Soraya Misleh/Comunicação SEESP
Fotos: Beatriz Arruda
Após uma abertura bastante representativa, com a presença inclusive do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, a tarde desta segunda-feira (6/3) foi dedicada à apresentação de síntese das notas técnicas escritas pelos consultores do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, seguida de debate com o público.
Sob o mote “Hora de avançar – Propostas para uma nação soberana, próspera e com justiça social”, a 10ª. edição da iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), que conta com o apoio dos seus 18 sindicatos filiados, entre os quais o SEESP, foi lançada no auditório dessa última entidade, na Capital, ao longo do dia.
A mediação coube a Fernando Palmezan, coordenador do “Cresce Brasil”. Ele salientou a necessidade de o País contar com pessoal técnico, refletida na iniciativa ora lançada, apresentando propostas factíveis à retomada do desenvolvimento nacional sustentável ao encontro das demandas mais sentidas na atualidade.
Assim, a publicação aborda os temas ciência, tecnologia e inovação; reindustrialização; agropecuária; energia; mobilidade; engenharia de manutenção; ensino de engenharia; habitação e desenvolvimento urbano. Os autores das notas técnicas sobre estes últimos temas – José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC); e Reinaldo Iapequino, ex-secretário executivo da Habitação do Estado de São Paulo; não puderam comparecer.
Confira aqui a nova edição do “Cresce Brasil”
Reindustrialização
Autor da nota técnica “Reindustrialização ou a nova industrialização”, o engenheiro Carlos Monte traçou histórico do processo de industrialização no País, cuja fase áurea se deu entre as décadas de 1930 e 1980 – o que alçou o Brasil a uma das dez maiores economias do mundo –, até sua “decadência gradual”, vindo a ser superado por países bem mais atrasados como Coreia do Sul, Indonésia, Índia e China. Entre os fatores para tanto, ele mencionou taxas de câmbio irrealistas e juros elevados – os quais “contribuíram para o crescimento do rentismo”.
Coordenador técnico do “Cresce Brasil”, projeto do qual participa desde seu início em 2006, ele enfatizou a importância do tema em questão: “Industrialização é o principal motor da economia, ocupa pessoas que tem maiores salários, contribui para o crescimento do PIB”.
Carlos Monte destacou as estratégias para reverter o quadro atual, que contemplam dois segmentos distintos: alta tecnologia, com prioridade aos complexos industriais de defesa, saúde, agronegócio, energia e telecomunicações, com produção de sistemas inteligentes; e a recuperação de áreas consolidadas como construção civil, saneamento, alimentos, metalomecânica e papel e celulose. Ele mencionou ainda materiais hospitalares e defensivos agrícolas.
Quanto aos últimos, afirmou: “O Brasil produz no máximo 20% do que precisa. A Petrobras estava vendendo fábrica de fertilizantes nitrogenados em Três Lagoas [MS] para empresa russa, o governo impediu esse processo, e a produção vai ser retomada assim que possível.”
Para uma nova industrialização ou reindustrialização, propugnou a necessidade de “reforma tributária adequada”. Na sua análise, os altos impostos penalizam o setor. “É preciso retomar o domínio brasileiro sobre nossos bens, valores, insumos, e isso depende de política governamental.”
Hélice tríplice
Esse retrocesso já tem mais de duas décadas, como apontou o professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e diretor do centro de inovação da instituição InovaUSP, também engenheiro Marcelo Knörich Zuffo. “Há um déficit na área eletrônica de R$ 250 bilhões. Entregar a indústria para o modelo liberal no processo democrático resultou nessa catástrofe hoje.”
Apresentando a nota técnica de sua autoria, intitulada “Investimentos em PD&I: fazer a hélice tríplice girar mais rápido”, ele defende que o País invista em setores de alto valor agregado, como o de semicondutores, além de fármacos e vacinas. “Há grandes oportunidades, a cidade de São Paulo é a 16ª. mais inovadora do mundo. Temos demanda”, vaticinou.
Conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicados por Zuffo, a cada engenheiro contratado são gerados dez a 20 empregos diretos. E quem garante isso, com valor agregado, é a indústria. “Após a Intel se mudar para a Costa Rica, seu IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] superou o do Brasil.”
