“Estamos criando empregos e fronteiras tecnológicas para os outros.” A afirmação é feita por Artur Araujo, consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – lançado pela FNE em 2006 –, para explicar a perda de oportunidades gerada pela falta de uma política industrial brasileira voltada ao setor aéreo. O tema deve estar em pauta na nova etapa de discussões da plataforma apresentada pelos engenheiros ao desenvolvimento sustentável nacional, com inclusão social, a ser lançada em junho.
O Brasil, como observa Araujo, passou, nos últimos dez anos, de um patamar de 35 milhões de passageiros/ano para 105 milhões. “É algo absolutamente inédito em termos de aviação, ou seja, há um potencial que obviamente obriga a uma demanda por aeronaves, por manutenção, por equipamentos”, enfatiza. A despeito disso, e de o País ter a terceira maior fábrica de aviões do mundo – a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) –, está importando de 60% a 90% dos equipamentos para atender o setor. A informação consta de estudo encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a pesquisadores das universidades estadunidenses Duke e Massachusetts Institute of Technology (MIT), divulgado em reportagem do jornal Valor Econômico, de 13 de fevereiro. Significa que o Brasil está praticamente fora da cadeia global de produção de aeronaves, um mercado que, de acordo com os dados apurados em final de 2012 e março de 2013, movimenta cerca de US$ 130 bilhões. Consequentemente, diz o consultor do “Cresce Brasil”, fica completamente dependente do fornecimento externo e de eventuais oscilações na relação cambial e na balança de pagamentos. Cenário que pode barrar a continuidade da expansão experimentada até agora.
Tratando-se de um setor de ponta tecnológica, que poderia repercutir em valor agregado a sua economia e empregos de qualidade – inclusive para engenheiros –, Araujo considera que deveria se dar atenção a isso. “Nosso problema é que estamos com baixa capacitação tecnológica e não existe uma política definida de incentivos para a criação de uma rede de suprimentos à indústria aeronáutica.” Essa é a realidade enfrentada pela maioria das 150 empresas que compõem o segmento nacional, ainda segundo o estudo encomendado pela CNI.
Araujo dá um exemplo do impacto que uma mudança positiva nessa trajetória poderia trazer. O governo brasileiro anunciou, em 18 de dezembro último, a compra de 36 caças suecos Gripen para compor a frota da Força Aérea Brasileira (FAB). “Não é projeto brasileiro e boa parte da fabricação virá daquele país, mas fez parte do pacote que a montagem e parte da produção de componentes venha para cá. Mesmo sendo um projeto de parceria, essa transferência tecnológica vai impactar em um novo polo de atendimento”, ilustra o consultor do “Cresce Brasil”.
Prioridade
Para Araujo, no desafio de consolidar uma cadeia produtiva nacional, a política industrial pensada deve, num primeiro momento, garantir subsídio e proteção às empresas nascentes. “É necessário uma linha específica de financiamento via instituições financeiras públicas, como BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas também um esforço por parte do empresariado de se capacitar. A própria Embraer tem um programa interno nesse sentido. Ela tem interesse em criar uma rede nacional de fornecedores.” Ademais, é mister desenvolver um parque especializado brasileiro de manutenção de equipamentos e aeronaves – hoje feita nos Estados Unidos ou Europa.
Outra fronteira tecnológica que o Brasil está deixando de explorar – e deveria rever – é o segmento de aviação agrícola, aponta Araujo. Num país cuja dimensão continental torna necessário o uso de pequenas aeronaves no agronegócio, seria possível ter “um senhor parque de suprimentos para isso, não só à pulverização e controle de pragas, mas ao espalhamento de sementes”.
Isso teria repercussão imediata, por exemplo, na procura por cursos de engenharia aeronáutica, a cuja formação o País já conta com um centro de excelência em São José dos Campos (SP). A que isso ocorra, contudo, é fundamental dar prioridade ao setor – estratégico, seja por seu papel na defesa e na soberania nacionais, como “por estar sempre ligado à tecnologia de ponta”.
Ele lembra que o Brasil “começou enxergando isso, quando desenvolveu a Embraer, mas depois parou”. Inclusive abriu mão da empresa como patrimônio público, com sua privatização em 1994. Durante algumas décadas, explica, o País tomou a decisão de não ter política industrial, rezando a cartilha da escola econômica neoliberal, que pregava o domínio do mercado e a não intervenção estatal. “Essa barreira intelectual e ideológica é muito difícil de superar. Mesmo com a ascensão ao governo de um grupo de gestores que pensa diferente, ainda não houve, no caso da indústria aérea, prioridade.”
Ao se debruçar agora em apontar esse gargalo, o “Cresce Brasil”, na sua concepção, vai motivar debates acerca da questão e possibilitar avanços nesse sentido. Araujo aponta pelo menos 12 macrotemas que podem balizar a discussão e nortear a proposta: transporte de cargas de alto valor, de alta sensibilidade ou de grande perecibilidade; tecnologias de controle de voos; desenho otimizado de redes logísticas; aviação regional e executiva; cadeia de suprimentos e processos para manutenção de aeronaves; cadeia de insumos para fabricação de equipamentos aeronáuticos, com ênfase em avionics (sistemas eletrônicos à navegação e comunicação); biocombustíveis; indústria de materiais especiais (ligas metálicas, plásticos etc.); indústria bélica e aviação militar; tecnologia para comercialização de passagens e fretes aéreos; produção de estruturas temporárias para picos de demanda; e aviação agrícola. (Por Soraya Misleh)
Fonte: Jornal Engenheiro, da FNE, Edição 142/MAR/2014
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