Nesta sexta-feira (6/12), no último dia do 2º Encontro Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), iniciado na quinta-feira (5), na Capital paulista, as seis categorias que compõem a entidade – engenheiros, economistas, farmacêuticos, odontologistas, médicos e nutricionistas – apresentaram o projeto “Brasil 2022: o país que queremos”, proposta que prevê iniciativas ao longo dos próximos nove anos, como seminários, exposições, publicações, campanhas e formação de comissões de estudos, pesquisas e ações em vários temas de desenvolvimento brasileiro. “A caminho de 2022, podemos transformar o Brasil numa sociedade do conhecimento, lutar contra a miséria e pela qualidade na saúde, na educação, na segurança, na alimentação. Tudo isso é trabalho para os nossos profissionais”, observa Allen Habert [foto ao lado], diretor de Articulação Nacional da entidade, que fez a exposição do tratado.
Fazendo um paralelo aos desafios em prol da igualdade e justiça social no país, Habert citou o líder sul-africano Nelson Mandela – morto, aos 95 anos de idade, no último dia 5 –, como um inspirador da luta que se tem pela frente, lembrando que o ex-presidente da África do Sul ficou 26 anos na prisão, sendo 16 deles numa solitária. Apesar de tudo isso, destacou o sindicalista, Mandela teve a sabedoria de fazer uma das transições mais complexas do mundo, quando terminou com o sistema de segregação racial, o apartheid, que vigorou naquele país de 1948 a 1994, ano da posse de Mandela na Presidência da República. “Ele nos mostrou que não há problema que não tenha solução.”
O projeto da CNTU foi debatido pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e pelo secretário adjunto municipal de Cultura de São Paulo, Alfredo Manevy de Pereira Mendes. Como a questão levantada foi a do desenvolvimento nacional, Guimarães fez a consideração de que nenhum país é desenvolvido ou subdesenvolvido por conta própria, isoladamente, ele assume uma determinada posição a partir das forças econômicas mundiais. Nesse sentido, o Brasil não pode ter como objetivo ser igual a esta ou aquela nação, “ele não pode aspirar ser um país pequeno”. Por isso, observou que todos os projetos devem fazer um diagnóstico sobre “de onde estamos, para onde vamos e como vamos”.
Processo político plutocrático
Guimarães [foto ao lado] relaciona o desenvolvimento econômico de um país à questão cultural. “É na política que são feitas as normas da sociedade, que definirão programas e recursos”, ressalta, expondo que no caso brasileiro o processo político é plutocrático, ou seja, o poder econômico é quem faz e dita as regras. “É ele quem vai indicar candidatos e definir os projetos.” E completa: “Cabe às instituições de classe, como a CNTU, pressionarem nesse processo.”
Para que haja crescimento econômico, observa, é necessária a combinação de alguns fatores, entre eles, processos político e econômico adequados e aumento da capacidade produtiva em várias áreas, como industrial, de mineração, de serviços, de infraestrutura. Guimarães diz que a grande característica brasileira ainda é a desigualdade social, onde quase 13 milhões de famílias estão na miséria. Ele critica que se o salário médio nacional é de R$ 1.500,00, na outra ponta estão as instituições financeiras com altos rendimentos. “No último trimestre, o Itaú teve R$ 13,5 bilhões de lucro, que não vão ser investidos no banco, mas vão para os acionistas.”
Todavia, prossegue com o seu raciocínio, o país ainda enfrenta, além da econômica, vários tipos de desigualdades: étnica, de gênero, de regiões e cultural. Aqui, Guimarães mostra que é na área cultural, e não educacional, que se formam as visões de mundo das pessoas que compõem uma sociedade, que farão a disputa, ou não, de projetos no campo político. “E essa formação da visão e, portanto, os projetos políticos, sociais e econômicos, depende de grandes conglomerados da informação." Infelizmente, reclamou, o grande “formador cultural” do nosso país é a televisão.