Ele concluiu: “É preciso fortalecer as cadeias de inovação, focando nesse ecossistema no modelo hélice tríplice [em que universidades, indústria e governo interagem para promover o desenvolvimento] em setores estratégicos como o de semicondutores, o que é o grande desafio.” Apostando que esse é o futuro, Zuffo observa que “quando o Brasil descobrir como usar chip para salvar a Amazônia será uma potência” nesse segmento.
Além disso, a inovação tecnológica deve também estar voltada ao agronegócio e à indústria da energia, dadas as vantagens naturais do País para liderar mundialmente a transição energética para renováveis. “A costa brasileira tem potencial eólico de 21 Itaipus.”
Setor energético
A professora da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarice Ferraz observou que o processo de “neoindustrialização se dará em tempos de descarbonização”. Nessa direção, pontuou: “A natureza do setor agora é outra, tem que se adaptar, e nesse mundo em transformação de profunda incerteza, elemento essencial é o papel do Estado.”
Ferraz, que é diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), apresentou a nota técnica de sua autoria intitulada “Desafios na reestruturação do setor energético brasileiro”.
Ela ressaltou que, em meio ao que denominou “crise ecológica”, o País é chamado a liderar o processo de transição energética mundial, mas que o processo de produção eólica e solar nem sempre leva à descarbonização. “Não basta expandir em renováveis, precisa de armazenamento.”
Além disso, como indicado na nota, deve-se incluir um amplo programa de eficiência energética e geração limpa. A proposta, portanto, é pensar a transição levando-se em conta a requalificação do trabalho e a crucial soberania nacional.
“O mundo vive uma corrida tecnológica, e a joia do Brasil é o sistema interligado nacional. “Olhar para o setor como um sistema com capacidade de coordenação é o que vai permitir avançar nessa agenda”, aposta. Ponto fundamental ainda, como propugnou, é rever a privatização da Eletrobras, que deve desestruturar toda a cadeia a sua volta no setor elétrico.
Agricultura sustentável
“O que se busca hoje é uma visão moderna de progresso e desenvolvimento, que leve em conta os aspectos social, ambiental e de capital humano.” Assim o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), engenheiro Paulo Estevão Cruvinel, iniciou a apresentação de sua nota técnica “Produção sustentável e com valor agregado”.
Sob essa ótica, defende um conjunto de projetos estruturantes para as próximas décadas visando uma agricultura sustentável, em atendimento à sociedade e considerando as assimetrias mundiais.
“Países onde a população mais cresce são os que menos podem produzir alimentos. E a projeção é de mais de 10 bilhões de pessoas para 2050 [no planeta]. A maior parte da biodiversidade mundial está estruturada nos trópicos. O Brasil detém praticamente 2/3. Portanto, um processo alicerçado no desenvolvimento local e regional é importante, balizado na realidade mundial”, detalhou.
As bases para tanto, informou Cruvinel, são os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e os paradigmas ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês). Nesse sentido, é preciso, frisou, “integrar o etnoconhecimento ao estado da arte da agricultura e da ciência”, orientando política pública que atenda a diversidade nacional.
Isso deve ser levado, conforme o pesquisador da Embrapa, à cadeia de valor da agropecuária. “No Brasil há quase 4 milhões de pequenos produtores que precisam ser incluídos nesse processo, que precisa ser olhado na relação rural-urbano, a qual deve ser rediscutida, construindo-se pontes. Trinta e sete por cento dos empregos estão na área da agricultura.”
Os projetos estruturantes para se alcançar sustentabilidade no segmento têm, segundo Cruvinel, como “pano de fundo a agregação de valor”.
Cidades
Coube ao engenheiro Marco Aurélio Cabral Pinto, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), falar sobre outro tema fundamental: a questão da urbanização acelerada no País e seus impactos. Autor da nota técnica “Engenharia nas cidades para melhorar a vida da população”, ele lembrou que nos anos 1970 o País contava 90 milhões e habitantes, dos quais 50% na zona urbana; hoje são 210 milhões, 85% dos quais nas cidades.
A desigualdade social é uma consequência desse processo, agravado pelo processo de desindustrialização e destruição de empregos. Conforme enfatizou, municípios pequenos, a partir de 50 mil habitantes, já contam contingente de miseráveis.
