logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

21/05/2024

Engenheiro de pesca para produção aquícola sustentável e com qualidade

Soraya Misleh

 

Conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), os engenheiros de pesca “trabalham em atividades da agricultura, pecuária e silvicultura, exploração florestal, pesca e aquicultura, em empresas públicas e privadas e em cooperativas de produtores. Atuam como empregados, prestadores de serviços ou servidores públicos. Há possibilidade de colocação também em órgãos públicos fiscalizadores da qualidade ou classificadores de produtos e em empresas públicas de extensão rural”.

 

Há atualmente 2.263 profissionais da área registrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), dos quais 700 mulheres. Engenheira de pesca formada com mérito pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) em 2020, Beatriz Bortolato é uma delas. Nesta entrevista, fala sobre sua trajetória, áreas de atuação e mercado, inovações no segmento, perspectivas futuras e os desafios por ser mulher em profissão ainda majoritariamente masculina. Confira.

 

Engenheira de pesca Beatriz Bortolato: trabalho essencial. Fotos: Acervo pessoalPor que optou pela Engenharia de Pesca? Favor contar brevemente sobre sua formação e trajetória profissional.

A Engenharia de Pesca que me escolheu. Eu sempre gostei de matemática e ciências. [Depois de tentar outro vestibular], fui pesquisar os cursos e descobri a Engenharia de Pesca, me apaixonei pela grade curricular, achei fantástica, muito interessante, então pensei: ‘vou arriscar.’ Comecei o curso sem muita expectativa e me apaixonei de cara, já entrei em laboratório, fui me engajando na Engenharia de Pesca e deu super certo. Entrei, me apaixonei, continuei, me formei e sou apaixonada pelo curso que fiz. Durante a faculdade eu tentei abraçar o máximo de experiências possíveis, então participava de todos os congressos que conseguia, regionais, nacionais, internacionais, e fui passando por vários laboratórios para ter uma experiência mais completa. Comecei no Laboratório de Tecnologias Pesqueiras, no qual construí duas redes de emalhe [em que os animais aquáticos ficam presos nas malhas das redes] para pesca de tartaruga, para fazer marcação. Depois passei pelo Laboratório de Química, de desenvolvimento de materiais, em que fazia extração de quitina e quitosana para teste de absorção em água contaminada, no meu experimento a gente fez com cobre. E trabalhei também um pouco no Laboratório de Ecologia com estudo de população de siri. Também fui monitora de Cálculo I e II e ganhei uma bolsa de intercâmbio durante a faculdade. A Udesc tem um edital, o Prome, que é de mobilidade [estudantil], internacional. Eles dão uma bolsa a cada campus por semestre, me inscrevi e ganhei a bolsa. Fiquei seis meses na Itália. Foi uma experiência incrível, uma imersão cultural gigante. Aprendi italiano, viajei, conheci muitos lugares e cursei algumas disciplinas lá que, inclusive, foram virada de chave. Aprendi bastante lá fora e aí voltei. Veio a pandemia, a gente começou a ter aula online, e nesse período montei a minha empresa de entrega de orgânicos. Minha família, a gente, é da roça, então sempre cultivou orgânico para consumo, verdura, fruta... Comecei a monetizar isso, aumentei a escala e comecei a vender. Como na pandemia ninguém podia sair de casa, foi um sucesso gigantesco. Eu fazia todo o trabalho de desenvolvimento da marca, entrega, logística, plantação, cuidava de tudo.

 

Quais suas áreas de atuação e projetos de destaque que participou? Favor detalhar.

Eu fiquei mais ou menos dois anos no Cantinho Bortolato, que era essa produção e venda de orgânicos. Daí me formei e surgiu a oportunidade de trabalhar com cultivo superintensivo de camarão em biofloco. Há poucas unidades de cultivo no Brasil, e uma delas era aqui [na região de Santa Catarina]. Foi uma experiência incrível também, fazer toda a parte de custo de produção, manejo, arraçoamento [número diário de porções alimentares para o bom desenvolvimento da espécie aquática], tinha todas essas questões. Depois surgiu outra oportunidade: trabalhar com o que faço hoje, que é prestar assistência técnica e gerencial para produtores de tilápia da região sul de Santa Catarina, na cidade de Orleans. É um programa do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), de Assistência Técnica e Gerencial (Ateg), em que a gente faz visita técnica às propriedades. Atendo um grupo de produtores, faço visitas mensais nas propriedades para ajudá-los com manejo, com toda a parte técnica, qualidade de água, biometria, na parte gerencial de custo de produção. E ano passado entrei num programa que se chama CNA Jovem, de desenvolvimento de lideranças do meio agro, que foi transformador. Aprendi muito, passei para a etapa nacional, a gente tinha encontros presenciais tanto em Florianópolis, da etapa estadual, quanto em Brasília, da nacional. Isso mudou totalmente a minha percepção sobre as coisas. A gente teve muitas oficinas de desenvolvimento pessoal e agora, inclusive, estou fazendo a pós-graduação voltada para isso, liderança no agro. Também estou fazendo mestrado em saúde e produção animal com experimento de adição de óleo de canela em ração para tilápia, para entender um pouquinho sobre desempenho e testar a resistência frente a estreptococos [gênero de bactérias].

