No País, as doenças cardiovasculares são uma das principais causas de óbito, correspondendo a quase 300 mil mortes por ano, segundo dados de 2010 do Ministério da Saúde. Entre essas, as por insuficiência cardíaca somam aproximadamente 32 mil. “Muitos desses pacientes poderiam ter sobrevivido se submetidos a transplante de coração, mas perto de 30% não conseguem esperar na fila e acabam falecendo”, observa o engenheiro mecânico e professor Oswaldo Horikawa. Uma alternativa a esses seria um coração artificial que lhes desse mais tempo. No entanto, a solução é para poucos, tendo em vista o alto custo, de cerca de US$ 200 mil. A cifra é inacessível à grande maioria da população brasileira, e o avanço tecnológico não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por planos de saúde privados.
Essa realidade, todavia, poderá mudar com o primeiro coração artificial em desenvolvimento no País que será totalmente implantável – diferencial em relação a iniciativas similares existentes. O dispositivo nacional deverá custar aproximadamente R$ 20 mil. O projeto está a cargo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), que trabalham na criação de uma bomba cardíaca que permite maior tempo e qualidade de vida aos pacientes.
Segundo o professor José Roberto Cardoso, diretor da Poli e coordenador da pesquisa, o dispositivo de assistência ventricular (DAV) ainda precisa passar por mais testes em animais, antes de chegar à fase com humanos. Horikawa acrescenta que essa etapa deverá ocorrer em dois ou três anos e que as experiências em animais serão repetidas para obter a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De maneira simplificada, o dispositivo em pesquisa é uma bomba hidráulica acionada por um motor elétrico, que será integralmente implantável no interior do corpo do paciente, com uma vida útil longa e um funcionamento robusto com riscos mínimos de falha. “Um dos aspectos que torna esse dispositivo especial é o fato de bombear sangue e, portanto, há uma série de cuidados para não causar danos às células vivas e eliminar o risco de formação de coágulos”, acrescenta Horikawa.
Eliminando riscos
Deverá existir uma forma de transmitir a energia elétrica, necessária ao funcionamento da bomba, a partir do meio externo, e de armazenar energia no interior do corpo. “Isso tudo é engenharia, envolvendo tecnologias referentes à hidráulica, acionamento eletromagnético, mancais, processos de fabricação, controle e sistema supervisório”, relaciona o professor. Uma vez construído o dispositivo, continua ele, inicia-se uma série de estudos relacionados à medicina, que vão desde técnicas cirúrgicas de implante do coração até métodos de avaliação do desempenho do dispositivo no corpo do paciente.
Segundo Horikawa, a engenharia também desenvolve o estudo de suportes ao rotor da bomba para que tenha uma longa vida útil, analisando, inclusive, formas de levitar o rotor magneticamente. “Outra contribuição importante está no sistema de controle do coração artificial, que deverá exercer papel similar à aviônica [tecnologia que garante um voo seguro aos aviões modernos], prevendo e contornando eventuais falhas ou situações de risco.” Por fim, a engenharia desenvolverá um sistema eletromagnético que transmite energia elétrica para o interior do corpo do paciente através da pele. “Isso elimina a necessidade de fios elétricos saindo do corpo do paciente, expondo-o a infecções.”
A pesquisa foi integralmente financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade de Projeto Temático, com aporte de aproximadamente R$ 1,3 milhão. Antes da parceria com a Poli, o IDPC já vinha desenvolvendo um coração artificial de diferente modalidade – com bomba que pulsa tal qual o coração natural. Também o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo vem desenvolvendo coração artificial similar. (Por Rosângela Ribeiro Gil)
Fonte: Jornal Engenheiro, da FNE, Edição 137