Carlos Magno Corrêa Dias*
O suicídio, uma ocorrência complexa e influenciada por fatores de difícil controle, sempre ocorreu na humanidade; mas, nos tempos atuais, vem se avolumando em quantidades assustadoras que seguem crescendo a cada novo ano.
A palavra “suicídio” tem raiz no latim sendo a conexão dos termos “sui” (si mesmo) e “caederes” (ação de matar) significando, então, o ato de consumir intencionalmente a própria vida.
Sendo uma ação voluntária (intencional) na qual um ser humano impõe a própria morte, o suicídio ocorre por motivações das mais diversas, tais como: grande sofrimento, excessivo grau de aflição, grande medo, agonia, angústia, ansiedade ou depressão; as quais tanto podem ser os determinantes responsáveis pelo ato em si do suicídio quanto têm origem em determinado transtorno psiquiátrico que leva ao suicídio ou às tentativas frustradas de suicídio.
Seja como for, a prevenção do suicídio é possível e é o meio pelo qual inúmeras vidas podem ser salvas. Então, falar mais sobre o suicídio é uma necessidade atual.
Existem, por certo, muitos mitos e distintas questões sobre o suicídio que são deixadas de lado ou sequer são consideradas apenas por não se falar sobre o suicídio de forma explicita. Então, chamar discussões mais próximas sobre o suicídio é uma exigência atual para tanto se identificar os potenciais fatores de risco quanto para evidenciar ações efetivas de proteção associados a este que é um gravíssimo problema de saúde mundial o qual tem se ampliado com velocidade assustadora nos últimos anos em todas as partes do mundo.
Embora sejam elevados os índices de suicídios é sabido que o tema ainda é pouco tratado e de forma muito silenciosa discutido. Todavia, campanhas e mobilizações existem ao redor mundo para o esclarecimento sobre as diversas questões relacionadas com o suicídio tais como a importante campanha mundial Setembro Amarelo.
O Setembro Amarelo, hoje desenvolvida com apoio incondicional da Organização Mundial de Saúde (OMS), tem por um de seus principais objetivos a prevenção do suicídio para diminuir todo sofrimento causado quando uma pessoa tira a própria vida, principalmente, quando os motivos eram perfeitamente evitáveis.
A campanha se concentra, fortemente, também, em ações que pretendem a real redução do estigma correspondente uma vez que existe uma grande desaprovação por parte das pessoas que colocam o suicídio, frequentemente, na marginalização com acentuada valoração social negativa.
No Brasil, a partir de 2014, a campanha Setembro Amarelo passou a integrar o calendário nacional quando diversas parcerias público-privadas norteadas pela RSC (Responsabilidade Social Corporativa) passaram a engrossar as fileiras nas linhas de frente de prevenção deste terrível mal que é o suicídio seja na vida particular das pessoas seja no meio Industrial e Empresarial do Trabalho. Prevenir o suicídio é uma ação de sustentabilidade empreendedora.
Como um problema de saúde pública o suicídio está relacionado com a violência autoprovocada que envolve o comportamento suicida e a automutilação. No primeiro caso tem-se a ideação suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado; enquanto no segundo caso é observada a destruição ou alteração de partes do corpo sem intenção suicida consciente.
Os números crescentes dos casos de suicídios no mundo são preocupantes e demonstram uma triste realidade que vem assolando a vida de inúmeras famílias e gerando enormes e grandes prejuízos à sociedade. Embora as quantidades conhecidas sejam, em dada medida incertas, principalmente, em razão das subnotificações existentes, as pesquisas sinalizam que em torno de mais de um milhão e duzentos mil suicídios estejam ocorrendo por ano no planeta; valor que varia de um a dois por cento da população mundial de óbitos. Para se fazer uma comparação, somente em 2022 o número total de mortes no Brasil foi de 1.479.002 pessoas.