 

Quais as possibilidades e mercado para o engenheiro de pesca?

Ainda é uma profissão recente e desvalorizada, pelo menos aqui no sul do País. Tem um curso de Engenharia de Pesca na Udesc de Laguna [SC], outro em Toledo, no Paraná, outro em São Paulo, e um de Engenharia de Aquicultura em Florianópolis... [Conforme o Guia das Engenharias do SEESP, no total são 26 cursos da modalidade em todo o Brasil, ofertados por universidades públicas federais e estaduais]. É muito pontual, não é uma profissão amplamente conhecida e reconhecida. E a gente faz um trabalho essencial. Atuando no campo hoje, a gente percebe a diferença do trabalho que faz, e tem muita área para explorar, muita coisa que pode ser feita. Aquicultura tem diversas frentes, eu trabalho mais especificamente na piscicultura, mas tem maricultura [cultivo de organismos marinhos para alimento e outros produtos em mar aberto], algicultura [cultivo de macro e microalgas], mas há diversos ramos. A quem vai se especializando e indo atrás, vejo que as oportunidades acabam surgindo. E a gente acaba construindo essa oportunidade. Quem se dedica, quem estuda, quem está correndo atrás, está conseguindo alcançar lugares incríveis.

 

Quais as inovações na área?

Claramente a gente vê alta tecnologia sendo aplicada cada vez mais no campo, é impressionante. Monitoramento de água, automação, tem muita coisa já sendo explorada e a ser explorada. É uma área totalmente nova de automação. A tendência é cada vez mais usar essas tecnologias a nosso favor para facilitar a vida no campo e também de subproduto, de aproveitamento de alimento, de resíduos. Tudo isso faz parte de inovação, tem diversas áreas para se descobrir e explorar.

 

Quais os desafios que enfrenta ou já enfrentou ao atuar em uma profissão ainda majoritariamente masculina?

Sobre os desafios, principalmente sendo mulher e estando na época como recém-formada, não tinha experiência suficiente para ter autoridade e conseguir me impor. Hoje vejo isso claramente, mas a gente vai conquistando essa confiança e essa credibilidade através do bom trabalho. Atuo diretamente com produtor rural. É um processo de convencimento, de mostrar que a gente está ali para ajudar, para melhorar o cultivo, que só quer realmente fazer o melhor. Mas já presenciei algumas cenas de machismo, de descredibilização pelo fato de ser mulher. A gente enxerga bastante caso assim, mas vai tentando desconstruir diariamente, porque isso está na nossa sociedade, e realmente é uma área em que, ainda, a maior parte é homem. Temos que ir conquistando e galgando nosso espaço.

 

Tem havido avanços em relação à inserção feminina na engenharia em geral e na engenharia de pesca em especial? Quais as dicas para jovens mulheres que pretendem seguir a profissão?

Já vejo grandes avanços, até pelo fato de ter mais mulheres estudando o agro, aparecendo. Acho que isso é importante, ter exemplos de pessoas que estão chegando lá, que já conquistaram muitas coisas. A gente olha para elas e pensa: ‘que legal, um dia também vou conseguir isso, elas também começaram do zero, de baixo e foram subindo, foram conquistando seus espaços’. Isso é muito importante, espelhar-se nessas profissionais que a gente admira e, além disso, a troca. Hoje tenho uma rede de mulheres incríveis e adoro conversar sobre tudo. A gente sempre se apoia muito, é muito importante conseguir ter o apoio e incentivo de outra mulher, porque, querendo ou não, nos entendemos muito melhor, e é baseado em conhecimento, a gente tem que ir atrás de conhecimento para conseguir criar essa autoconfiança e autoridade de contar o que sabe, contar nossas experiências. Então, além dessa rede, é ir atrás de conhecimento.

 

Quais as perspectivas futuras para a profissão?

Eu acho que as áreas estão cada vez mais demandantes de capacitação e de profissionais especializados. Acredito muito nisso, que enquanto a gente não parar no tempo e estiver sempre indo atrás de conhecimento, se especializando, vai conseguir se inserir e galgar novas oportunidades, melhorar cada vez mais o cultivo, porque anda junto. Enquanto a gente está melhorando o nosso desenvolvimento e conhecimento, também está fazendo trabalho no campo para que o próprio cultivo, a própria produção, o próprio produtor se desenvolvam e cresçam juntos. Nosso sucesso é o sucesso do produtor, e vice-versa. É importante estar sempre preocupados com isso e ir atrás de novos testes, novas tecnologias, novas oportunidades.

 

 

Lido 210 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda