Fundacentro
O Setembro Amarelo é uma campanha fundamental para a conscientização e prevenção do suicídio, e sua relevância no mundo do trabalho é cada vez mais reconhecida. Este mês tem como objetivo romper o silêncio em torno do suicídio, promovendo diálogos abertos sobre saúde mental e incentivando a busca por ajuda.
Embora o foco não se destine especificamente aos trabalhadores, o ambiente de trabalho ganha especial importância devido ao impacto significativo que a organização do trabalho pode ter na saúde mental.
O estresse, a pressão por resultados, jornadas excessivas e a falta de reconhecimento são fatores que contribuem para o esgotamento mental, um problema que pode levar ao desenvolvimento de transtornos mentais, incluindo a depressão, ansiedade e, em casos extremos, ao suicídio.
É importante ressaltar que a campanha alerta sobre esses riscos, promove o bem-estar e incentiva a cultura organizacional que valoriza a saúde mental. Ao abordar o suicídio de forma aberta, as empresas podem contribuir para a diminuição do estigma, criar um ambiente seguro para que os trabalhadores se sintam à vontade para compartilhar suas dificuldades e buscar auxílio.
Trabalho e cuidados com a saúde mental dos trabalhadores
O trabalho na vida de uma pessoa é mais do que uma simples fonte de renda; ele é sinônimo de crescimento profissional, possibilita a construção de objetivos e a realização deles. Através do trabalho, desenvolvemos habilidades, adquirimos conhecimentos e enfrentamos desafios que nos impulsionam a evoluir continuamente. Além disso, trabalhar é também criar e transformar a nossa própria história.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar as subnotificações. O número no Brasil chega aproximadamente a 14 mil casos por ano, ou seja, a cada dia, em média 38 pessoas tiram a própria vida.
A terceira maior causa de afastamentos por auxílio-doença acidentário, segundo dados da Previdência Social, está relacionada aos transtornos mentais. A Norma Regulamentadora – NR-01 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) introduziu a identificação e gestão de riscos psicossociais no ambiente de trabalho.
O dia 10 de setembro é a data oficial do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas o tema deve ser tratado durante todo o ano. Segundo dados oficiais, o Setembro Amarelo é a maior campanha antiestigma do mundo. Em 2024, o lema é “Se precisar, peça ajuda!”
O assessor da Presidência da Fundacentro e médico psiquiatra, Marcelo Kimati Dias, concedeu entrevista à jornalista Débora Maria Santos, do Serviço de Comunicação Institucional da Fundacentro (SCI). Kimati possui graduação em medicina pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Ciências Médicas e doutorado em Ciências Sociais. Também é especialista em antropologia, saúde mental, saúde coletiva, gestão em saúde pública e política de álcool e drogas. Atuou como assessor na Coordenação de Saúde Mental no Ministério da Saúde (MS).
Qual é a importância do setembro amarelo na conscientização sobre a saúde mental no ambiente de trabalho?
A discussão de suicídio em setembro tem sido adotada há aproximadamente 10 anos por iniciativa de entidades médicas, reproduzindo no Brasil uma mobilização existente nos Estados Unidos da América desde a década de 1990. Esta perspectiva médica de abordagem do suicídio tende a simplificar um conjunto de fenômenos complexos e tende a homogeneizar um conjunto de fenômenos diferentes; os fatos sociais associados às altas taxas de suicídio de população indígena no Brasil, por exemplo, têm origem muito diferente do aumento de taxas entre adolescentes nos últimos anos.
No campo do trabalho, temos uma discussão que precisa avançar muito. Ao longo da pandemia vimos algumas categorias profissionais se tornarem mais vulneráveis ao suicídio, como as forças de segurança. Vimos também que alguns elementos comuns a várias categorias, como precarização de vínculos, dificuldade de diferenciar lazer de trabalho, muito comum no home office, também estão associados a sofrimento mental. Um conjunto de transformações contemporâneas no mundo do trabalho, como a apologia ao empreendedorismo, fragilização do movimento sindical, uberização do trabalho tendem a vulnerabilizar a saúde mental do trabalhador. Desta forma, achamos muito importante a visibilidade dada a este tema em setembro para promovermos o debate entre as mudanças no mundo do trabalho, prevenção e suicídio.
Como o estresse e a pressão no trabalho podem contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental entre os trabalhadores?