Conforme é demonstrado em estudos categóricos, o número de suicídios no mundo é a segunda causa de morte no planeta entre jovens de 15 a 29 anos (a primeira seria a violência). No Brasil o suicídio tem sido a quarta causa de morte nessa mesma faixa etária (violência e acidente de trânsito são as primeiras causas). Fala-se que o número de mortes por suicídio no mundo já supera (e em muito) os totais de óbitos por HIV, malária, câncer de mama e até mesmo por situações violentas, como guerras e homicídios.
Não se deve perder de vista, também, que quase 100% dos casos de suicídio informados estão associados a doenças mentais (sejam previamente notificadas ou não). O grande problema é ainda o subestimar os distúrbios cognitivos ou degenerações neurológicas tratadas incorretamente e que, também estão aumentando perigosamente e muita rapidamente nestes tempos de pós pandemia de Covid-19. Há consenso universal, entretanto, que o número de mortes por suicídio cairia muito drasticamente se o acesso aos tratamentos psiquiátricos neurológicos, fossem mais facilitados e houvesse, em associação, uma melhoria na qualidade de divulgação das informações sobre as doenças mentais.
No Brasil, em 2022, o número de suicídios cresceu 11,8% se comparado com os totais de 2021. Registrou-se 16.262 mortes por suicídio em 2022, dando uma média de 44 por dia óbitos o que, em termos proporcionais, caracterizou, na média, 9 suicídios por 100 mil habitantes; sendo que 12,6 a cada 100 mil homens morrem devido ao suicídio e 5,4 a cada 100 mil mulheres também. Assustador.
O suicídio constitui um fenômeno muito complexo e de difícil prevenção que pode afetar, de uma hora para outra, quaisquer pessoas de diferentes origens, classes sociais, sexos, culturas, idades, condições de vida. Não há quem possa estar totalmente livre desta doença. Há de se alertar, também, que além dos casos notificados, conhecidos, de mortes por suicídio, existe a (grave) questão que para cada suicídio consumado estima-se que de dez a vinte outras pessoas tentaram se matar sem sucesso.
Diversas são as questões não resolvidas que levam uma pessoa a decidir terminar com sua própria vida e estando neste quadro se pensa de forma dominante e constantemente apenas sobre o suicídio como única solução e fica incapacitada de perceber outras maneiras de enfrentar as dificuldades ou mesmo de eliminar os problemas que as transtornam. Todos os pensamentos, sentimentos e ações convergem para o suicídio como a única e eficaz solução de se eliminar de vez o sofrimento emocional ao qual estão submetidas
Em muitas das vezes quem pensa no suicídio não consegue eliminar a ideia fixa de acabar com a própria existência para resolver o problema que a atormenta e mesmo que uma primeira tentativa seja fracassada, volta a tentar o suicídio na sequência.
Sério problema de saúde pública o suicídio poderia ser evitado em cerca de 90% dos casos como a própria OMS afirma em relatórios apresentados recentemente. Outra constatação preocupante, também, é o fato de que em tono de 60% do conjunto de pessoas que tiram a própria vida nunca realizaram uma única consulta em um psicólogo ou psiquiatra (mesmo sendo, em vários dos casos, muito evidente que necessitariam de atendimento médico especializado).
Assim sendo, é de grande importância que os conhecidos de um possível suicida conheçam o problema do suicídio para poder ajudar e evitar que um suicídio possa ocorrer. Conhecer sobre o suicídio torna-se a melhor medida para lutar contra o suicídio. Ações de prevenção são em muito melhoradas quando as pessoas próximas conseguem de pronto identificar se alguém próximo está pensando em se matar.
Oficialmente o dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, sendo setembro o mês no qual se desenvolve a maior campanha contra estigma do mundo a campanha Setembro Amarelo. Entretanto, todo dia iniciativas podem ser tomadas para se prevenir eficientemente o suicídio. E, falar sobre o suicídio sempre será uma medida acertada dado que a troca de informações sempre é uma poderosa força. Em 2023, a campanha trabalha com o tema “Se precisar, peça ajuda!”.
