Carlos Magno Corrêa Dias*
Em outubro de 2024 foram celebrados 75 (setenta e cinco) anos da inauguração da Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição localizada na Cidade de Jacarezinho localizada no chamado Norte Pioneiro do Estado do Paraná.
Aquela Catedral é reconhecida como parte do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Paraná. Tanto a Igreja, em si, no tocante à estrutura arquitetônica, quanto o conjunto de obras de arte que ornam a Catedral são tombados pelo Patrimônio Cultural do Paraná, representando o valor histórico, artístico, cultural ou arquitetônico a ser preservado para garantir que futuras gerações possam apreciá-la ao passar do tempo.
A história da construção bela atual Catedral de Jacarezinho tem seu início ainda durante a Segunda Guerra Mundial quando em meados de 1942 foi assentada a pedra fundamental daquela que seria a nova Catedral da Capital Estudantil do Norte Pioneiro (como ficou conhecida Jacarezinho, devido à sua forte vocação no campo da Educação, Cultura, História e Artes).
A Catedral Diocesana de Jacarezinho, a Catedral Imaculada Conceição, integrante da Rota do Rosário, tem um estilo próprio na arquitetura dado que seu projeto inicial de construção (em estilo Moderno) foi sofrendo modificações por meio de inclusões voltadas para transformá-la em um exemplo de estilo Românico o qual se caracterizava pela horizontalidade; pelas abóbodas e paredes grossas; por uma planta em formato de cruz; tendo construção sólida com poucas janelas e aberturas e, em geral, possuindo uma porta principal, a de entrada. Por conta da grandiosidade e solidez, as Igrejas construídas em estilo Românico ficaram conhecidas como as "Fortalezas de Deus".
Todavia, a partir do projeto já em andamento, as modificações realizadas na arquitetura da Catedral de Jacarezinho se obrigaram a ser implementadas apenas naquilo que fosse possível mudar. Assim, o estilo daquela linda e grandiosa Catedral é único envolvendo nuances do Moderno associados a elementos característicos do Românico como colunas arcadas, nichos laterais, teto todo de madeira em alto relevo; sem contar as incríveis e monumentais pinturas e estátuas que ornamentam o conjunto da obra (como a tradição do estilo, também, determinava).
A majestosa Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição de Jacarezinho foi construída no formato de Basílica com pilares e na forma de cruz medindo 67 metros de comprimento e 22 metros de largura. Considerada uma imponente construção arquitetônica e de arte, foi edificada na época quando o mundo passava por um período de mudanças políticas difíceis, mas no qual Jacarezinho vivia, também, um período de grande bonança muito devido aos recursos materiais advindos da forte e florescente cafeicultura gerada pela excelente e fértil terra roxa que atraiu a elite cafeeira e muitos ricos migrantes de outras regiões, principalmente mineiros e paulistas.
Os descendentes dos citadinos da época da construção da atual Catedral de Jacarezinho (e mesmo anciões moradores daquele período) são unânimes em afirmar que o advento da construção monumental da Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição foi possível devido à associação entre a influência do Catolicismo na região e a vinda dos filhos de famílias abastadas que passaram a estudar no Colégio Cristo Rei (para os meninos) e Imaculada Conceição (para as meninas).
O Ciclo do Café trouxe para Jacarezinho riqueza e prosperidade jamais vistas antes; o que provocou grande e rápido crescimento. Estima-se que o maior desenvolvimento de Jacarezinho se deu entre as décadas de 30 e 60. A terra roxa (que é solo fértil ideal para os cafezais) e o intenso trabalho de seus habitantes fez com que Jacarezinho se transformasse em importante produtor de café do Brasil. Na década de 50 Jacarezinho havia atingido seu apogeu e se tornou polo de desenvolvimento agrícola de toda a região Norte do Estado do Paraná.
Há de se ressaltar, também, que dado o pioneirismo e a elevada qualidade do Ensino o então Colégio Cristo de Rei de Jacarezinho foi reconhecido como Instituição de excelência e de referência no país, tornando-se a “alma mater” (“escola onde alguém estudou”) de importantes personalidades e até mesmo de membros da Família Imperial Orleans e Bragança do Brasil. Devido à importância histórica, o Colégio Cristo Rei passou a integrar, a partir de 8 de abril de 2015, o seleto conjunto de Instituições de Ensino tombadas pelo Patrimônio Histórico do Estado do Paraná.
Mas, a Catedral de Jacarezinho, tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico, além da riqueza arquitetônica e de ser reconhecida como uma das mais belas construções do Paraná, tem em seu interior um dos tesouros artísticos mais impressionantes do país o qual é constituído de painéis gigantescos pintados à mão que cobrem cerca de 600 metros quadrados, com murais de até 15 metros de altura, com figuras de até 3 metros e estátuas fabulosas esculpidas, também, à mão; sem contar os vários quadros emoldurados.
Incrível, também, é a equipe de artistas que elaboraram aquelas fantásticas obras de arte que ornamentam a Catedral de Jacarezinho possibilitando, como sugerido no título deste texto, dizer que aquela teria sido, de fato, uma “equipe improvável” haja vista as peculiaridades que conduziram cada profissional a dar sua contribuição.
Primeiro, observe-se que o conjunto das obras que integram o acervo da Catedral de Jacarezinho foge completamente do usual ou tradicional para uma Igreja Católica haja vista serem todas não revestidas de características essencialmente sacras como o padrão recomendaria. Com ousadia, as imagens, sejam pintadas ou esculpidas, retratam, efetivamente, cidadãos da década de 1950 que viviam na cidade e não representam, essencialmente, elementos sacros próprios convencionais.
Até hoje parentes reconhecem feições de seus familiares ou de celebridades da época pintadas naquelas imagens sejam nos enormes murais modernistas ou nas estátuas dado que os artistas procuraram traduzir em seus trabalhos a cultura, realidade e costumes dos anos de 1950 mediante forte relação entre elementos sacros e os cidadãos da cidade de Jacarezinho. Muitos moradores da cidade daquele período de pujança estão lá fazendo as vezes de diversas das personagens bíblicas.
Os quadros murais pintados cobrem diversas partes da Catedral como são vistos no Pórtico, no Átrio, na Nave Principal e nas Naves Secundárias, bem como no Transpecto, nas Capelas de São Sebastião e do Santíssimo, no Presbitério e no Altar-mor. Já as esculturas ornamentam tanto o interior quanto o exterior da majestosa Catedral de Jacarezinho.
A dois talentosos artistas plásticos coube a árdua tarefa de pintar os incríveis murais que embelezam o interior da Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição de Jacarezinho, os quais, a propósito, sequer sabiam da existência um do outro antes do início daquele trabalho monumental que realizaram juntos. Dois homens muito diferentes que se rivalizavam, principalmente, na fé dado que enquanto o mais novo, já morador de Jacarezinho, foi criado na tradição da fé cristã e o mais velho, vindo de fora da cidade de Jacarezinho, confessava ser ateu convicto.
Todavia, diante dos enormes desafios envolvidos, da convicção de concluir aqueles trabalhos e por terem em comum a particular preferência pela arte figurativa e acreditarem na força que a pintura possui para registrar a história e para a aproximação social, os dois homens acabaram grandes amigos e trabalharam em equipe duramente até a conclusão da monumental obra pretendida.
As obras de arte que revestem as paredes da Catedral Diocesana de Jacarezinho, executadas nos anos 1950, foram pintadas em parceria pelo artista plástico fluminense Eugênio de Proença Sigaud (1899-1979) e pelo jovem artista plástico mineiro José Waldetaro Moura e Dias (na época com apenas 19 anos).
Eugênio de Proença Sigaud (natural de Porciúncula-RJ) foi um artista brasileiro conhecido por ter sido o pioneiro da Arte Moderna no Brasil e que lutou contra o academicismo predominante na sua época. Embora tivesse concluído o curso de Engenharia Agronômica em Belo Horizonte (MG) e se formado em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (RJ), teve suas atividades, por predileção, voltadas para as artes. Seguindo a temática social, vê-se em suas obras a exaltação ao operário anônimo e ao trabalhador negro utilizando a arte como uma forma de denúncia social.
