logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

×

Atenção

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 69

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 71

03/02/2014

Curiosidade é essencial ao jovem pesquisador, diz vencedor do Nobel

Foi durante o ensino médio que o biofísico alemão Erwin Neher, hoje com 69 anos, ficou fascinado com a ideia de que pelas células do corpo humano percorriam correntes elétricas. O desejo de compreender melhor esse fenômeno o direcionou para a carreira científica. Graduou-se em Física no início dos anos 1960 pela Universidade Técnica de Munique (Technische Universität München), na Alemanha. Fez o mestrado em biofísica pela University of Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e, de volta a Munique, começou a estudar a transmissão de impulsos nervosos em células de caracóis durante o seu doutorado.

O trabalho o levou ao Max Planck Institute of Psychiatry, onde na época estavam sendo investigados mecanismos sinápticos em neurônios de moluscos. Nesse período, conheceu o fisiologista Bert Sakmann, que se tornou um amigo e parceiro no desenvolvimento de um método revolucionário capaz de medir corrente elétrica em células, conhecido como patch-clamp.

Em linhas gerais, a técnica consiste em isolar um pedaço da membrana celular com uma micropipeta de vidro com um eletrodo em seu interior. A corrente que flui pela micropipeta é a mesma da membrana celular e, aplicando uma tensão conhecida, torna-se possível fazer a medição.

Neher e Sakmann conseguiram, dessa forma, provar algo debatido na ciência havia muito tempo: a existência dos canais iônicos – proteínas presentes na membrana celular que funcionam como túneis ligando o interior e o exterior da célula e permitindo a passagem de íons, como potássio, sódio e cálcio, por meio dos quais passa a corrente elétrica.

Os pesquisadores isolaram, pela primeira vez, um minúsculo canal iônico e decifraram assim a comunicação celular. Os primeiros resultados foram publicados em 1976, em um artigo na revista Nature. Após alguns anos de aperfeiçoamento, a técnica se tornou sensível o suficiente para registrar até as mais discretas alterações na corrente elétrica, o que possibilitou realizar pesquisas de eletrofisiologia com células de mamíferos.

O patch-clamp – que nunca chegou a ser patenteado – é usado até hoje em laboratórios de todo o mundo. Contribuiu para o entendimento de diversas doenças relacionadas ao mau funcionamento de canais iônicos, como fibrose cística, fibromialgia e um tipo de arritmia hereditária conhecido como síndrome de Brugada.

Ao longo de sua carreira, Neher ganhou diversos prêmios – entre eles o Leibniz Award, em 1986, considerado o mais importante na área da ciência na Alemanha. O reconhecimento internacional veio em 1991, quando ele e Sakmann foram contemplados com o Nobel de Medicina. Atualmente, Neher é pesquisador do Max Planck Institute for Biophysical Chemistry, em Göttingen, na Alemanha, onde coordena um grupo de pesquisa sobre biofísica de membrana.

De passagem por São Paulo – onde proferiu, nos dias 29 e 30 de janeiro, palestras durante a programação da exposição científica Túnel da Ciência Max Planck –, Neher concedeu uma entrevista à Agência FAPESP, na qual falou sobre as pesquisas do passado, do presente, sobre a importância da comunicação científica e sobre o que chama de “estilo de vida da ciência”.

Agência FAPESP – Quando o senhor se descobriu cientista?
Erwin Neher –
Desde criança eu tinha muito interesse pela natureza e por tecnologia. Desmontava rádios e relógios e depois tentava montar novamente para entender como funcionavam. Mas foi pelos 16 ou 17 anos que fiquei fascinado com a ideia de que no corpo humano havia corrente elétrica, embora naquela época ainda não fosse possível medi-la. Comecei a me interessar pelas ideias relativamente novas dos britânicos Alan Hodgkin [1914-1988] e Andrew Huxley [1917-2012] sobre geração de potencial de ação [impulsos nervosos]. E também pela bioinformática, na época chamada de cibernética. No fim do ensino médio, quando chegou a hora de escolher um campo de estudo, eu estava dividido. Não sabia se começava pela Física ou pela Biologia para depois seguir para a Biofísica. De alguma forma, a decisão foi pela Física. Estava fascinado pela ideia de estudar fenômenos elétricos no interior das células.

Agência FAPESP – Começar pela Física foi a escolha acertada?
Neher –
Bem, com isso eu deixei de aprender certos detalhes sobre a Biologia, principalmente sobre a neuroanatomia, e isso foi um obstáculo para entender certos artigos científicos que me interessavam. Por outro lado, tive um bom embasamento sobre as leis da física que regulam tudo o que ocorre dentro das células. A base em Física também me deu confiança para desenvolver modelos de estudo, me ajudou a antever quais tipos de simplificações poderiam ser feitas para estudar um certo fenômeno. Além disso, o conhecimento sobre equações diferenciais e integrais é fundamental para entender reações químicas e isso não aprendemos no currículo básico do ensino médio alemão.