Então, quanto mais pessoas souberem sobre o suicídio tanto mais pessoas poderão ser ajudadas e salvas. Se, por exemplo, em particular, uma pessoa conhecedora sobre as facetas do suicídio vier a ter pensamentos suicidas seu próprio conhecimento sobre o suicídio poderá contribuir para que mais rapidamente procure a necessária ajuda para manejar a situação e se salvar.
Na verdade, incondicionalmente, cada pessoa deve ter plena conscientização sobre a importância que a vida tem e necessita ajudar na prevenção do suicídio. Falar mais sobre o suicídio, sem aqueles tolos tabus, sem reservas, sem preconceitos, falar às claras para trocar mais informações e poder (em momentos difíceis) bem explicar que sempre haverá uma outra solução que não o suicídio porque a vida sempre será, de longe, a melhor escolha.
A despeito de esforços que se avolumam mundo afora buscando formas efetivas de se acabar com os suicídios, entretanto, em países como o Brasil, as taxas de mortes de pessoas que tiram a própria vida só aumentam gradativamente ano após ano. Percebe-se que as populações de jovens e de idosos são as populações que apresentaram maiores taxas de crescimento do número de suicídios. Mas, no mundo do trabalho, seja em tempos de prosperidade ou de sérias crises, o número crescente de suicídios é, também, não apenas assustador, mas muito controverso e de difícil solução haja vista os inúmeros fatores envolvidos.
De forma algo muito geral se pensa que o suicídio de um trabalhador é consequência de transtornos mentais ou de problemas pessoais do indivíduo que se permitir retirar a própria vida. Todavia, a questão do suicídio no trabalho envolve, também, motivos outros desencadeados dentro das próprias empresas os quais, na maioria das vezes, sequer são identificados previamente; muito é claro por não se conversar detidamente com os “supostos” colaboradores que podem estar sofrendo terrivelmente em seu trabalho.
Comprovadamente existem suicídios de trabalhadores em que a exasperação psíquica ou patologias mentais não são a causa primeira da morte dado episódios traumáticos que ocorrem com frequência no meio laboral que promovem sofrimento em intensidade tamanha ou que comprometem tão seriamente a vida privada do trabalhador que este se vê na condição de se matar como a única solução possível.
Em quaisquer tempos o trabalho sempre potencializou a sanidade e o senso de pertencimento social dos indivíduos sem, entretanto, eliminar completamente aquela trágica concepção de que o empregado é sempre descartável e substituível por outro (pensando-se apenas no sucesso do empreendimento); situação que, indubitavelmente, pode levar ao ato abominável de se tirar a própria vida frente ao temor do sempre descarte iminente.
Isto sem contar que a cada dia o mundo do trabalho, sujeito às transformações radicais determinadas pela inovação e pelas novas tecnologias, fica cada vez mais competitivo, tem novas formas de organização, e, por consequência direta, fica muito mais excludente, com forte estímulo ao individualismo, ampliando-se a servidão voluntária por medo de se perder a vaga de trabalho, aumentando os conflitos entre o trabalho e a família que fica em segundo plano na vida do trabalhador devido a se priorizar a responsabilidade profissional, internalizam-se os valores da empresa mais acentuadamente como pilares da vida profissional do trabalhador, o assédio de distintas formas passa a ser normalizado sem que se dê a necessária importância.
Com medo de se perder a vaga de trabalho o indivíduo (ideologicamente subjugado) intensifica sua jornada de trabalho e se torna dependente da empresa para ser “feliz” assumindo de forma (até talvez inconscientemente) ações desmedidas como levar trabalho para casa quando possível ou seguir trabalhando (rotineiramente, gratuitamente) além do expediente, perdendo em muitas das vezes seus finais de semana ou mesmo as férias. Quase que no automático o trabalhador desenvolve ações despropositadas pondo o trabalho em primeiro lugar ao ponto de gerar problemas conjugais, a ruína familiar, conflitos pessoais ou desordens psíquicas mantendo com a empresa relações de trabalho que beiram ao paternalismo.
Quase de maneira patológica, o medo, a angústia, de se perder a posição no trabalho geram laços fantasiosos de relação afetiva com o trabalho e o empregado vive desenvolve sua vida em função das obrigações profissionais que deve tornar cada melhor. Os problemas gerados são tão fortes que o trabalhador chega a pensar, seriamente, que sua maior ou desmedida dedicação ao trabalho vai lhe proporcionar a segurança e a permanência no emprego. Tipo um ópio o empregado (angustiado com a possibilidade de perder o emprego) incorpora os valores da empresa como sendo seus e se lança de cabeça no projeto da empresa sem medir consequências pessoais.
De repente o trabalhador se vê obstinado em atingir os propósitos da empresa o que de um lado, é claro, lhe rende tratamento diferenciado de importância nos escalões da organização para a qual se dedica incondicionalmente. Mas, de outro lado, é, também, um alerta para a organização que sabe que deverá continuar sua trajetória a despeito do excelente empregado destacado. O plano de lucratividade da empresa não se desenvolve em função dos empregados os quais vão, naturalmente, envelhecendo e ficando desatualizados com o passar do tempo.
Inevitavelmente, entretanto, vai chegar o dia que o empregado perceberá que toda falta de maior dedicação em sua casa com necessária atenção à esposa e aos filhos foi o motivo da insustentável situação familiar em que se encontra. Percebendo, também, que não está mais dando conta de executar com desejada intensidade suas tarefas na empresa o trabalhador sente que de pouco servira todos os anos de dedicação incondicional e começa a desenvolver atitudes estranhas como de animosidade, raiva contra si mesmo, resistência, hostilidade, apresentando relacionamento interpessoal questionável tanto entre os colegas quanto com os dirigentes. Usando uma expressão categórica, é como se o cérebro começasse a fritar diante dos traumas que começam a se desenvolver.
A angústia diante do que fez com os seus familiares próximos e, em geral, com sua vida para se dedicar ao trabalho e a consciência de que poderia ter sido diferente se soubesse dosar as ações, gera revolta incontrolada à devoção irrestrita ao trabalho. O sofrimento psíquico em desenvolvimento é brutal. Além do mais começa a perceber que virou escravo de algo que fazia melhor que os demais empregados e que por isto mesmo foi impedido de ocupar outras funções e cargos melhores na empresa. Um misto de desespero e revolta tem crescimento imediato e muito rápido. Sente-se enganado diante do pressuposto de responsabilidade social e de respeito da corporação vendo que ao relegar a segundo plano seus problemas familiares e sua vida em prol dos interesses da empresa não foi sequer pensado pela organização.
Percebe, em dado momento, tipo num estalo instantâneo, que já com certa idade e sem ter a oportunidade de se atualizar, está defasado em relação à nova realidade de mercado e que sua plena dedicação ao trabalho gerou prejuízos importantes à sua saúde física e mental, comprometeu gravemente as suas relações familiares e, de resto, pôs sua vida pessoal em franca denotação. Totalmente fragilizado ao entender que era apenas um bom “recurso humano” bate um violento arrependimento e não consegue ver saídas justificáveis para continuar naquela situação traumática e de sofrimento. Não tendo ajuda qualquer para amainar o sofrimento e enxergando um futuro sem o poder que achava que possuía, acaba por decidir fugir da situação angustiante apenas se matando.
O roteiro apresentado precedentemente se repete gerações após gerações. Mudam-se as tecnologias, evoluem as organizações, novas e melhores legislações são pensadas e postas em prática, o mundo do trabalho se transforma de tempos em tempos, mas os pedidos de ajuda dos trabalhadores, em diversas das vezes, são apresentados na forma cruel de suicídio ou nas tentativas de suicídio. Sim, o suicídio no trabalho é uma forma (absurda) de pedido de ajuda contra os muitos fatores psicossociais no trabalho que promovem alterações profundas nas pessoas (muitas das quais bem nocivas).
