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15/08/2023

Da agricultura de precisão à IA e robótica, engenheiro agrícola está na vanguarda da inovação

Soraya Misleh/Comunicação SEESP

 

Robôs que plantam e colhem flores e frutos não são mais ficção científica, mas a tendência no campo brasileiro, graças a um profissional para o qual inovação é marca: o engenheiro agrícola. Seu trabalho levou a um salto nos últimos dez anos: sistemas de inteligência artificial e robótica embutidos em agricultura de precisão são hoje realidade em máquinas e equipamentos que permitem soluções otimizadas e sustentáveis no campo.

 

As informações são do coordenador de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Feagri-Unicamp), Daniel Albiero. Professor e pesquisador de projetos de máquinas e robótica agrícola, ele está entre os 3.284 engenheiros agrícolas registrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Deste universo, 731 são mulheres.

 

Projeto piloto do robô colaborativo que planta flores, apelidado de "Eva". Foto: Divulgação

 

Conforme o Mapa da Profissão, elaborado pela área de Oportunidades na Engenharia do SEESP, suas habilitações e competências garantem que atue na “aplicação de conhecimentos tecnológicos para a solução de problemas relacionados à produção agrícola, envolvendo energia, transporte, sistemas estruturais e equipamentos, nas áreas de solos e águas, construções para fins rurais, eletrificação, máquinas e implementos agrícolas, processamento e armazenamento de produtos agrícolas, controle da poluição em meio rural, seus serviços afins e correlatos”.

 

Formado em 2001, mestre e doutor na área, Albiero está à frente de, segundo suas palavras, “mais de 70 máquinas e sistemas de energia projetados, dimensionados, alguns licenciados, alguns desenvolvidos, alguns só no papel”. Destacando, entre esses trabalhos, uma máquina robótica de colheita multifuncional de hortícolas, apresenta ao Brasil também o projeto piloto de um robô colaborativo que planta flores.

 

Professor Daniel Albiero: muita inovação e oportunidades para o engenheiro agrícola. Foto: Acervo pessoal

 

Nesta entrevista, ele, que é conselheiro do Crea-SP, conta um pouco de sua trajetória, fala sobre a profissão e essas inovações, bem como perspectivas no mercado de trabalho. Também dá dicas ao engenheiro agrícola e orientações para o jovem que pensa optar por essa carreira. Confira.

 

O que o levou a escolher a profissão de engenheiro agrícola?

O principal motivo de eu ter escolhido a engenharia agrícola como profissão foi que sempre gostei de máquinas agrícolas. Sou filho de um agricultor familiar, meu pai tem 30 hectares de terra em Capivari, São Paulo, e planta cana, que, para o pequeno, médio e grande, é uma cultura muito mecanizada. Então desde que me conheço por gente eu tenho contato com tratores, e gosto de tratores, de arados, de colhedoras. Descobri que existe a profissão para projeto e desenvolvimento de máquinas, e é a engenharia agrícola.

 

Conte sobre sua trajetória profissional até os dias atuais.