A cultura e o desenvolvimento
O secretário municipal de Cultura reforçou que o país deve pensar o seu desenvolvimento juntamente com a questão cultural, que ele apresenta em três dimensões. A primeira é a simbólica: “É aquilo que nos identifica como brasileiros e nos distingue de outros povos e que nos coloca o desafio de zelar pela nossa diversidade cultural e pela complexidade da sociedade brasileira.” Mendes observa que temos diversos aportes culturais, quase 220 línguas faladas em território nacional e mais de 180 povos indígenas que compõem a sociedade brasileira, que a torna uma das mais ricas do mundo. Ele mostra preocupação com o desenvolvimento econômico que cria uma classe média – que está nas grandes cidades, principalmente –, que pode perder essa diversidade, por isso defende afirmar essa diversidade como premissa para o desenvolvimento nacional, para que o Brasil não eleve o seu padrão de renda ou de consumo ao mesmo tempo em que se empobrece culturalmente.
A outra dimensão é a da cultura como direito da cidadania de se ter acesso ao repertório cultural do país e do mundo. Para mostrar como o Brasil é deficitário nessa questão, Mendes [foto ao lado] apresenta alguns índices de pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008, que revelou o fosso e a exclusão cultural no país: apenas 10% dos brasileiros vão ou já foram alguma vez na vida no cinema, 90% nunca foram a uma sala de cinema; em torno de 13% já foram a um museu; de 10% a 15% já frequentaram um centro ou outro equipamento de cultura. Entre as 5.500 cidades brasileiras, apenas 10% têm centros que oferecem programação cultural. São números preocupantes, sentencia, que indicam o desafio de um projeto para esse novo momento nacional. “Os números apontam para um verdadeiro abismo, um apartheid do ponto de vista de acesso às estruturas culturais em nosso país.”
Para ele, essa é uma questão estratégica, porque a única estrutura cultural presente em mais de 90% das cidades e dos lares brasileiros, é a televisão aberta. “Mudar esse cenário é um tema fundamental, investir numa infraestrutura cultural é vital para a nossa cidadania”, conclama e questiona: “Como é que o Brasil pode se tornar um país desenvolvido tendo quase 90% da sua população sem acesso à estruturas culturais diversificadas?”
A última dimensão é a econômica. O Brasil tem uma arte e uma grande cultura, por isso precisa ter uma estrutura para que a riqueza criada a partir desse conteúdo seja revertida para o próprio país, se transformando em benefício para o povo brasileiro. É preciso uma política estratégica de Estado e uma incorporação mais funda na sociedade brasileira do lugar que a cultura tem nesse novo momento, senão vamos abrir mão de um artigo que vale ouro e que é decisivo para característica do “ser” brasileiro e que pode afirmar o país como um polo cultural do planeta. Para ele, o crescimento da economia com desenvolvimento cultural tornará o Brasil mais forte, mais soberano e mais independente.
Internet democrática e saudável
Mendes destaca a importância das redes digitais para mudar um pouco esse quadro de soberania da televisão no processo de produção e distribuição de cultura no país. “A internet, sem dúvida nenhuma, talvez seja um dos meios que mais permita acesso a repertórios culturais diversificados de várias origens do Brasil e do mundo.” Informa que a internet atualmente está sob uma disputa importante em cima do seu marco civil. “Esse acesso está hoje sob ameaça por legislações que visam transformar o meio num espaço de controle econômico no modelo tradicional de compra e venda de cultura”, adverte, exemplificando com os casos de países da Europa, como França e Alemanha, que aprovaram regulamentações que transformaram a internet num lugar proibitivo, onde a única forma de compartilhar filmes, músicas e outros conteúdos é pelas regras da indústria cultural clássica, “e isso tem criado um ambiente hostil para os usuários. O Brasil não deve seguir esse modelo”.
Os trabalhos dessa mesa foram coordenados por Welington Moreira Mello, diretor de finanças da CNTU.
* Aqui mais fotos dessa atividade
Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa - SEESP