A carreira artística de Eugênio de Proença Sigaud teve seu início em 1923 quando participou do Salão da Primavera da Guanabara. Com o passar do tempo o artista foi se transformando em um dos principais porta-vozes do muralismo no Brasil e, embora se autodenominasse ateu, boa parte de sua arte retratou cenas do Evangelho, particularmente do Velho Testamento.
Participou de diversos Salões de Arte Moderna sendo premiado em alguns deles ao longo de sua carreira; mas, um de seus trabalhos mais notáveis é, sem muita controvérsia, a decoração da Catedral Diocesana de Jacarezinho a qual foi realizada entre 1954 e 1957, a partir de convite feito pelo seu próprio irmão que era na época o Bispo da Diocese de Jacarezinho.
Utilizando a técnica do muralismo e influenciado pelo realismo mexicano, as cenas expostas nas paredes da Catedral de Jacarezinho retratam cenas do Evangelho, especialmente do Velho Testamento, utilizando como modelos pessoas da comunidade local. Muitas daquelas imagens lá pintadas foram sugeridas diretamente pelo jovem José Waldetaro Moura e Dias que bem conhecia a comunidade local. Naturalmente, entretanto, os dois artistas, por terem retratado figuras bíblicas com traços de habitantes locais, acabaram provocando a reação popular sendo por vezes bem criticados.
Usar pessoas das localidades em pinturas de murais de igrejas não era algo novo ou inovador haja vista que já na Idade Média assim se procedia. Todavia, é claro, que na década de 1950, no interior do Estado do Paraná, com habitantes seguindo padrões tradicionalistas, aquela postura adotada pelos pintores causou alguma estranheza chegando a chocar, em parte, muitos dos moradores de Jacarezinho. A situação ficava mais interessante ainda tendo em vista as características distintas dos dois pintores. Enquanto o mais velho era do tipo “fechado” ou introspectivo, o mais novo era muito comunicativo e fazia questão de explicar aos habitantes as escolhas que se faziam na medida que os trabalhos eram sendo executados.
José Waldetaro Moura e Dias inclusive fazia questão de contar a quem quisesse saber que trabalhava com Eugênio de Proença Sigaud com Carteira de Trabalho assinada e que recebia, também, aulas de pintura regularmente; tendo por diversas vezes posado como modelo vivo para muitas daquelas figuras que ornamentam a Catedral até hoje.
Natural de Botelhos (MG), José Waldetaro Moura e Dias, nascido em 15 de dezembro de 1935, morava em Jacarezinho com a família desde a transferência de seu pai e ainda muito criança já demonstrava grande admiração pela pintura, principalmente pelo figurativo; se transformando em um artista autodidata e bem reconhecido na cidade com o passar do tempo.
José Waldetaro Moura e Dias estudou no Colégio Cristo Rei mantendo, desde cedo relações de proximidade tanto com o Bispo de Jacarezinho quanto com o Clero da Diocese de Jacarezinho. Devido a se destacar na disciplina de Desenho pela qualidade do detalhe na elaboração dos desenhos que executava nas aulas de Desenho, o Diretor do Colégio Cristo Rei, que era o Professor de Matemática e Desenho de José Waldetaro Moura e Dias e um dos reconhecidos Professores importantes do Colégio Cristo Rei, indicou o então jovem rapaz para trabalhar nas pinturas da Catedral juntamente com o mestre Eugênio de Proença Sigaud.
Antes mesmo daquela recomendação do Diretor do Colégio Cristo Rei o próprio Bispo de Jacarezinho já havia, primeiramente, recomendado ao irmão chamar José Waldetaro Moura e Dias para auxiliar nas pinturas da Catedral haja vista o bom conhecimento que possuía sobre a história da Religião Católica e por entender ser o jovem mineiro um artista plástico de talento e promissor.
Assim, José Waldetaro Moura e Dias ao mesmo tempo que aprimorava sua técnica aprendendo mais e mais com o mestre Eugênio de Proença Sigaud contribuía pintando na execução da monumental obra. José Waldetaro Moura e Dias posou, também, como modelo vivo para figuras em vários murais como, por exemplo, para o Mural “o Sermão da Montanha”, no qual é nítido perceber seu perfil inconfundível.
Na sua adolescência, sempre atento aos detalhes e com talento nato, José Waldetaro Moura e Dias viajou para Poços de Caldas (MG) visitando lá uma exposição no Palace Hotel quando teria, também, recebido lições de pintura. Em seguida, em São Paulo (SP), visitou o Ibirapuera, teve contato com outros pintores e se filiou ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) adquirindo conhecimentos sobre a Arte em geral desenvolvida até então.
Com base em ampla correspondência que manteve com o Masp nos anos seguintes, cada vez mais foi enriquecendo seus conhecimentos e iniciou estudos e releituras de obras de pintores renomados como o pintor pós-impressionista francês Henri Marie Raymond de Tolouse-Lautrec Monfa (1864-1901); o pintor francês do Romantismo Jean-Louis André Théodore Géricault (1791-1824); o pintor espanhol Pablo Ruiz Picasso (1881-1973); o desenhista, gravurista e escultor francês Henri-Émile-Benoît Matisse (1869-1954); o pintor e gravurista holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669), e o pintou impressionista francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919).
Contam, os antigos ainda vivos, que o jovem José Waldetaro Moura e Dias fazia questão de comprar seus materiais de pintura em lojas de renome que vendiam materiais algo semelhantes aos utilizados pelos grandes pintores de sua época e tudo era pago apenas com o dinheiro advindo da venda de suas próprias obras de arte. A partir daquele período, ficando conhecido na cidade, intensifica seu ritmo de trabalho aceitando cada vez mais encomendas de seus admiradores.
Em 1951, quando retornou a São Paulo (SP), participa da primeira edição da Bienal Internacional de Arte de São Paulo realizada na Esplanada do Trianon, na Avenida Paulista; a qual seria transferida para o Pavilhão da Bienal no Ibirapuera em 1962.
Mas, foi no período entre 1954 e 1957 que o enorme talento para a pintura de José Waldetaro Moura e Dias ficou muito mais evidente ao trabalhar junto com Eugênio de Proença Sigaud na pintura dos enormes e difíceis murais da Catedral Diocesana de Jacarezinho. Naquele trabalho José Waldetaro Moura e Dias completou seu aprendizado com o mestre modernista Eugênio de Proença Sigaud que fazia questão de ensinar detalhes e segredos de sua arte muralista adotando-o, na verdade, como seu único aprendiz durante toda a vida.
Também por exigência de Eugênio de Proença Sigaud, muito dos santos e anjos que são vistos hoje pintados nas paredes da Catedral de Jacarezinho possuem a fisionomia de José Waldetaro Moura e Dias. Dizem que isto se deu como prova da amizade sincera que nasceu entre os dois artistas que venceram enormes dificuldades e grandes desafios ao longo do monumental trabalho realizado. Todavia, não se encontram semelhanças de Eugênio de Proença Sigaud em quaisquer das figuras pintadas naquela Catedral.
Todavia, seguia o artista católico mineiro sugerindo pessoas específicas da comunidade de Jacarezinho para serem retratadas nos murais da Igreja uma vez que possuíam biotipos mais próximos de figuras bíblicas clássicas que conhecia. Até o prefeito da cidade na época foi escolhido como figurante a ser retratado. José Waldetaro Moura e Dias, criado em família católica, dado conhecer a história do cristianismo e por ter acesso a imagens sacras desde pequeno, influiu, então, por demais na escolha do conjunto das imagens lá pintadas.
Mas, a parte das escolhas determinantes realizadas as quais geravam consequências tanto políticas quanto culturais, José Waldetaro Moura e Dias conta que não foram poucas as grandes dificuldades enfrentadas para concluir a obra. Devido ao intenso calor e umidade no interior da Catedral, tanto quanto em razão do esforço prolongado e do desconforto gerado por se ficar horas e horas numa mesma posição nos elevados andaimes, o trabalho de pintar a Catedral foi dos mais difíceis e significativos que enfrentou durante toda a vida; mas que valeu cada uma das gotas de suor que escorreram continuamente pelo rosto e pelo corpo diante do belo trabalho completado depois.