Depois de fazer dois anos de Física, em 1997 entrei na graduação na Unicamp e me formei em 2001. Nesse ano arranjei um emprego numa revenda da John Deere no Mato Grosso, como engenheiro de assistência técnica de máquinas agrícolas, focado mais para a cultura de grãos, algodão, soja, girassol. Aprendi muito com as colhedoras John Deere, era um engenheiro que consertava e regulava as máquinas. Em 2003 voltei para a Unicamp para ampliar meus horizontes. Entrei no mestrado e fiz na área de projetos de máquinas agrícolas com o saudoso professor Cheu-Shang Chang. Terminei em 2006 e engatei de cara um doutorado, quando participei de um projeto muito interessante de desenvolvimento de uma colhedora de uvas com uma joint-venture Brasil-Alemanha. Fiquei quase um ano na Alemanha. Quando terminei esse projeto, concluí o doutorado, no ano de 2010. Passei a atuar com consultoria agrícola, até passar num concurso na Universidade Federal do Ceará [UFC], na área de projetos de máquinas e mecanização. Fiquei lá oito anos trabalhando, onde inclusive fui coordenador de pós-graduação em engenharia agrícola. Foi um momento muito feliz da minha carreira, fiz muito networking, aprendi muito, eu adoro o Ceará e o cearense. Já era pesquisador de produtividade do CNpQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e tinha uma longa carreira quando apareceu a oportunidade de voltar para a Unicamp, onde estou desde 2018. Sou professor de projeto de máquinas e robótica agrícola, área na qual estou me dedicando na pesquisa, que é a tendência. Percebi isso em 2013, lá no Ceará, que o caminho da mecanização, das máquinas, era robótica. Faz pelo menos dez anos que estudo robótica agrícola e faz cinco, seis anos que estou na Unicamp. Nesse período fui coordenador de extensão da Feagri-Unicamp e hoje sou coordenador de pós-graduação em engenharia agrícola. Não posso deixar de citar que fui conselheiro de 2013 a 2016 e representante no Crea-CE do curso de agronomia por três anos. e este ano fui indicado para ser o representante do curso de Engenharia Agrícola da Unicamp no Crea-SP, em que também sou conselheiro (de 2023 a 2026).

 

Quais as áreas de atuação para o engenheiro agrícola?

O engenheiro agrícola é um profissional multidisciplinar e transdisciplinar. Além de toda a formação básica em engenharia, tem a parte específica, aplicada para o agronegócio, para agricultura, irrigação, projeto de máquinas agrícolas, sistemas de geoprocessamento, gestão, logística agrícola, robótica, manejo de solos, inteligência artificial, agricultura de precisão. Com essa base de conhecimentos, o engenheiro agrícola pode trabalhar desde em uma indústria de máquinas agrícolas, desenvolver projetos de tratores, até em bancos, onde vai analisar projetos e custeio de um pivô central. O espectro dele vai desde uma análise logística de um talhão de cana para levar a uma usina até uma análise multimodal logística pra levar soja do Mato Grosso ao Porto de Santos, que envolve navios, caminhões, trens. Tudo isso requer auxílio técnico do engenheiro agrícola, é muito amplo, muito aberto. Nesse contexto, temos cinco grandes áreas onde podemos atuar, com essa visão multi e transdisciplinar das engenharias: máquinas agrícolas, recursos naturais, gestão, construções rurais e pós-colheita, armazenagem, que são secadores, os sistemas que fazem pré e pós-processamento do produto agrícola. Gosto muito de falar que o engenheiro agrícola é o engenheiro do agronegócio.

 

Como está o mercado de trabalho para o profissional hoje e quais as perspectivas?

Na nossa área do agro, abrangendo florestal, agronomia, agrícola, o mercado está aquecido há pelo menos dez anos. Não tem problema de emprego para bons profissionais. Para um estudante de engenharia agrícola que se dedicou, fez estágios, fez uma iniciação cientifica, foi um bom aluno, não falta emprego, aliás, está faltando essa mão de obra para o agro. Digo isso com conhecimento de causa, porque sou professor de uma disciplina que eu gosto muito que é projeto de máquinas agrícolas. Essa é a última disciplina das cadeias curriculares, os estudantes a apelidaram de disciplina trunfo, porque se passar essa matéria, é terminar estágio e ir para a colação de grau. As turmas têm em média 50, 60 alunos e sempre pergunto na primeira aula quem está fazendo estágio remunerado. Oitenta por cento estão. Pergunto ainda: “Quem de vocês que estão com estágio remunerado já está efetivado? Cinquenta por cento. Metade da turma já está empregada antes de se formar. Imagine o quanto está aquecido, para todos os ramos, de máquinas agrícolas, bancos, consultorias agrícolas, a parte de geoprocessamento, inteligência artificial, pós-colheita, gestão, logística.

 

Quais os impactos do trabalho do engenheiro agrícola nas empresas e sociedade?