Existem várias evidências epidemiológicas de que situações de pressão, vulnerabilização de vínculo de trabalho, assim como pouco envolvimento do trabalhador em decisões que envolvem sua própria atividade estão relacionadas a mais sofrimento mental. Há situações de sofrimento que são específicas de cada atividade, como exposição à violência com pessoas que trabalham na área da segurança. Entretanto, algumas outras, como baixos salários, carga horária excessiva, assédio e conflitos no trabalho, são situações geradoras de sofrimento em qualquer atividade.
De que forma as empresas podem promover um ambiente de trabalho que priorize a saúde mental dos funcionários?
É muito importante afirmar que boas condições de ambiente de trabalho não substituem a necessidade de se ter boas condições estruturais de trabalho. Isto implica dizer que um ambiente de trabalho climatizado não substitui uma vinculação precária, o fornecimento de alimentos em local de trabalho não substitui uma boa remuneração com a qual o trabalhador pode alimentar bem a si e a sua família. Uma empresa que oferece um aplicativo de cuidados psicológicos aos trabalhadores pode ter ainda assim um ambiente de trabalho autoritário e abusivo e com muito sofrimento mental.
É bastante perigosa esta tendência atual de abordar superficialmente a prevenção ao sofrimento mental a partir da observação de ofertas em ambiente de trabalho. A discussão feita com este referencial não contempla grandes vulnerabilidades ao sofrimento e adoecimento mental promovidas por empresas, como assédio, cargas de trabalho excessivas e formas precárias de vinculação. A superficialidade do foco exclusivo no ambiente de trabalho funciona muitas vezes como uma cortina de fumaça para questões estruturais e muito sérias.
Como a cultura organizacional pode influenciar a percepção dos trabalhadores sobre buscar ajuda para problemas de saúde mental?
Uma cultura organizacional que de fato se preocupa com a saúde mental dos trabalhadores tende a criar formas de gestão participativa. Da mesma forma, proteger a saúde mental em ambiente de trabalho é combater um modelo de produção baseado na alienação das práticas cotidianas, com a repetição de processos que não fazem sentido ao sujeito e da fragmentação do processo de trabalho. Este modelo, empregado desde o início do século passado em indústrias, expropria do sujeito alguns elementos essenciais no trabalho: o desenvolvimento de práticas coletivas e o sentido necessário ao que se faz. Esses elementos são fundamentais para a promoção de saúde mental.
SCI: Quais são as melhores práticas que gestores podem adotar para apoiar funcionários que estão passando por depressão e ansiedade?
Quadros de depressão e ansiedade são transtornos particularmente muito comuns, chegando até a 30% em alguns estudos populacionais. Desde novembro de 2023, são consideradas potencialmente doenças ocupacionais. Desta forma, é importante realizar diagnósticos, uma vez que a imensa maioria dos usuários de psicotrópicos não é diagnosticada de forma apropriada.
Em segundo lugar, caso seja identificada uma doença, deve haver um plano terapêutico, que envolve a superação de elementos que vulnerabilizaram o sujeito a adoecer. Neste sentido, é fundamental um plano medicamentoso, uma vez que sabemos que, hoje, quase 60% dos usuários de antidepressivos evoluem para uso crônico.
Da mesma forma, é importante a compreensão do que provocou o sofrimento a partir da história e características do sujeito. Um diagnóstico psiquiátrico é um ponto final a um conjunto de diferentes processos que envolvem aspectos externos, mas também subjetividade, história pessoal e vulnerabilidades da pessoa. Em terceiro, deve haver o entendimento do que de fato aconteceu com o trabalhador em situação de trabalho.
Quais foram os conflitos, as vulnerabilidades associadas ao adoecimento? Em que medida esses fatores envolveram características de trabalho? Esta situação pode ser caracterizada como doença ocupacional?
Hoje os chamados riscos psicossociais estão inclusos na NR-1, o que permite a indagação; a instituição associada a este adoecimento está vulnerabilizando o trabalhador promovendo um ambiente com esses riscos?
Como as políticas de prevenção ao suicídio podem ser implementadas de forma eficaz nas empresas públicas e privadas?
Em primeiro lugar, ouvir os trabalhadores. Há no cotidiano do trabalho uma rotina que vulnerabilize sua saúde mental? Você ajuda na tomada de decisões que envolvem seu trabalho diário?
Criar espaços coletivos de escuta, de discussão do trabalho e de seu andamento. Implica em desenvolver uma cultura de transparência em relação a mudanças institucionais. Ao mesmo tempo, criar espaços de escuta visa compreender conflitos internos como produto das relações institucionais. A partir daí podem ser identificadas possibilidades de transformação.