O artista mineiro relata, também, outras dificuldades como as sucessivas crises de câimbra geradas e as constantes irritações nos olhos devido aos pingos de tintas que caiam no rosto escorrendo, inevitavelmente, para os olhos. Conta que por vezes, durante as missas, pingavam, também, às vezes, gotas de tinta nos cidadãos, pois o trabalho seguia desde cedo até a noite, sem interrupções, todos os dias, não parando sequer durante os cultos; o que gerava maior apreensão ainda. Enquanto trabalhavam ficavam os dois artistas no “maior cuidado quando as pessoas estavam lá embaixo ou simplesmente observando ou participando das missas”.
Dizia José Waldetaro Moura e Dias: “lá do alto dos andaimes, as pessoas no chão da Igreja pareciam formiguinhas andando rápido sem direção e muito frágeis; tínhamos que ter o maior cuidado então”.
O conjunto de murais pintados no interior da Catedral de Jacarezinho é formado por um total de 43 (quarenta e três) “pinturas murais” devidamente emolduradas e por um quadragésimo painel emoldurado em branco (sem pintura alguma). Segundo relatos dos antigos no correspondente espaço “vazio” era para ser pintado um mural representando a “Ressureição”. Mas, os dois irmãos não conseguiram qualquer entendimento que possibilitasse lá pintar o pretendido mural. Saliente-se, também, que mesmo sendo convidado reiteradas vezes para pintar aquele mural José Waldetaro Moura e Dias não se permitiu completar o trabalho rejeitando categoricamente os convites em respeito ao seu Professor.
É importante salientar que além dos grandes painéis pintados, as paredes internas da Catedral receberam, também, foram pintados nas paredes e colunas ornamentos especiais estilizados fazendo referências à simbologia cristã como peixes, estrela de Davi, ramos de palmeiras, flor de Liz, dentre outros. Há, também, pinturas nas paredes que lembram ramos de café; lá apresentados, certamente, para lembrar os bons tempos da rica cafeicultura na região.
Os correspondentes ornamentos tiveram, também, sugestões de José Waldetaro Moura e Dias que sempre se manteve fiel tanto às tradições religiosas cristãs quanto respeitava as tradições regionais e culturais. O próprio Bispo de Jacarezinho dizia que em muito se tranquilizava com as contribuições de José Waldetaro Moura e Dias, pois “davam à Catedral características essenciais para garantir que o conjunto da obra respeitasse o sacro e o regional com a necessária autenticidade”.
Todavia, foi a dinâmica entre Eugênio de Proença Sigaud e José Waldetaro Moura e Dias em cooperação e com trocas de vitais conhecimentos que permitiram gerar uma obra monumental que em muito transcendeu as origens individuais de ambos os artistas. A forte relação de amizade entre os pintores tornou aqueles murais da Catedral de Jacarezinho ainda mais ricos em significado e precisão.
Logo após o término dos trabalhos de pintura da Catedral Eugênio de Proença Sigaud e José Waldetaro Moura e Dias seguiram caminhos distintos e não trabalharam mais juntos pelo restante suas vidas. Eugênio de Proença Sigaud retornou para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) e continuou sua carreira artística, produzindo uma variedade de obras em seu ateliê localizado em frente à sua casa no bairro carioca de Copacabana. Participou de quase todos os Salões de Arte Moderna de seu tempo, manteve sua temática centrada na atividade operária e se envolveu em atividades sociais e culturais, refletindo seu interesse em temas sociais e urbanos
A última exposição individual de Eugênio de Proença Sigaud foi no ano de 1976. Veio a falecer no ano de 1979 sendo sepultado no Cemitério São João Batista, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, tendo seu corpo no sepultamento encomendado pelo próprio irmão que passara a Arcebispo Emérito da Arquidiocese de Diamantina em Minas Gerais.
