Renato Vargas*
Muitas pessoas reclamam a ausência de grandes cientistas, inventores e empreendedores brasileiros no panteão dos "heróis nacionais". Na verdade, eles existiram, alguns poucos foram reconhecidos em sua comunidade, mas em sua imensa maioria foram esquecidos porque eram parte de um contexto adverso e permaneceram distante do conhecimento público.
Isto porque a tecnologia nacional sempre foi envolta em um mar de contradições, jamais ocupou uma posição de destaque nas políticas governamentais e, historicamente, estabeleceu uma relação complexa com a sociedade.
Embora tenham sido realizados estudos profundos e criadas obras relevantes para recuperar detalhes desta história da tecnologia nacional, ainda há muito a ser descoberto. Por exemplo, apesar de o empreendedorismo na área tecnológica seja uma onda mundial e encontre um espaço generoso na mídia, ainda não conseguiu estabelecer as condições mínimas para se consolidar como uma possibilidade real na economia nacional do Brasil, e por isso, ostenta uma posição constrangedora no ranking de países inovadores. Na realidade, por incrível que pareça, nos últimos anos entrou na contracorrente da tendência mundial e retomou uma linha de reprimarização de sua economia para seguir a sua "vocação agrícola".
As explicações para estes fatos se multiplicam, mas o nível de discussão dos setores envolvidos ainda não recolheu os subsídios necessários para um diagnóstico preciso. Certamente, a abordagem histórica deve ser contemplada neste trabalho, sob pena de ficarmos permanentemente dependentes de discussões superficiais e inconsequentes.
Por exemplo, podemos recuperar os tempos coloniais, quando se formou um caldo de cultura de diversas raças, com matiz católica, em que os portugueses compareceram com sua abordagem prático-imediatista, pouco afeita aos empreendimentos de médio e longo prazo. Depois trazer para o século XIX, quando ficou evidente a falta de compromisso com o ensino e o desenvolvimento tecnológico, o que apenas se reforçou durante o século XX na ausência de políticas de ciência e tecnologia dos governos que se sucederam, com alguns hiatos é verdade. Este contexto é complementado pelo perfil empresarial refratário à pesquisa e a ações de médio e longo prazo e as antigas questões da universidade relativas ao melhor modelo de interação com a área produtiva.
Mas, para conectar estas informações em um processo histórico e dialético precisamos de especialistas gabaritados.
A entrevista desta semana no programa web Engenharia em Perspectiva é com o Dr. Francisco Queiroz, professor em história da ciência, tecnologia e economia que fala sobre estas características culturais que freiam o avanço tecnológico do Brasil. Para tanto, utiliza uma abordagem muito interessante, apoiada no resgate de dois personagens muito pouco conhecidos da sociedade brasileira.
O padre gaúcho Roberto Landell de Moura fez a primeira transmissão por ondas de rádio ainda no final do século XIX entre o bairro Santana e a av. Paulista, em São Paulo, e apenas muitas décadas depois foi reconhecido em alguns setores especializados como o "pai do wireless". Aliás, ele fez esta transmissão alguns anos antes de Marconi, que é ainda considerado mundialmente como o inventor desta tecnologia. Um traço da cultura nacional ficou marcada neste empreendimento da seguinte forma: Marconi ganhou o prêmio Nobel e Landell de Moura teve o seu laboratório destruído porque "escutava vozes do além".
Sinhá Moreira idealizou e criou uma escola de eletrônica nos anos 40 que deu origem a um polo de tecnologia improvável em Santa Rita do Sapucaí (MG). Sob circunstâncias de muitas dificuldades, Luzia Moreira exibia as qualidades do verdadeiro empreendedor, por um lado, mas, diferentemente de Landell de Moura, possuía contatos políticos e relações de parentesco com pessoas importantes da República que foram fundamentais para consolidar a sua ideia.
São acontecimentos pontuais, mas que lançados à luz da história resgatam elementos da cultura nacional necessários para entender a evolução da tecnologia no Brasil, sem os quais não é possível propor qualquer iniciativa no setor tecnológico nacional.
*Engenheiro e apresentador do programa Engenharia em Perspectiva.