Na edição desta semana, a revista Isto É Dinheiro publica especial sobre o plano das empresas e universidades para evitar a evasão e suprir a demanda por profissionais qualificados. A matéria, de Luís Arthur Nogueira, fala sobre o Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec), que tem como entidade mantenedora o SEESP. Confira a seguir.
Fábrica de engenheiros
Por Luís Arthur Nogueira
No fim de 2000, o brasiliense Arthur Cecílio era, aos 26 anos, um engenheiro civil recém-formado pela Universidade de Brasília (UnB), sem muitas certezas sobre o que o futuro lhe reservava. Naquela época, apenas um terço dos alunos da UnB, em média, concluía o curso de engenharia, pois a perspectiva de conquistar um bom emprego era quase nula. “Muitos colegas de faculdade desistiram da engenharia, no meio do caminho, e prestaram concurso público”, diz Cecílio, que atualmente é gestor corporativo de negócios da Tecnisa, no Distrito Federal. “Eu só consegui um emprego, naquele tempo, porque tinha uma picape para trabalhar, pré-requisito para a vaga disponível.”
Dez anos depois, o goiano Danilo Oliveira, aos 25 anos, se formaria em engenharia civil na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O quadro era completamente diferente. Não faltavam propostas de trabalho e ele optou pelo setor financeiro. Um fato, no entanto, não mudou. A evasão dos cursos de engenharia continuava altíssima. “Da minha turma de 50 alunos, apenas 19 se formaram”, diz Oliveira, que atua como analista de negócios do Itaú. Eis a primeira pista para explicar por que o Brasil ainda sofre com a falta de engenheiros. Ao contrário do que o persistente diagnóstico da carência dessa mão de obra qualificada pode levar a supor, não faltam vagas em escolas de engenharia, que poderiam estar formando o número de profissionais de que o País tanto necessita.
Segundo o Instituto de Engenharia, entidade que representa a categoria no País, o déficit atual é de 800 mil engenheiros. “Mas não podemos pensar em criar mais escolas na área”, diz José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Segundo o professor Cardoso, somando todas as faculdades, há cerca de 300 mil vagas no primeiro ano. Potencialmente, se nos próximos cinco anos o Brasil mantivesse a entrada de alunos nesse patamar, em 2018 haveria quase 1,5 milhão de alunos estudando engenharia. Vagas e matrículas, no entanto, não significam necessariamente gente formada. Numa conta simples, é possível perceber que a evasão supera os 50%. Em 2007, quase 114 mil alunos ingressaram em cursos de engenharia. Cinco anos depois, apenas 45 mil deles receberam o diploma (veja quadro "Graduação em alta"). Para o governo federal, esse quadro já está mudando. “Estamos incentivando o ensino da matemática no ensino médio”, diz o ministro da Educação, Aloizio Mercadante (leia entrevista ao final da reportagem). “Um dos caminhos é a olimpíada de matemática, com 20 milhões de alunos.” Investir no ensino médio é, de fato, imprescindível. “As escolas de engenharia estão gastando o primeiro ano para ensinar fundamentos de matemática, física e química”, diz Aluízio de Barros Fagundes, presidente do Instituto de Engenharia. Ainda assim, muitos universitários não conseguem acompanhar o ritmo das aulas e se transferem para outros cursos, como administração, economia e direito. Mas há mudanças simples que poderiam reter os jovens nas universidades. Uma delas envolve a grade curricular que, segundo jovens e veteranos, é muito pesada nos dois primeiros anos. “Tenho pesadelo das aulas de cálculos até hoje”, afirma o brasiliense Arthur Cecílio, que se formou há 13 anos. “Nas universidades americanas, a matemática e a física ficam distribuídas ao longo do curso”, diz Cardoso, da Poli-USP. Outra barreira que precisa ser superada é a distância do conteúdo da academia com o que o mercado de trabalho procura.
A necessidade de uma transformação profunda nos cursos foi, nos últimos dez anos, tema de intensos debates no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp). Diante da lentidão das universidades para promover alterações, o sindicato decidiu investir R$ 10 milhões na fundação do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec), que terá o primeiro curso de engenharia da inovação do País, a partir de agosto. O primeiro diferencial do curso de Inovação é o fato de ele ter sido criado a “quatro mãos” com o setor privado. “Tivemos os olhos das empresas para construir o currículo”, diz Murilo Pinheiro, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp).
A Embraer foi uma das empresas convidadas a colaborar na formação da grade de aulas. O vice-presidente-executivo de pessoas da fabricante de aeronaves, Jackson Schneider, que tem cerca de 3,5 mil engenheiros sob sua gestão, conhece bem as dificuldades na hora de recrutar trabalhadores. “Nós contratamos profissionais de outras áreas, que passam por um treinamento específico de aeronáutica”, diz Schneider. Com o ambicioso objetivo de ter uma evasão zero, o curso do Isitec prevê uma melhor distribuição da carga de matemática e física ao longo dos cincos anos, seguindo o modelo americano. “Vamos dosar, desde o começo, as matérias básicas com as matérias profissionalizantes”, diz Antonio Octaviano, diretor-geral do Isitec.
O grupo alemão Voith, que fabrica máquinas e equipamentos no Brasil, também ajudou na elaboração do conteúdo programático. “Um curso inovador proporciona uma vantagem ao aluno no mercado de trabalho”, diz Edgar Horny, presidente do Conselho Regional da Voith. Na mesma linha do Isitec, a escola de negócios Insper, de São Paulo, e a unidade da USP de São Carlos, no interior paulista, estão modernizando o ensino. Esta última chegou a convocar o astronauta Marcos Pontes para montar o novo curso de engenharia aeroespacial, inserindo matérias de humanas. “Incluí aulas de gerenciamento de pessoas e de projetos”, diz o astronauta. “Não tem jeito, mais cedo ou mais tarde esses engenheiros estarão liderando equipes.” A Insper, por outro lado, está criando um curso para formar engenheiros empreendedores.
MÃO DE OBRA ESTRANGEIRA No curto prazo, a carência de engenheiros no Brasil tem intensificado o debate sobre a importação de profissionais. Nos anos 1970, o Brasil atraiu uma leva de engenheiros do Exterior quando as montadoras estavam a pleno vapor. Hoje, o momento é propício para um novo ciclo de imigração. Mesmo assim, o tema é visto com desconfiança pelas entidades do setor. “Importar mão de obra é apenas um paliativo”, diz Sergio Watanabe, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP). “Quando a situação econômica melhorar lá fora, esses profissionais podem simplesmente deixar o Brasil.” Outra preocupação é a barreira da língua. “Tem engenheiro sobrando na China e na Índia, mas o idioma inviabiliza a importação”, diz Aluizio Fagundes, presidente do Instituto de Engenharia. O Secovi-SP, que representa as empresas do setor imobiliário, tem recebido demanda para trazer profissionais da Argentina, de Portugal e da Espanha. O problema é a burocracia desse processo. “O visto de emprego pode demorar até dois anos para sair”, diz Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP. “Fazer com que os engenheiros convertam o seu diploma é mais complicado ainda.”
Razões para vir ao Brasil não faltam. Além das dificuldades econômicas em seus países de origem, os estrangeiros estão de olho na remuneração oferecida no Brasil. Um levantamento feito pela consultoria global de gestão de negócios Hay Group mostra que os salários continuam num patamar elevado, após um boom de reajustes entre 2008 e 2010. “A construção civil paga tão bem quanto qualquer área, incluindo salários e benefícios”, diz Alexandre Pacheco, gerente da Hay Group, em São Paulo. Um salário-base de recém-formado, ou engenheiro júnior, supera os R$ 5,5 mil (veja quadro "Bem remunerado"). Para a categoria sênior, a remuneração chega, em média, a R$ 9 mil, sem contar bônus e benefícios. Mas quando trocam o capacete pelo terno e gravata, para assumir cargos de gestão, o céu é o limite. Pacheco, da Hay Group, não tem dúvidas de que os ventos estão mais favoráveis do que nunca para quem trilhou essa carreira. “Se o Brasil voltar a crescer 3,5% ao ano, não faltará espaço para os jovens engenheiros”, afirma.
Para quem viveu o drama da década de 1990 e do início dos anos 2000, como o engenheiro Arthur Cecílio, o quadro atual é um paraíso. “Hoje, ninguém mais pede uma picape no currículo”, diz Cecílio. Para as empresas, a falta de mão de obra representa um custo. Se os cálculos do governo e das entidades privadas estiverem corretos, a fábrica de engenheiros estará operando a pleno vapor em até cinco anos, estabilizando a relação entre oferta e demanda.
“A Engenharia já ultrapassou o Direito”
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diz à DINHEIRO que a dificuldade com exatas é um problema do Ocidente
Por Denize BACOCCINA
As empresas reclamam que têm dificuldades em contratar engenheiros. O que o governo está fazendo para mudar esse quadro?
Ainda formamos menos gente do que precisamos, mas os números vêm melhorando. Há uma forte demanda pelos cursos de engenharia. Depois da paralisação do mercado nas décadas de 1980 e 1990, houve uma grande mudança no mercado de trabalho. Isso é resultado do período de estabilidade e crescimento econômico. Pela primeira vez, o número de alunos de engenharia ultrapassou o número de estudantes de direito.
Mas a evasão nos cursos ainda é muito elevada...
De fato, muitos não concluem o curso, desmotivados pela dificuldade no ensino de matemática e estatística. Outros são procurados por empresas, conseguem emprego antes do fim do curso e não chegam a concluir. De qualquer maneira o número de novos alunos está aumentando muito e o de formados nunca foi tão elevado. No Fies, o financiamento estudantil, de 600 mil contratos em andamento, 119 mil são para cursos de engenharia.
O que o governo está fazendo para evitar que as pessoas desistam do curso?
Estamos incentivando o ensino da matemática no ensino médio. Uma das maneiras é a olimpíada de matemática, que terá sua nona edição neste ano, com 20 milhões de alunos. Temos uma dificuldade com exatas, nossa vocação é para a área de humanas. É um problema do Ocidente. Os Estados Unidos também estão passando por isso.
E como está o ensino de pós-graduação nessa área?
O programa Ciência Sem Fronteiras, que financia bolsas no Exterior, dá prioridade para cursos de engenharia e de outras áreas de ciências. Temos que aumentar a proporção de mestres e doutores nessa área. Dos 14,5 mil mestres no Brasil, 14% são da área de engenharia. Entre os 9,5 mil doutores, 13% são de engenharia.
Qual o papel das empresas nesse processo?
Estamos trabalhando junto com as empresas e as universidades, no Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), para reformular os currículos e tornar os cursos mais atraentes. Na engenharia civil, por exemplo, precisamos desenvolver novas tecnologias para deixar a época do tijolo e barro. Precisamos aproximar mais as escolas de engenharia do mundo da produção.
Fonte: Istoé Dinheiro