Tenho me batido há algum tempo contra esta visão equivocada de que há um apagão de talentos ou um apagão de mão de obra no Brasil. Nós temos, isto sim, um processo de reconstrução de uma comunidade de engenharia que foi desmantelada nos anos 80 e 90.
Há alguns dias, tive a chance de participar de uma mesa-redonda promovida pelo Programa de Engenharia Química (PEQ) da COPPE-UFRJ. Esta mesa-redonda reuniu ex-alunos do PEQ e foi organizada como parte das comemorações pelos 50 anos do PEQ e da própria COPPE.
Um dos assuntos discutidos foi justamente o da colocação no mercado dos egressos da COPPE e, mais especificamente, do Programa de Engenharia Química. O PEQ tem hoje algumas dezenas de alunos de Mestrado e de Doutorado e que estão tendo a chance de se envolver em problemas de altíssimo conteúdo tecnológico. Exatamente neste ambiente, que teria tudo para ser uma fábrica de talentos para suprir qualquer gap de mão de obra na área da engenharia química, existe um clima de dúvida entre muitos dos alunos. Muitos ainda têm dúvida se realmente valeu à pena investir tanto na carreira técnica e se eles realmente vão conseguir colocações no mercado que sejam compatíveis com o nível de conhecimento que adquiriram ao longo de uma década dentro da universidade.
O que o nosso mercado de trabalho tem para oferecer para estas pessoas? Bem, por uma evidência empírica, a dúvida procede. Pode ser até que haja demanda para estas pessoas, mas, neste caso, alguma coisa está faltando na conexão entre estas demandas e a oferta destas pessoas altamente qualificadas.
Tenho certeza que, como na COPPE (que fica a poucos metros do Cenpes e do Parque Tecnológico onde estão sendo instalados os centros de tecnologia de várias empresas multinacionais), questionamentos semelhantes existem em outros centros de excelência Brasil afora. Lembro-me, pelo menos, de ter ouvido exatamente o mesmo questionamento na Universidade Federal de São Carlos e na Universidade Federal de Campina Grande.
Explorando um pouco mais a situação da graduação e deixando um pouco de lado a pós-graduação, eu tenho a facilidade de acompanhar um caso bem interessante que é o do IME (Instituto Militar de Engenharia). Eu me formei por lá e sempre acompanho os brilhantes resultados que todos os cursos de engenharia costumam ter nos exames de avaliação do ensino superior no país. Mas fico sempre perplexo com o alto percentual de alunos do IME que acabam optando por carreiras fora da engenharia.
Mesmo tendo tido um ensino de excelência e mesmo sendo, em muitos casos, alunos que se acostumaram a participar e a conquistar títulos em Olimpíadas Nacionais e Internacionais de Matemática, Física, Química e até Astronomia, muitos alunos do IME acabam optando por carreiras no mercado financeiro.
É preciso entender o que está por trás da decisão destes alunos. A questão salarial já foi problema um dia, mas acho que este não é mais o caso. De certa forma, os salários de engenheiros subiram consideravelmente e, hoje, a carreira não teria problemas de atratividade neste aspecto.
Mas tenho para mim que muitos alunos ainda sentem uma grande insegurança de trilhar uma carreira mais técnica em um país que ainda não está adequadamente estruturado para valorizar o talento técnico. Pensando no longo prazo, opções no serviço público, no mercado financeiro e no mercado de consultoria (os três maiores competidores da engenharia no caso do IME) oferecem uma clareza maior e uma valorização mais perceptível.
A própria incerteza que estamos vivendo neste momento no mercado de óleo e gás contribui muito negativamente para a formação de opinião destes talentosos jovens que poderiam fazer a opção pela carreira de engenharia.
Na visão deles (e de todos nós), passamos por duas décadas terríveis, conseguimos nos reerguer na segunda metade dos anos 2000-2010, mas já estamos novamente enfrentando um momento de dúvidas e incertezas. E, se esta insegurança é aplicável ao presente e ao curto prazo, o que dirá do médio e do longo prazo, quando já tiver passado, por exemplo, a grande oportunidade representada pelas Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Em resumo, o processo de reconstrução da engenharia nacional está sendo levado adiante. Muita coisa foi feita, erros foram cometidos, mas acho que o balanço tem sido positivo até aqui. O apagão de mão-de-obra e a falta de engenheiros é muitas vezes apontada como um grande gargalo para todo este processo, mas, a rigor, esta formação de recursos humanos é justamente a essência de todo o processo que está acontecendo.
E cenários como este que observamos em centros de excelência como a COPPE e o IME são, no mínimo, inquietantes. E eles devem nos fazer pensar. Pensar e agir.
Cabe ao mercado e às empresas uma fatia do dever de casa neste processo de reconstrução. A importação de profissionais feita com bom senso e com um pano de fundo de formação de talentos brasileiros pode ser muito benéfica para todos. Mas focar apenas no problema de curto prazo e adotar soluções simplistas que só são viáveis em função da crise internacional (e, em especial, na Europa) é a receita certa para jogarmos fora a grande oportunidade que o Brasil tem hoje pela frente.
* por Luiz Eduardo Rubião, presidente da Radix – Engenharia e Software
Imprensa – SEESP