A autonomia restrita estabelecida na execução de tarefas que se domina plenamente, a falta de ajuda prévia especializada diante de transtornos cognitivos ou neurológicos adquiridos com o passar de anos no mesmo trabalho, a insuficiente RSC desenvolvida na empresa, a insatisfação com o trabalho realizado devido a ser impedido de futuras promoções para outros cargos ou funções melhores, a insegurança no emprego, a inter-relação mal desenvolvida entre o trabalho e a vida pessoal do trabalhador, a subordinação irrestrita do trabalhador em função de suas obrigações profissionais, as elevadas demandas que deveriam ser realizadas por equipas e que são desenvolvidas apenas individualmente, as imposições desmedidas na execução de tarefas aceitadas, as muitas violências psicológicas sofridas, o assédio no trabalho, o cego vínculo afetivo entre o empregado e a empresa incentivado continuamente, o estímulo constante ao sucesso da empresa em função dos serviços desempenhados pelo colaborador, o medo de ficar desempregado, o medo de se sofrer um grave acidente e ficar inutilizado para sempre, o trabalho em turnos diferentes do usual, podem conduzir um trabalhador a não apenas pensar, mas a consumar seu suicídio sem muito esforço quando se sente (no desespero, no sozinho, no sofrimento) perdido vendo que tudo o que fez pela empresa no final vai acabar em nada, podendo ser um simples descarte, ou, quando muito, virar esquecimento numa aposentadoria.
Há de se acrescentar que graves problemas de assédio, desconfiança de superiores, desqualificação profissional, injúrias ou descrédito, somados ou em separado, podem desencadear, também, grande sofrimento no trabalho quando associados ao desenvolvimento de patologias decorrentes da insana devoção ao trabalho que invariavelmente podem levar a tentativas de suicídio ou à consumação efetiva de se retirar a própria vida. Mas, não se pode flexibilizar a narrativa deixando de lado de salientar que (quase completamente) a falta de políticas empresariais efetivas para preservar a qualidade do bem-estar dos empregados e a massiva preocupação com a produção de riquezas a qualquer custo que subordina aspectos humanos a interesses utilitários é o que bem pode conduzir um trabalhar adoentado ao suicídio. Avaliar a saúde mental dos colaboradores periodicamente e individualmente torna-se prerrogativa essencial para se identificar aqueles indivíduos mais propensos ao horrível ato do suicídio.
Mas, seja, então, no trabalho, seja em casa, com familiares, em rodas de amigos, em qualquer lugar e a todo tempo é lugar e tempo de se falar abertamente sobre o suicídio para se lembrar sempre que a preservação da vida é a melhor solução.
A história registra que o Setembro Amarelo começou, em 1994, nos EUA, quando um jovem de apenas 17 anos cometeu suicídio. Antes de tirar sua própria vida O suicida havia restaurado um automóvel Mustang 68 que pintou de amarelo. Conta-se que no dia do velório havia uma cesta contendo diversos decorados com fitas amarelas que continham a mensagem "Se você precisar, peça ajuda”. A partir daquele triste acontecimento se estabeleceu que o símbolo da luta contra o suicídio é o laço amarelo. Então, se pensar em tirar a própria vida, busque de imediato ajuda; sendo, também, de suma importância falar claramente sobre o suicídio sempre.
No Brasil, de acordo com Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei número 2.848, de 07/12/1940), o suicídio constitui um indiferente penal de forma que a legislação não compreende o acontecimento como infração; não sendo sequer a tentativa de suicídio punida.
Porém, deixando de lado a questão jurídica, pode-se até julgar o contrário, mas muitas pessoas pensaram ou estão pensando neste momento em cometer suicídio; e mesmo aquelas que tentaram e não conseguiram seguem, ainda, pensando e tramando em agir novamente para retirar a própria vida dado não conseguirem suportar os sofrimentos que as acometem.
Somente no Brasil, de acordo com estudo realizado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cerca de 17% dos brasileiros, em algum momento de suas vidas, pensaram muito seriamente em acabar com o própria vida. E o mais grave, muitos daqueles que pensaram em suicídio para resolver seus problemas estão conseguindo ser eficientes naquela ação absurda. Assim é mais que urgente ampliar as conversar sobre o suicídio. E o conhecimento é sempre a melhor forma para começar a conversar sobre algo.
Diversas são as causas geradoras deste mal chamado suicídio e, muito claramente, será impossível controlar todas elas. Mas, muitas são, também as evidências que podem sinalizar que alguém esteja a pensar em tirar a própria vida. Logo, conhecendo os sintomas e falando sobre o suicídio tem-se um bom procedimento inicial para contribuir para reduzir as taxas de suicídio e ajudar a salvar vidas. Identificada, porém, a pessoa em situação de desamparo e desesperança que demonstra intenções de se suicidar é necessário auxiliá-la na busca por ajuda profissional competente; mas tudo sem prévio julgamento e no maior cuidado.
Vários são os sinais (sintomas) que podem ser alertas importantes para se desconfiar que alguém tem tendências suicidas, principalmente, se ocorrerem de forma súbita, sutil e recorrente, os quais não eram verificados anteriormente. Alguns destes sinais de alerta que podem indicar pedidos de ajuda são os seguintes:
- achar que nada pode lhe ajudar e que tudo ficará melhor com a sua morte;
- acreditar que somente com o fim da vida se teria solução para os problemas;
- agir de forma desinteressada, indiferente, diante de eventos bons ou ruins;
- apresentar desmedida agressividade, impulsividade, ou iniciativas incomuns;
- apresentar dificuldades cognitivas ou neurológicas e acentuado sofrimento;
- apresentar piora no desempenho de atividades que antes executadas com competência;
- apresentar sérias alterações no sono ou no apetite ficando noites em claro;
- demonstrar acentuada falta de esperança e desconsiderar quaisquer planos para o futuro;
- demonstrar falta de prazer ou demonstrar falta de sentido na vida;
- desleixar a aparência demonstrando que não se importa;
- manter distanciamento de familiares e de amigos e se isolando cada vez mais;
- mudar se súbito de humor do eufórico para o deprimido ou do deprimido para o eufórico;
- passar a usar com frequência expressões como “a vida perdeu o sentido”, “preferia morrer”;
- perder o interesse por algo de que se tinha grande apreço;
- queixar direto de desconforto, ou angústia, ou medo;
- realizar despedidas, fazer um testamento, dar ou devolver os bens recebidos;
- rejeitar todo tipo de auxílio médico ou profissional;
- ser negativista em tudo que realiza;
Se perceber em alguém conhecido a ocorrência do conjunto de muitas das características precedentemente listadas, é sugerido uma conversa mais detida com a pessoa, sem pré-julgamento, na boa, a fim de colher mais evidências para, se necessário, aconselhar a procura de ajuda especializada. Nunca se deve esquecer, porém, que o suicídio é a consequência final de um processo muito complexo que envolve não poucos determinantes como fatores psicológicos, biológicos, culturais, genéticos, religiosos, socioambientais, dentre outros. Não se deve confundir situações casuais ou pontuais de desânimo (por exemplo) com um quadro definitivo e categórico de comportamento suicida. Todavia, a detecção precoce, por certo, repita-se, possibilita prevenção do suicídio.
Não é fácil, não é garantido, nada simples vencer, também, o estigma e os muitos tabus que envolvem a questão do suicídio que por séculos foi considerado algo “muito errado” de forma que (mesmo atualmente) muitas pessoas ainda têm medo ou até vergonha de falar sobre o suicídio. Razões de ordem cultural, política, moral, social e sobretudo de natureza religiosa, impediram, continua e constantemente, de se falar claramente sobre o suicídio ao longo da história; o que tornou muito mais difícil estabelecer procedimentos notáveis ou assertivos para se atacar o grave problema de saúde pública que é o suicídio.
Para virar a página, desmistificar de vez os tabus enraizados sobre o suicídio e, efetivamente, realizar a prevenção evitando que inúmeras pessoas tirem a própria vida exige a participação de todos. Falar frequentemente sobre o suicídio é um dos bons caminhos para mais rapidamente adquirir o necessário conhecimento que permita otimizar a busca por ajuda para aqueles todos que necessitam. Toda sociedade deve colaborar no estabelecimento de medidas para a prevenção e diminuição das taxas alarmantes de suicídio haja vista que ninguém, de fato, está cem por cento livre de ser acometido por este mal terrível que é o suicídio.
Mas, é necessário ressaltar, também, que, quando detectado previamente, o comportamento suicida pode ser devidamente solucionado com tratamentos efetivos já desenvolvidos com excelentes resultados; significando, portanto, que grande parte dos suicídios podem e devem ser evitados.
No Brasil, por intermédio da Portaria número 1.876, de 14/08/2006, do Ministério da Saúde (MS), foram instituídas Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio (DNPS) que se propõem a esclarecer a problemática do suicídio, bem como seu combate ou prevenção. Também, em 2006, como parte integrante da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, foi lançado o Manual de Prevenção de Suicídio dirigido para os Profissionais das Equipes de Saúde Mental com especial ênfase às equipes dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps).
Como em muitas das vezes várias doenças neurológicas estão intimamente relacionadas com o suicídio, a detecção precoce e o tratamento apropriado de correspondentes patologias mentais se mostra como importante condição na prevenção do suicídio. Assim sendo, o MS, por meio da Portaria número 3.088/2011, de 23/12/2011, instituiu a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Na rede são ofertados cuidados em saúde mental por todos os pontos da RAPS articulando desde a atenção à saúde básica até atenção hospitalar e serviços de urgência e emergência (UPA 24h, SAMU 192).
Ampliada a percepção sobre a gravidade das questões relacionadas com o comportamento suicida, a partir de 2014, pela Portaria número 1.271, de 06/06/2014, o MS definiu a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional; estabelecendo que as tentativas de suicídio e o suicídio passavam a ser agravos de notificação compulsória imediata em todo o território nacional.
A partir de 2015, o MS estabeleceu parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), instituição voltada ao apoio emocional por meio de ligação telefônica gratuita para prevenção de suicídios. Em setembro de 2017, é lançado pelo MS o Boletim Epidemiológico 2017 e a Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil 2017-2020.
Para coordenar as ações voltadas à prevenção do suicídio no território nacional foi instituído, pela Portaria número 3.479/2017, de 18/12/2017, o Comitê Gestor para elaboração de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio no Brasil em consonância com as DNPS e com as Diretrizes Organizacionais das Redes de Atenção à Saúde. Também, em 2017, foi formalizado incentivo financeiro de custeio para desenvolvimento de projetos de promoção da saúde, vigilância e atenção integral à saúde voltados para prevenção do suicídio no âmbito das RAPS do SUS.
Em 2020, foi criado pelo Decreto Federal número 10.225, de 05/02/2020, o Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio (CGPNPASO) o qual tem por objetivo implementar a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio estabelecida pela lei Federal número 13.819, de 26/04/2019, a qual constitui importante Política Pública que tem o compromisso de cunho perene e contínuo dos Governos Federal, Distrital, Estaduais e Municipais para a prevenção do suicídio e dos tratamentos correspondentes. O CGPNPASO objetiva, também, a promoção do fortalecimento de estratégias permanentes de educação e saúde, em especial quanto às formas de comunicação, prevenção e cuidado.
Mas, ainda falta muito para a consolidação de estratégias potentes que possibilitem a redução drástica das elevadas taxas de mortes por suicídio. Muito tem que ser conversado, muito tem que ser pensado, muito tem que ser realizado a cada novo dia para mais rapidamente salvar as inúmeras vidas que estão sendo perdidas a cada segundo com o suicídio.
O CVV está atendendo de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que necessitam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail ou por chat 24 horas todos os dias em todo o Brasil.
Fale-se muito mais sobre o suicídio. Se necessitar, (não hesite, não tenha medo, não tenha vergonha) procure ajuda, solicite sem receio auxílio. A boa ajuda existe e está facilmente disponível. A vida sempre será a melhor escolha.
*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, pesquisador, conselheiro consultivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI) do CNPq, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC) do CNPq, personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).