Sempre vai ter o impacto de uma visão inovadora em relação àqueles objetivos da empresa e da sociedade. Tem um corpo de conhecimentos técnicos científicos que o engenheiro agrícola domina multidisciplinarmente e ele consegue integrar. A partir daí, consegue ter uma solução otimizada, tanto em termos técnicos como econômicos e ambientais.

 

Quais as inovações em engenharia agrícola nos últimos dez anos?

A agricultura de precisão, em que quanto mais conhecimento de um sistema, menor seu gasto energético, chegou ao seu auge há dez anos. De lá para cá houve uma fusão muito grande das tecnologias da informação e comunicação, as TICs, e tiveram início os sistemas de inteligência artificial aplicados, de forma concreta, na agricultura. E daí a gente pode dizer que começou a surgir de dez anos para cá a digitalização da agricultura, a famosa agricultura 4.0. Aliás, esse é um termo recente, veio a reboque da indústria 4.0, cuja origem é 2013, uma inovação brutal na indústria, com todos os sistemas conectados, IoT [internet das coisas] etc.. Artigo que publiquei na revista científica Ciência Agronômica sobre terminologia da agricultura 4.0 mostra que agricultura digital, que é a fusão da agricultura de precisão com as TICs, os sistemas mecatrônicos, de inteligência artificial, os big datas, é muito recente. Pesquisa até tinha antes, mas deixar concreto, com apps, com equipamentos, não tem dez anos. E essa galera das startups, inclusive da Unicamp, está mandando bala, fazendo aplicativos, IoTs, georreferenciamento, tudo online, real time. São as inovações da onda. Eu, por exemplo, estou na robótica agrícola que já é uma realidade comercial na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, e no Brasil está começando a ser.

 

Poderia destacar seus trabalhos de pesquisa?

Tenho mais de 70 máquinas e sistemas de energia projetados, dimensionados, alguns licenciados, alguns desenvolvidos, alguns só no papel. Também trabalhei muito com energia solar e eólica no Ceará, biomassa, biogás. Na atualidade seria robótica agrícola, meu foco de pesquisa. Inclusive teve uma repercussão muito legal, fizemos um sucesso muito grande na Feira da Horticultura e Fruticultura em Holambra neste ano de 2023 com nosso robô plantador de flores que apelidamos de Eva. É uma parceria entre a Unicamp e a empresa Bioplugs com o apoio da ABB, a maior fabricante de robôs colaborativos do mundo. A Bioplugs é uma das maiores produtoras de flores Sun Patiens do mundo e percebeu que precisava automatizar seus sistemas devido à falta de mao de obra para plantar as mudas. E nós entramos com o desenvolvimento de um sistema de visão computacional e de algoritmos de controle e uma ferramenta terminal específica para plantar Sun Patiens, que são uma flor conhecida vulgarmente como beijo. Nosso robô planta flores, é fantástico, é bonito, aplicado. Não tem mais a mão de obra disponível no agronegócio para isso, se quiser arranjar uma pessoa para fazer esse trabalho braçal é difícil, hoje é tudo mecanizado. As pessoas que estavam disponíveis não estão mais, preferem fazer algum empreendimento na cidade, não querem ficar mais na roça carpindo cana, plantando flor na estufa, isso está indo para as máquinas e para a robótica. Este é um destaque muito legal, está no projeto piloto e acho que até o final deste ano teremos a maquininha já operacional, só a estamos otimizando agora.

 

Quais as suas dicas de aprimoramento profissional?

Tem que conhecer um mínimo de programação de computador, mínimo de inteligência artificial e de robótica, tem que estar por dentro da onda, totalmente embutido na agricultura de precisão, que hoje é pré-requisito. Ou você conhece agricultura de precisão ou está fora do mercado na engenharia agrícola. Tem que se antenar para essas novidades que estão entrando, principalmente inteligência artificial e eletroeletrônica dos robôs.

 

Qual o projeto de maior destaque que participou?