A engenharia brasileira deve ser chamada a assumir seu protagonismo. Afinal, como lembrou, fez obras incríveis, garantindo “saída para o Pacífico e construção de mais uma etapa do projeto de energia nuclear”.
Ele continuou: “Nas cidades há um núcleo próspero que abriga a maioria branca que tem os serviços de melhor qualidade. As pessoas estão convivendo de maneira muito próxima com a miséria desagregadora. O ‘Cresce Brasil’ de hoje é o que podemos fazer hoje: investir em infraestrutura com vistas a levar melhor serviços públicos. Abandonar o sonho de sua universalização é abandonar um projeto para o Brasil.”
Ao lado de investimentos na ampliação da infraestrutura em áreas essenciais, em sua nota técnica, Cabral Pinto retoma a proposta da FNE de se instituir Engenharia de Manutenção nas administrações públicas, com dotação orçamentária e quadro técnico próprio, para evitar a deterioração dos equipamentos públicos e das cidades.
Mobilidade urbana
Os temas incluídos no “Cresce Brasil” imbricam-se com a mobilidade urbana, na visão de Jurandir Fernandes. Coordenador do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do Conselho Tecnológico do SEESP, ele comentou sobre a nota técnica de autoria desse grupo. Um dos exemplos é quanto à questão das mudanças climáticas e a eletrificação da frota de transporte coletivo.
Ademais, informou: “Sofremos com a queda de passageiros há duas décadas. Já temos alguns diagnósticos. Há mudanças tecnológicas substanciais e de comportamento. Além de investimentos, Fernandes trouxe a proposta de projetos urbanos integrados, aproximando a moradia do trabalho, estudo, comércio e lazer.
Aliada a isso, a digitalização dos serviços públicos “para que a população tenha menos necessidade de se deslocar”.
Fernandes concluiu: “Somos otimistas. Devemos abraçar a causa da ação conjunta, levar adiante e fazer.”
Educação
“Um projeto para a formação de engenheiros” é o tema da nota técnica de autoria do professor da Poli/USP e coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, José Roberto Cardoso. Ele contou que ao falar para alunos que começam a graduação na área, sempre lhes informa que “o País tem um patrimônio que se chama engenharia”.
Entre os exemplos, mencionou a agropecuária bem sucedida e a tecnologia de extração de petróleo em águas profundas, além das aeronaves. “Há mais aviões brasileiros voando nos Estados Unidos do que americanos”, orgulha-se.
Não obstante, Cardoso lamentou: “Esse patrimônio está sendo dilapidado, não estamos estimulando esse protagonismo. No sistema de ensino são oferecidas mais de 2 milhões de vagas, e há em torno de 1,8 milhão de inscritos. Em 2017 eram 1,4 milhão de estudantes, em 2022, menos de 800 mil. Perdemos em mais de 40% o interesse dos jovens nas engenharias.”
O professor da Poli/USP criticou o fato de a estrutura curricular ser “muito cristalizada”, e a escola de engenharia não fornecer a visão que antecede o processo produtivo, a partir da extração dos materiais, que vêm de “uma mina, uma floresta ou um poço de petróleo”. Isso tem impactos socioambientais. Assim, vaticinou: “A escola deve encarar esse desafio, o que não é fácil.”
Ele também observou que a partir dos anos 1950 a quantidade de teoria passou a superar a prática, outra mudança que propõe. “Parece que as escolas estão formando engenheiros para concorrer a doutorado, não para o mercado”, ilustrou.
Além da necessidade dessas revisões no sistema de ensino, Cardoso explicou que as Novas Diretrizes Curriculares dão ênfase ao desenvolvimento de competências, tais como saber se comunicar e trabalhar em equipe, aproximando a engenharia das humanidades. Também é preciso formar profissionais da área “com visão sistêmica, com capacidade de aceitar a interdisciplinaridade. “Precisamos impactar a sociedade com nosso trabalho. Dos 17 ODS, 13 precisam de engenharia para se atingir a meta.”
Ele sintetizou: “Precisamos do ‘Cresce Brasil’ funcionando, a gente que vai colocar o País no seu devido lugar.” Simultaneamente, recuperando o protagonismo e valorização da engenharia nacional.
Confira a apresentação dos consultores da nova edição do “Cresce Brasil” na íntegra: