mesmo está mudando. Acho que o engenheiro bom está evoluindo. Mesmo na engenharia civil – como meu pai é engenheiro civil, a gente dialoga bastante –, questão de obra, dá para perceber que mesmo ele, que já vê uma questão de "puxa, isso a gente usava no meu tempo, mas hoje não sei como está”, ele brinca. A gente olha o custo, por exemplo, o que mudou hoje é que há simulações, sistemas de software para poder fazer o cálculo estrutural dos prédios, por exemplo. Em termos de materiais utilizados, a velocidade com que tudo é feito, dá para ver que mudou. Por mais que seja uma engenharia um pouco mais tradicional, ainda tem muito campo para essa parte, mas as inovações estão acontecendo.

 

As outras [modalidades], o que mantêm atual da engenharia é o que falei: "aprender a aprender"; ainda é muito válido saber as leis fundamentais da conservação de movimento, conservação de massa e energia. Também é imprescindível entender como funciona análise de dados, Matemática, Estatística. Essas coisas não mudam; não mudaram em centenas de anos, acho que não vai mudar daqui para a frente. Porque você parte delas para conhecer as coisas novas e conseguir aplicar. Acho que cada vez mais vai ser demandada do profissional essa capacidade de análise crítica, de saber aprender.

 

As habilidades do engenheiro permanecem, só que as aplicações mudam muito. O engenheiro tem que estar seguro do que está fazendo e entendendo o porquê.

 

Por fim, quem é a FM2S?

Somos considerada empresa-filha da Unicamp, pois “nascemos” de lá. Nós oferecemos cursos e treinamentos nas áreas de Gestão de Processos e Projetos, Visualização de Dados, Carreira & Liderança, Lean e Lean Six Sigma (do White Belt ao Master Black Belt). Todos com certificação – para os Six Sigma, é a do The Council for Six Sigma Certification.

 

Nosso time é formado por profissionais da USP [Universidade de São Paulo], Unicamp e UFSCar [Universidade Federal de São Carlos] –, e a maioria tem mestrado e doutorado. Com ampla vivência em multinacionais, soma mais de R$ 650 milhões de ganhos em projetos. Somos hoje uma empresa que ultrapassa o patamar de 200 mil alunos e estamos muito felizes com esse número. Com isso, impactamos mais de 5 mil empresas no Brasil. Garanto que cada um desses alunos que estão nessas empresas estão colocando conhecimento em prática, desenvolvendo suas habilidades, e melhorando a produtividade. Conseguimos aumentar de 10 a 15% do trabalho de uma pessoa; 200 mil pessoas trabalhando, 5 mil empresas impactadas, estamos conseguindo fazer um pouco mais sobre a questão da produtividade brasileira, que é tão complicada.

 

Um número interessante: de 1994 para cá, a produtividade brasileira cresceu 20% - um número que nos deixou para trás da maioria dos países, desenvolvidos e em desenvolvimento. Então, quando olhamos que estamos conseguindo colocar, como diria um professor meu, o nosso ‘tijolinho’ nesse muro da produtividade global, ficamos muito animados. Não vamos, claro, conseguir construir o muro, mas a gente sonha em impactar, em breve, um milhão de profissionais. E aí seguir para chegar na marca de 10 milhões, garantindo que as pessoas que estejam na ponta vão desenvolver as habilidades necessárias para construir um país muito melhor. E em outros locais do mundo também; estamos expandindo para outros países, então é interessante ver como conseguimos colocar conhecimento em prática, e esse conhecimento gerar resultados para as pessoas, para melhorar os salários, para os trabalhos serem mais produtivos e as pessoas terem mais condições. Esse é um pouco do papel da FM2S.

 

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