Pesquisa realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP investiga os desdobramentos da crítica que o filósofo, sociólogo e teórico social alemão Robert Kurz (1943 – 2012) faz dos conceitos de “valor” e de “fetichismo” – idealizados pelo filósofo Karl Marx (1818-1883) na obra O Capital – e como esses desdobramentos compõem uma crítica da modernidade.
O estudo foi desenvolvido no mestrado do sociólogo Ricardo Pagliuso Regatieri, sob a orientação do professor Ricardo Musse. A pesquisa deu origem ao livro Negatividade e ruptura: configurações da crítica de Robert Kurz (Annablume/FAPESP, 2012), obra que será lançada no dia 30 de janeiro, a partir das 18h30, na Livraria da Vila – Loja Lorena (Alameda Lorena, 1731, Jardim Paulista, São Paulo). Foram analisados ensaios de autoria de Kurz, publicados na Krisis e na Exit!
Uma das conclusões da pesquisa é que, após a morte de Marx sua teoria foi simplificada e instrumentalizada para a luta política. “É bom lembrar que nunca existiu, na obra de Marx, uma ‘receita” de como construir um outro mundo diferente do capitalismo. Mas a obra dele acabou sendo usada como estratégia política: muitos leram O Capital e fizeram uma interpretação que direcionava para um regime político”, destaca o sociólogo. Segundo Regatieri, ao longo deste processo, os conceitos de “valor” e “fetichismo” foram perdendo espaço e força.
Valor e fetichismo
Regatieri explica que “Na teoria de Marx, ‘valor’ é aquilo que permite comparar duas mercadorias. É a quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria que determina o seu valor. Já o ‘fetiche” é uma consequência disso: é como se fosse um véu que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da fabricação: as peças, os trabalhadores, o processo de produção e de venda, e somente enxergamos o produto final, que é o aparelho celular. “Então é como se o aparelho, em si, tivesse vida própria.”
O estudo mostra que os conceitos de “valor” e “fetichismo” foram atualizados por Robert Kurz e pelo Grupo Krisis. “Kurz compreende tanto a gênese da teoria de Marx dentro do campo de tensões em que ela surgiu, quanto as apropriações e os destinos que, com o nome de “marxismo”, ela historicamente experimentou”, aponta o pesquisador. O sociólogo relata que Kurz retomou os conceitos de “valor” e “fetichismo”, desenvolvendo e atualizando esses conceitos em seus textos. “Com isso, Kurz e o Grupo Krisis se colocam como continuadores do que houve de melhor na tradição da crítica do ‘valor’ e do ‘fetichismo’”, diz.
Para Regatieri, Kurz pode ser considerado como herdeiro contemporâneo da teoria crítica da Escola de Frankfurt (corrente teórica que teve início na Alemanha, no final da década de 1920, e que reuniu uma série de filósofos e cientistas sociais), evidenciando a relação da teoria de Kurz com as de Theodor Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin, intelectuais que participaram da Escola de Frankfurt.
“Kurz parte de elaborações desses autores para levar adiante tanto uma crítica do sujeito quanto uma ressignificação do conceito de fetichismo, denominada por ele de ‘história das relações de fetiche’. Vale destacar que a pesquisa sugere que Kurz desenvolve a teoria crítica numa direção bem diferente, se não oposta, àquela do filósofo Jürgen Habermas, herdeiro “oficial”, por assim dizer, da teoria crítica da Escola de Frankfurt”, destaca o pesquisador.
O colapso da modernização
Robert Kurz ficou conhecido no Brasil a partir do início da década de 1990 com o lançamento e repercussão de seu livro O Colapso da Modernização. Nos anos seguintes, passou a vir com frequência ao país para debates e conferências, além de escrever periodicamente no jornal Folha de S. Paulo, tratando de temas que iam da indústria cultural à crise do capitalismo.
“A despeito da relevante presença de Robert Kurz nos debates intelectuais no Brasil nos anos 1990 e 2000, não existia, até a realização desta pesquisa e da publicação deste livro, nenhum estudo sistemático sobre sua obra, seja no plano nacional ou internacional”, finaliza o sociólogo.
Imprensa – SEESP
Informação Agência USP de Notícias