Prefiro falar do maior projeto que eu coordenei, de desenvolvimento de uma máquina robótica de colheita multifuncional de hortícolas, que teve grande repercussão, tanto nacional quanto internacional. Era um trator de esteira para grandes produtores que tinha embutidos três robôs, um que cortava, um que coletava e um que elevava a hortícola. Daí esse material chegava numa esteira onde pessoas pegavam as hortícolas, alface, cenoura, rúcula, cebolinha, e colocavam numas caixas, e então outras carregavam caminhões com os produtos. Por ser robótica, bastava mudar a ferramenta multifuncional e colher o que quisesse. Foi desenvolvido na UFC, tinha o pessoal da engenharia mecânica, elétrica, de computação, todo mundo na equipe e eu coordenando. Aprovamos o projeto junto ao InovaAgro de R$ 6 milhões de reais em 2013 do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Foi fantástico, licenciamos a máquina para a empresa Jumil, que ia desenvolver a linha de produção e íamos instalar um laboratório de realidade virtual no Ceará. Mas olha que coisa curiosa: eu tenho tanto projeto desenvolvido, executado e robôs, sistemas de energia e maquininhas funcionando, que o de maior destaque, licenciado, com dinheiro do BNDES, não saiu do papel, porque logo em seguida teve aquele turbilhão político e econômico, e a Jumil não pôde dar a contrapartida financeira para a UFC, exigida pelo BNDES. Abortamos o projeto, mas foi muito legal, muito bonito. Ele ainda está de pé, a patente foi depositada em 2013-2014 e saiu em 2022. A Jumil já desistiu, mas quem sabe uma empresa se interessa em desenvolver essa colhedora robótica de hortícolas.

 

Robô colaborativo que planta flores. Foto: Divulgação

 

Como funciona a robótica aplicada à engenharia agrícola?

Dou uma disciplina na graduação que é “Introdução à robótica agrícola”. Na primeira aula eu defino robótica: é todo sistema automático que tem capacidade de tomar decisão. Na engenharia agrícola, é aplicado para os processos agrícolas, por exemplo, plantar uma flor. São os tratores robóticos que, se tiver um buraco tatu no meio, param, decidem se passam ou se desviam. Num sistema de armazenagem, num silo, num armazém, um carregador específico toma a decisão se vai colocar num lugar ou no outro, se vai parar. Na engenharia agrícola, desde o trator até os sistemas de pós-colheita, de controle e secagem, de irrigação, as possibilidades são extremamente amplas, e cada dia aparecem novas requisições e mais desafios para a gente resolver com a robótica agrícola. É um momento interessante da mecanização.

 

Quais as dicas para os jovens que querem seguir a profissão?

Primeira coisa, tem que ser uma pessoa muito curiosa. O perfil do jovem que quer fazer engenharia agrícola é de alguém antenado nas novas tecnologias. Tem que saber como funciona o ChatGPT, por exemplo, cujos algoritmos já têm mais de dez anos, só que agora ficou famoso. O engenheiro agrícola é da física e da matemática, é do projeto de máquina, do sistema de secagem. Tem a parte do geoprocessamento, trabalhar nos satélites e ver essas imagens que geram os mapas de produtividade, de praga. Aí tem um sistema robótico, passa um drone voando e ele sabe pelos mapas que vieram do satélite onde vai aplicar e onde não vai o produto químico. Tem que ser ligado nessas coisas. Tem que ser uma pessoa que queira inovar. Se não gostar de eletrônica, se odiar computador, nunca pensar que um dia vai fazer uma programação, se não imaginar que vai ter que lidar com inteligências artificiais, com sistemas automáticos, não pode vir para a engenharia agrícola. Agora, se gosta disso, daí a profissão desse jovem é engenharia agrícola. E se entrar na Feagri-Unicamp vai ser meu aluno, e vou dar aula com muito prazer para toda essa juventude, esse sangue bom que está entrando com esse novo ímpeto para a inovação.

 

 

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