José Waldetaro Moura e Dias por sua vez permaneceu em Jacarezinho por algum tempo depois. Como concluiu seu Curso de Ciências Contábeis e nutria apreço à Contabilidade, seguiu carreira profissional de bancário trabalhando no então Banestado (Banco do Estado do Paraná). Entretanto, durante a vida toda, paralelamente às suas atividades profissionais, continuou produzindo obras de arte especialmente pinturas à óleo sobre distintos materiais. Muitos dos quadros pintados por José Waldetaro Moura e Dias são releituras de obras clássicas dos renomados pintores que apreciava desde cedo; embora possua um acervo extenso de pinturas originais com seu estilo próprio.
A arte de José Waldetaro Moura e Dias foi moldada tanto por sua versatilidade quanto pelo dom de captar as técnicas de renomados pintores a partir de estudos minuciosos que ia realizando ao longo da vida. Há de se observar, também, que o então jovem mineiro pouco depois do término dos trabalhos na Catedral de Jacarezinho visitou o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (RJ). Foi naquele período que José Waldetaro Moura e Dias deu vazão, também, às suas habilidades de poeta e começou a divulgar seus versos.
Na obra “Pensamentos em palavras” (ISBN: 85-88925-03-6), publicada em 2003, com depósito na Biblioteca Nacional do Brasil, encontram-se alguns daqueles poemas e outros tantos que foi criando ao longo dos tempos. Aposentado como Contador, José Waldetaro Moura e Dias jamais deixou de pintar sendo estimado que o total de suas obras ultrapasse, facilmente, a casa das três mil as quais estão espalhadas pelo Brasil e por algumas localidades no exterior.
Ao longo de sua vida como artista plástico a criatividade de José Waldetaro Moura e Dias o fez se aventurar nas mais diferentes técnicas de pintura o que lhe rendeu reconhecimento e diversas premiações. Ficou conhecido como o “Artista do Banestado” devido às muitas exposições que realizou naquela Instituição. Dotado de uma insaciável vontade de criar, mesmo depois de aposentado, seguiu participando de diversas atividades artísticas tais como as edições do Concurso Banco Real (Talentos da Maturidade) contribuindo tanto nas artes plásticas com seus quadros e na literatura com seus poemas; sendo, também, várias vezes premiado.
Mas, não foram tão somente José Waldetaro Moura e Dias e Eugênio de Proença Sigaud os responsáveis pelas belas obras de arte que estão lá na Catedral Diocesana de Jacarezinho, pois tanto as esculturas quanto os quadros da Via Sacra tiveram outros importantes artistas contribuindo
As monumentais estátuas internas e externas que fazem parte da Catedral de Jacarezinho, as quais impressionam pelo realismo e pela beleza, são de autoria do escultor espanhol catalão Silvestre Blasco i Vaqué (1887-1976), nascido na pequena cidade da Catalunha (Espanha) chamada Torroja Del Priorat (famosa por sua incrível produção de vinhos).
O "trotamundos" ("viajante" ou "aventureiro"), como Silvestre Blasco ficou conhecido, já possuía 70 anos quando começou a esculpir as imagens internas e externas da nova Igreja da Capital Estudantil do Norte Pioneiro; uma árdua tarefa que levou anos para que o experiente escultor concluísse.
Silvestre Blasco desde cedo nutriu interesse pela escultura e na adolescência estudou artes na Escola Llotja (ou Escola de “la Llotja”, em catalão), em Barcelona (Espanha), tendo aulas com importantes escultores espanhóis do século XX.
Aos 20 anos, entretanto, Silvestre Blasco deixa sua terra natal e parte de forma itinerante pelo mundo objetivando aprimorar sua arte; retornando depois para criar seus filhos. Mas, de cabelos já grisalhos, aos 64 anos, Silvestre Blasco resolve novamente viajar e, no Brasil, desembarca no porto de Santos em dezembro de 1951. Após permanecer na cidade de São Paulo (SP) por algum tempo vai para Jacarezinho (PR) atraído pela possibilidade de contribuir com seu trabalho na elaboração das esculturas que ornamentaria a nova Catedral da cidade; o que de fato aconteceu e lá permaneceu até 1961.