Agência FAPESP – Mas o interesse em Biofísica teve alguma relação com o que o senhor aprendeu na escola?
Neher –
Não. Na escola tínhamos apenas as disciplinas clássicas. O interesse em cibernética e em impulsos nervosos surgiu por causa de minhas leituras extraclasse.

Agência FAPESP – Se hoje fosse um jovem cientista escolheria o mesmo campo de estudo?
Neher –
Acredito que sim. Biofísica é um tema muito bom. Penso que explicar os processos complexos da vida com base nas leis da Química e da Física é um dos grandes desafios que temos à frente. Talvez hoje eu estivesse mais inclinado a trabalhar, por meio da bioinformática, com essa enorme quantidade de informação genômica disponível. Um dos meus filhos está indo nessa direção.

Agência FAPESP – É a primeira vez que o senhor visita o Brasil? O que conhece sobre o cenário da ciência brasileira?
Neher –
Já estive outras duas vezes no país. A primeira foi em 2005, quando dei uma palestra a convite da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular. Em 2007, participei do simpósio inaugural do Instituto Internacional de Neurociências de Natal [Edmond e Lily Safra]. Mas não conheço bem o cenário científico brasileiro e não tive colaborações formais com pesquisadores daqui. Tenho a noção de que a ciência está se desenvolvendo rapidamente no país, particularmente em São Paulo, onde há bom suporte financeiro. Penso que o Brasil está em um bom caminho.

Agência FAPESP – Como está o cenário na Alemanha e na Europa com a crise econômica?
Neher
– A maior parte da Europa tem alguma dificuldade, principalmente Espanha, Itália e – em menor grau – França. Mas a Alemanha tem se saído bem durante esse tempo, pois o país passou por reformas bastante severas no sistema social e no financiamento à pesquisa. Temos um bom suporte à pesquisa e a grande vantagem da economia alemã é ter uma indústria muito competitiva de carros e muitas indústrias de porte médio que fabricam equipamentos para fábricas. Durante esses anos da crise, houve uma demanda grande por esse tipo de equipamento pelos países do Bric [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China ]. Isso nos coloca em uma boa posição e o governo – nos últimos cinco anos – manteve sua promessa de aumentar anualmente o financiamento à pesquisa. Podemos dizer que somos afortunados.

Agência FAPESP – Já que o senhor mencionou o tema educação científica, acredita que o ensino e a divulgação científica são atividades que devem fazer parte da carreira de um cientista?
Neher –
Claro que os cientistas devem fazer um esforço para explicar ao público como o dinheiro está sendo gasto. Também devem contribuir para recrutar jovens cientistas e torná-los interessados em sua pesquisa. Mas nem todo bom cientista é um bom comunicador; não podemos esperar que todos façam isso. Alguns são bons professores, outros apenas entediam sua audiência com detalhes sobre sua pesquisa. E isso não é bom. Por outro lado, na Alemanha, temos um jornalismo científico muito elaborado, com pessoas engajadas e treinadas para comunicar e fazer as coisas parecerem mais interessantes. Minha posição é: sim, é importante divulgar a ciência, mas sem tornar cansativo para o público e sem gastar todo o tempo do cientista com divulgação.

Agência FAPESP – Qual conselho daria aos jovens pesquisadores brasileiros?
Neher –
Para um cientista, é realmente importante ser cativado por um problema e isso significa estar constantemente pensando a respeito desse assunto. É o que chamo de estilo de vida da ciência. Claro que é impossível fazer isso 24 horas por dia; é preciso dormir, interagir com a família e tudo o mais. Mas, pelo menos, sempre que estiver sozinho, nos momentos tranquilos, deve-se pensar sobre seu problema, avaliar os experimentos de seu laboratório em um outro contexto, comparar os resultados com sua hipótese e tentar buscar soluções de diferentes ângulos. O jovem pesquisador deve avaliar se tem essa curiosidade que o cativa. Em seguida, deve avaliar se o problema que o instiga é pelo menos importante o suficiente para lhe prover o sustento. Afinal, não se vive de ar. Uma vez que esses dois requisitos forem atendidos, deve verificar se tem as habilidades que o tornam capaz de alcançar seus objetivos.


 

Fonte: Agência Fapesp – Por Karina Toledo









Lido 2278 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda