Entidades do movimento negro e ativistas antirracistas saem às ruas para celebrar, pelo 11º. Ano, a luta de Zumbi e de todos os quilombolas, nesta quinta-feira (20/11). Passados mais de 126 anos da abolição inconclusa, negros e negras brasileiros enfrentam ainda obstáculos de natureza estrutural para conquistar sua plena igualdade. A seguir, transcrevemos o manifesto:
Ainda que nos últimos anos conquistássemos algumas importantes políticas públicas de inclusão racial, como as cotas nas universidades e nos concursos públicos, a Lei 10639/03, a instituição de ministério, secretarias e conselhos em âmbito federal, estadual e municipal para elaboração de políticas de igualdade racial, o racismo continua impregnado na sociedade brasileira.
O racismo expressa-se:
- pelo genocídio da juventude negra demonstrado com o crescimento de homicídios de jovens negros e negras, a maioria cometido por forças policiais.
- pelas ações de intervenção urbana que isolam as periferias das grandes cidades, condenando a maioria negra a viver em condições precárias.
- pela pouca presença de negros e negras e da agenda anti-racista nos espaços institucionais do Executivo, Legislativo e Judiciário.
- pela recusa das universidades estaduais paulistas, USP e Unicamp a implantarem sistemas de cotas.
- pela invisibilidade de negros e, principalmente, da agenda anti-racista nos meios de comunicação de massa, sem contar a visão distorcida e preconceituosa em que personagens negros e negras são retratados nos produtos midiáticos.
- pela insuficiência de recursos dos orçamentos públicos para os órgãos de combate ao racismo, pela não implantação de legislações já aprovadas de combate ao racismo, bem como as políticas de inclusão racial.
Entendemos que as causas deste racismo são estruturais. Todos os indicadores socioeconômicos demonstram que as pirâmides sociais e raciais coincidem, com brancos no topo, negros e negras na base. Em momentos de crise e estagnação econômicas, a população negra é a principal atingida. Para tanto, são necessárias reformas profundas que levem a constituição de outro modelo de sociedade, cujas instituições estejam organizadas de forma a atender as demandas da maioria da população que é negra. Diante disto, a agenda da 11ª. Marcha da Consciência Negra defende sete eixos:
1 – Reforma política
É fundamental impedir que o Poder Econômico continue interferindo sem qualquer controle nos pleitos eleitorais e na condução das instituições governamentais. É urgente uma reforma política que implante o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, combate tenaz aos “caixas dois” das campanhas, e que criem sistemas de participação direta da população na tomada de decisões e mecanismos que garantam uma maior presença de candidaturas negras nos partidos políticos com condições reais de elegibilidade. A presença das doações privadas nas campanhas tem criado uma “privatização da política” gerando uma situação favorável para relações promíscuas entre Estado e iniciativa privada, desrespeitando o princípio básico da democracia que é um governo do povo e para o povo. Plebiscito realizado em setembro por movimentos sociais demonstraram que quase 8 milhões de cidadãos defendem a reforma política.
2 – Reforma da mídia
É urgente a aprovação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Democratização da Mídia que estabelece mecanismos de impedimento do monopólio dos meios de comunicação e de controle social da comunicação. Não é possível uma democracia existir em uma sociedade em que onze famílias controlam os fluxos de informação e a produção de entretenimento, com predominância de uma empresa, a Globo. O poder da mídia constrange governos eleitos democraticamente, atua na deformação da opinião popular sobre a participação política, invisibiliza negras e negros e a agenda antirracismo, impõe as agendas do grande Capital e tem a intenção de transformar a sociedade em massa de consumidores e não cidadãos. A invisibilidade de negros e negras e da agenda anti-racista é uma das consequências do monopólio midiático.
3 – Pela desmilitarização da polícia, pelo fim dos autos de resistência e contra a redução da maioridade penal
As periferias ainda vivem em verdadeiros “estados de sítio”, com execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e invasões de domicílios sem mandados. A concepção militar das forças policiais cria um caldo de cultura favorável para tratar a população como inimiga. Os critérios raciais são aplicados na definição de suspeitos e no trato mais violento por parte dos policiais. É urgente que a polícia se desmilitarize e se torne uma força civil com mecanismos de controle social. Também é necessário acabar com o instrumento dos autos de resistência que encobrem assassinatos cometidos por policiais. Também o movimento negro é contrário a proposta de redução da maioridade penal que virou bandeira de campanha dos setores mais reacionários da sociedade. Defendemos a plena aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente para garantir as crianças, adolescentes e jovens o pleno respeito aos seus direitos.
4 – Pela destinação de mais recursos para as políticas de inclusão social
Os órgãos específicos de combate ao racismo sofrem de falta de recursos. Muitas das políticas de inclusão racial, aprovadas nos últimos anos, têm dificuldade de serem aplicadas por isto. O orçamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) de 2013 é equivalente a R$0,60 por negro e negra brasileiro. Diante disto, defendemos a criação de Fundos de Políticas de Inclusão Racial com verbas vinculadas no orçamento federal, estadual e municipal cujas aplicações serão de acordo com os planos aprovados nas conferências participativas e controlados pelos conselhos com participação do movimento negro.
5 – Implantação das leis antirracismo e de promoção da população negra
Tem se tornado comum a inobservância de decretos presidenciais, leis e direitos constitucionais no campo antirracismo e de promoção da população negra, por isso exigimos a implantação das leis federais e aprovação de estaduais correlatas: que tipifica e estabelece pena aos crimes de racismo (Lei 7.716/89 - Lei Caó), que obriga o ensino da história da África e dos afrodescendentes nas escolas (Lei 10.639/03), que institui o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), que estabelece cotas nas universidades públicas federais (Lei 12.711/12), que estabelece 20% das vagas dos concursos para os serviços públicos para negras e negros (Lei 12.990/14), que estabelecem direitos trabalhistas as empregadas domésticas (PEC 72), que oficializa o Hino à Negritude (Lei 12.981/14), que estabelece procedimentos para titulação de terras quilombolas (Decreto. 4887/2003), dentre outras.
6 – Pelo direito de expressão das religiões de matriz africana
O racismo se expressa pela perseguição sistemática as religiões de matriz africana. Casas de candomblé e terreiros de umbanda são freqüentemente atacados por grupos fanáticos, seguidores destas religiões são perseguidos, inclusive nas escolas públicas. Isto coloca em risco a noção de Estado laico e de direito a expressão religiosa.
7 – Contra o machismo e o feminicídio e a violência contra a mulher negra
Os dados do relatório do Ministério do Desenvolvimento Social de 2011 mostram das famílias cadastradas no Cadastro Único (que possibilita o recebimento do Bolsa Família), 90,3% são chefiadas por mulheres e 9,7% por homens. Entre os beneficiários do Bolsa Família, 93,1% tem a mulher como principal responsável. Dos responsáveis pelas famílias beneficiadas, 69% são negros e 30% brancos. O perfil dos jovens que nunca vão a escola: 59,87% são negros e oriundos de família chefiadas por mulheres negras. Perfil semelhante se observa nos jovens assassinados nas periferias das cidades brasileiras. Tudo isto aponta que a violência contra a mulher negra expressa nestes dados e outros mecanismos, como o feminicídio, a mortalidade materna, a violência doméstica, entre outros, retroalimenta a cadeia do racismo. Por isto, a luta pela equidade e empoderamento da mulher negra é tarefa central para a democratização efetiva da sociedade brasileira.
Estes sete pontos sintetizam a estratégia política do movimento negro, apontando para a necessidade de mudanças estruturais para que o combate ao racismo dê um salto de qualidade.
Marcha 20 de Novembro
Imprensa SEESP