Os antigos da cidade de Jacarezinho ainda hoje relatam lembranças de ver o velho catalão na entrada da igreja esculpindo suas estátuas sentado numa banqueta e munido de seus instrumentos de trabalho dia após dia sem sequer se importar com o entra e saí das pessoas. Relatos dão conta, também, que o artista catalão mantinha os olhos fixos no trabalho como se estivesse em outro mundo e nada parecia tirar sua atenção.
Silvestre Blasco entalhou em madeira sete grandes e belas estátuas que foram policromadas e que estão ornando o interior da Catedral de Jacarezinho. As esculturas policromadas (caracterizas por serem ornamentadas com douramentos e cores variadas) representam Santa Terezinha do Menino Jesus, Santo Antônio de Pádua, São Sebastião, São José, São Vicente Palotti, o Sagrado Coração de Jesus e a Imaculada Conceição.
Já para o exterior da Catedral, na fachada da Igreja em seu balcão central, Silvestre Blasco esculpiu quatro imagens em pedra medindo três metros e meio de altura cada e que representam Moisés, São Pedro, São Paulo e o profeta Elias. Talhou, também, em pedra, medindo quatro metros de altura, a magnífica imagem da Imaculada Conceição olhando para o céu; estátua esta que está bem acima do balcão central e postada de forma centralizada.
A despeito da qualidade e da beleza incontestável das esculturas de Silvestre Blasco seu estilo era, também, incomum para os padrões tradicionais das figuras sacras da época haja vista que suas estátuas apresentam um excesso de vestes e parecem por demais com seres humanos (e muito menos com santos). Seu estilo de arte envolveu muita expressividade emocional e dizem que se inspirou, também, em pessoas da cidade para representar aquelas imagens entalhadas. Até atualmente aquela opção de dar conotação (semelhança) humana a imagens sacras é, ainda, objeto de controvérsias. Todavia, tanto antigos moradores quanto parentes de familiares da época continuam a reconhecer naquelas estátuas fisionomias de seus conhecidos.
É importante ressaltar, entretanto, que o trabalho de Silvestre Blasco não foi isolado e de apenas um artista dado que foi auxiliado por outros dois excelentes artistas.
Embora não existam registros e pouco se saiba sobre a respectiva história, permanecendo apenas relatos verbais de pessoas ainda vivas que habitavam Jacarezinho na época da elaboração das estátuas da Catedral, coube ao morador da cidade referenciado apenas como Pablo todo o trabalho bruto de retirada da parte mais pesada e desnecessária da madeira para se esculpir depois em definitivo as referidas estátuas elaboradas.
Com as orientações de Silvestre Blasco, com tamanho e forma necessários, Pablo não apenas cortou e preparou cada uma das peças de madeira, mas, também, teria removido imperfeições como nós e rachaduras, sempre com supervisão do escultor catalão. Usando ferramentas como formões e serras, Pablo cortava a madeira e removia as partes dispensáveis de acordo com o projeto da figura a ser esculpida. Entretanto, todo detalhamento fino com cinzéis e demais ferramentas apropriadas coube apenas a Silvestre Blasco, embora o talento de Pablo fosse sempre reconhecido por Silvestre Blasco.
Além da ajuda do escultor Pablo, um dos filhos de Silvestre Blasco o auxiliou também. É sabido que o pintor Valentín Blasco (1920-1967) foi o responsável por policromar todas as imagens talhadas pelo pai. Valentín Blasco, natural de Barcelona (Espanha), vivia e trabalhava em São Paulo; chegando no Brasil em abril de 1953 com a esposa e filho para, especificamente, ajudar o pai já idoso.
A carreira artística de Valentín Blasco, mais conhecido por suas obras de arte cubista e figural, não foi longa como a do pai, pois veio a falecer com apenas 47 anos de idade. Todavia, deixou na Catedral de Jacarezinho contribuição de grande importância e beleza.
São de autoria de Valentín Blasco, também, os 14 quadros que compõem a Via-Sacra da Catedral de Jacarezinho os quais representam as 14 estações que descrevem o caminho que Jesus de Nazaré percorreu, carregando a cruz, do Pretório até o Calvário. Os quadros de Valentín Blasco sobre a Via-Crúcis ("Caminho da Cruz"), chamada Via-Sacra, foram pintados de forma figural (figurativa e realista) conduzindo os expectadores a reflexões profundas dado captarem com excelência os momentos essenciais da Paixão de Cristo. Cada um dos quadros que retratam as estações é uma verdadeira obra de arte que oferece aos fiéis conexões emocionais com a história da Paixão de Cristo e proporcionam manter vivas as tradições religiosas e culturais daquela comunidade. O talento artístico de Valentín Blasco se faz presente naqueles quadros de forma a enriquecem a decoração da Catedral de Jacarezinho, possibilitando, também, a existência de um espaço de meditação e reflexão para todos os visitantes.
Após o término dos trabalhos na Catedral de Jacarezinho cada um dos artistas envolvidos seguiu caminhos distintos. Eugênio de Proença Sigaud retornou para a cidade do Rio de Janeiro e jamais retornou à Jacarezinho.
José Waldetaro Moura e Dias permaneceu por um tempo ainda em Jacarezinho se mudando mais tarde em definitivo para a Capital do Estado do Paraná, para a cidade de Curitiba, onde criou seus filhos e se aposentou. Não se teve mais notícias sobre o escultor Pablo. Valentín Blasco faleceu pouco depois no ano de 1967.
Já Silvestre Blasco depois de 1961 permaneceu ainda na Região Norte do Paraná transferindo-se para a cidade de Londrina onde elaborou alguns trabalhos na Arquidiocese de Londrina; chegando a participar, em 1965, do 1º Salão de Arte Religiosa Brasileira, realizado na mesma cidade de Londrina. Em seguida mudou-se para São Paulo e em janeiro de 1972 retorna, com toda família, depois de mais de dez anos fora da terra natal, para a Espanha vindo a falecer em Barcelona no ano de 1976 aos 89 anos de idade.
Eugênio de Proença Sigaud, José Waldetaro Moura e Dias, Pablo, Silvestre Blasco e Valentín Blasco, cinco artistas notáveis, reunidos pelo destino, formaram uma equipe formidável, mas, em todos os aspectos, improvável. Não haveria como planejar o encontro daqueles homens para criar a obra de arte que se pode visitar na Catedral Diocesana de Jacarezinho a qual, sem dúvidas, é uma das obras de arte mais icônicas do Brasil.
O conjunto das obras de arte que compõem a Catedral Diocesana de Jacarezinho se combina com harmonia incrível com os diversos elementos arquitetônicos do estilo Românico formando um ambiente profundamente espiritual e visualmente impressionante; fantástico, na verdade.
Os Murais Modernistas são caracterizados por linhas ousadas e cores vibrantes que trazem uma energia única e contemporânea ao espaço sagrado. Representando nas imagens sacras as feições dos habitantes da cidade aqueles grandes murais refletem uma abordagem artística que renova e moderniza a iconografia religiosa tradicional sendo um marco na história da arte do Brasil.
Os Quadros da Via-Sacra são um destaque especial e proporcionam uma conexão emocional profunda com as cenas bíblicas de forma a possibilitar concentração mais íntima sobre os eventos da Paixão de Cristo; sem contar, a qualidade das obras em si mesmas.
As Estátuas, tanto as de madeira policromadas quanto as entalhadas em pedra, são marcantes e não somente mostram habilidade técnica impressionante, mas, também, são de uma vivacidade especial que as tornam mais realistas e envolventes chamando os devotos à apreciação.
A combinação dessas diversas formas de arte criou um ambiente que não somente é esteticamente impressionante, mas, também, que gerou um local profundamente espiritual sem igual. Cada elemento artístico (em conjunto com os demais, ou isoladamente) oferece aos visitantes experiência rica e multidimensional de devoção, contemplação ou admiração.
O conjunto daqueles elementos artísticos fazem da Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição de Jacarezinho um símbolo de inovação artística e de devoção espiritual, representando um ponto histórico e cultural de encontro especial entre tradição e transcendência.
*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, pesquisador, conselheiro consultivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI) do CNPq, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC) do CNPq, personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).