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13/03/2015

Murilo Pinheiro: Os engenheiros e a luta pelo desenvolvimento

Confira o pronunciamento do presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Murilo Pinheiro, também presidente do SEESP, durante abertura do seminário “Água e energia – Enfrentar a crise e buscar o desenvolvimento”, na quinta-feria (12/3). Realizada pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), a atividade inaugurou a série de eventos que nortearão a próxima etapa do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”. Abaixo o discurso transcrito:


Foto: Beatriz Arruda/Imprensa SEESP
murilo seminario energia red
Murilo Pinheiro durante abertura do seminário da FNE, em 12/3


Desde 2006, os engenheiros brasileiros vêm dedicando grandes esforços à formulação de um programa consistente que conduza ao crescimento da economia brasileira, de modo contínuo e sustentável, aliado à melhoria das condições de vida de todos os nossos cidadãos.

É o projeto Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento que, ao longo destes mais de oito anos, tem sido capaz de promover a convergência de ideias e ações de centenas de especialistas, dos mais diversos ramos profissionais, e tem permitido que suas proposições alcancem um amplo público, desde altas autoridades públicas a lideranças empresariais, meios de comunicação, a categoria profissional dos engenheiros, o ambiente acadêmico e a sociedade em geral.

Uma premissa decisiva do Cresce Brasil é que o Brasil precisa, pode e deve crescer a taxas anuais significativas e que todas as eventuais dificuldades de um processo de crescimento acelerado não podem servir de suporte para concepções negativas, entre as quais as teses de um pequeno ”PIB potencial”, de um “inevitável” risco inflacionário intrínseco e de uma “incapacidade estrutural” de nosso setor produtivo.

Nossa preocupação constante é buscar soluções factíveis para contornar os percalços da aceleração da produção e do consumo e temos sempre insistido que as ferramentas da engenharia podem contribuir muito para isso. Esse é o sentido maior que nossa federação vê no evento que ora iniciamos – o seminário Água e energia –, sobre o qual gostaríamos de discorrer brevemente.

Queremos debater o quadro de fornecimento de dois insumos-chave, água e luz, para adotarmos uma linguagem coloquial, do ponto de vista das demandas produtivas do País e evitar, ao máximo possível, uma postura que tem preponderado, principalmente na abordagem cotidiana dos meios de comunicação: o enfoque “individual”, do consumidor doméstico, do usuário “pessoa física”.

Propomos que nossas atenções se concentrem nos aspectos estruturais das atividades de produção e distribuição de recursos hídricos e de energia elétrica e nos impactos que provocam no processo econômico do País. Nossa opinião é que, se bem formulados os desafios e as soluções “macro” para esses setores, uma das consequências automáticas será o bom atendimento, a preços razoáveis, das demandas por energia elétrica e água tratada dos lares brasileiros.

Vivemos um momento de sérias preocupações para aqueles que, como nós, estão convencidos que o único caminho viável para a superação das desigualdades sociais em nosso país e para a melhoria significativa do padrão de vida dos brasileiros é o da expansão econômica.

Como já frisamos no convite para este seminário, a Federação Nacional dos Engenheiros coloca em pauta tema que a entidade considera essencial neste cenário: a necessidade de se combater a recessão econômica, mantendo a meta do desenvolvimento, com geração de emprego e renda. Como vem defendendo a FNE, por meio do seu projeto Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento, é fundamental dotar o País da infraestrutura produtiva adequada ao crescimento, assim como desenvolver programas efetivos de eficiência energética e economia de água. No entanto, refrear a produção e as chances de o País avançar não pode ser considerada uma alternativa”.

Com a intenção explícita de situar nossas discussões sobre recursos hídricos e energia elétrica como parte integrante de um debate maior – o dos rumos da economia e da estrutura produtiva do País –, convidamos o professor Antonio Correia de Lacerda para proferir a conferência inicial Evitar a recessão no Brasil. Ele, com certeza, trará contribuições fundantes para nós e não temos nenhuma pretensão de substituí-lo nessa intervenção de abertura. Gostaríamos, no entanto, de tecer alguns comentários sobre o quadro presente e as possíveis rotas de superação.

Não se pode negar que há um mal-estar generalizado com o desempenho econômico brasileiro, particularmente nos dois últimos anos.

A expansão do consumo de massas não se dá mais no mesmo ritmo de antes. Surgem desequilíbrios sérios nas finanças públicas. A demanda interna por bens é cada vez menos suprida por oferta de produção nacional, gerando crescentes déficits de balança comercial e de pagamentos. As taxas de juros, já exageradas e crescentes, inibem o consumo e penalizam os investimentos produtivos. O descompasso cambial, associado a uma estrutura tributária excessivamente complexa e regressiva, é fator que induz a uma desindustrialização precoce e perigosa. A criação de novos empregos e o aumento do valor real dos salários começam a ser ameaçados.

Para enfrentar tais problemas, cristalizam-se, em linhas muito gerais, duas correntes.

De um lado, sob forte influência dos interesses financeiros e das concepções rentistas, há os que pregam a “austeridade”, um choque recessivo que, pela redução de salários, pelo aumento das taxas de desemprego, pela severa restrição aos investimentos públicos e pela interrupção de medidas de política industrial afirmativa, viria a “colocar a economia brasileira no ritmo que lhe é possível”.

O economista Paul Krugman, ao referir-se a tal projeto, conforme vem sendo adotado em vários países europeus, emprega uma expressão que nos parece muito adequada: é um “austericídio”.

Provoca-se, em nome de um hipotético futuro reequilibrado, uma “morte social súbita”, trazendo de volta fenômenos como os do desemprego em massa, dos salários aviltantes e da acelerada ampliação dos desníveis econômicos entre os cidadãos, cenário que vinha sendo superado por décadas em todos os países que adotavam uma relação equilibrada e profícua entre as condicionantes de mercado e as demandas da população.

Outro caminho, ao qual se filia a Federação Nacional dos Engenheiros, é o da superação das dificuldades e contradições da trilha do desenvolvimento através da contínua expansão do consumo, da produção e do investimento, inclusive estatal naqueles setores que assim o exigem.

Para nós, a solução para os problemas do crescimento é mais crescimento, e a chave para que isso se dê de modo virtuoso é um conceito muito caro aos engenheiros: nosso desafio é o da produtividade.

De imediato, queremos estabelecer um parâmetro: não se trata, como se faz nas abordagens mais ligeiras ou guiadas por interesses particulares, de focar exclusivamente a produtividade do trabalho humano. Temos que, também, analisar a urgente necessidade de ganhos na produtividade do capital.

O custo de capital no Brasil, artificialmente elevado pela prática de taxas de juros em completo descompasso com os padrões internacionais, é a primeira grande barreira a ser eliminada para ampliação da produtividade geral, seja no financiamento de estoques, no acesso a recursos de giro ou, principalmente, na redução dos custos de investimentos produtivos.

Ao mesmo tempo em que onera a operação produtiva privada, a ciranda financeira penaliza o Estado, reduzindo sua capacidade de prestação de serviços públicos, deteriorando sua possibilidade de regulação e controle e impedindo que seja executada satisfatoriamente sua tarefa de investidor, mais notadamente como provedor de infraestruturas de uso comum.

Simultaneamente, temos o dever de ampliar a produtividade do trabalho, sem que isso provoque a redução generalizada de postos de trabalho. Sensíveis melhorias no ensino formal; universalização do acesso à informação e ao conhecimento; programas sérios de treinamento e recapacitação profissional; redução da excessiva rotatividade – que desperdiça, continuamente, as competências adquiridas – são algumas das diretrizes a balizar iniciativas corretas nesse campo.

O suporte público e a disposição empresarial para a inovação, para a adoção de métodos e processos produtivos continuamente modernizados, aumentando eficiências, reduzindo desperdícios, eliminando redundâncias e baixando os custos de produção são uma frente que tem que ser abordada com seriedade e dedicação.

Alocação de recursos, públicos e privados, para pesquisa e desenvolvimento; estabelecimento de um mercado dinâmico de capital de risco; orientação do parque produtivo para a absorção das melhores práticas são elementos que permitem o aumento simultâneo de produtividade do trabalho e do capital.

Para sintetizar em um mote, “menos finanças, mais engenharia”.

Outra necessidade urgente é ampliar a produtividade na obtenção e fornecimento de insumos essenciais, como água e energia elétrica. Para tratar do tema, teremos amanhã a participação de Newton Lima de Azevedo, João Alberto Viol e João Sérgio Cordeiro. Eles certamente abordarão a questão com muito mais profundidade e exatidão do que nos cabe fazer agora. O que esboçaremos, portanto, são mais linhas de indagação e sugestões de enfoque para nossos trabalhos, através de uma singela listagem de tópicos para debate.

A escassez de chuvas nas principais regiões de produção industrial do Brasil desnudou a inter-relação entre os sistemas de fornecimento de água e energia elétrica no Brasil, já que temos a espinha dorsal de nosso sistema elétrico na geração hídrica. Isso implica reequacionamento racional da destinação da água captada, evitando conflitos de uso.

Ao mesmo tempo, as restrições naturais com que nos defrontamos – e que podem vir a se repetir no futuro – colocam em pauta o desenho de nossa estrutura de produção de energia elétrica. Temos que compatibilizar sustentabilidade ambiental, diversificação de fontes e métodos e a melhor relação custo/benefício possível. Geração térmica, eólica, solar, nuclear, entre outras, passam a exigir séria atenção.

Julgamos, também, merecer atenção especial a utilização de água pelo setor agropecuário, que é um dos fortes sustentáculos de nossa economia. A agricultura brasileira, altamente produtiva, é o maior usuário de água no País e não pode ter seu desenvolvimento interrompido. Isso demanda um esforço científico e tecnológico, nos mesmos moldes do que permitiu nosso sucesso produtivo no campo, no sentido da implantação de sistemas de irrigação de eficiência máxima.

Quanto à obtenção de água, há, também, que se estudar seriamente a viabilidade da redução da dependência do regime pluviométrico, o que implica analisar alternativas de captação de subsolos, técnicas avançadas de transposição, processos de dessalinização e métodos eficazes de reservação estratégica.

Um tema que nos parece decisivo é o da redução das perdas e dos desperdícios. Há um evidente descompasso entre os volumes de energia elétrica e água produzidos no País e o quanto efetivamente é empregado pelos usuários desses insumos. Melhorias nos sistemas de transmissão e distribuição; maior eficiência energética dos equipamentos produtivos; redes de monitoramento; adoção de métodos de reúso; processos de manutenção preventiva e corretiva são algumas das abordagens que gostaríamos de ver tratadas neste seminário.

No caso da energia elétrica, precisamos discutir intensamente dois aspectos adicionais: as políticas tarifárias e os planos de expansão das estruturas de geração, transmissão e distribuição.

A correta decisão do governo federal, de redução substancial dos custos de energia elétrica no Brasil, principalmente a destinada a fins produtivos, teve que confrontar-se com interesses setoriais os mais diversos e provocou descompassos entre “mercado livre” e as operações reguladas. Ao mesmo tempo, a necessidade, provocada pela falta de chuvas, de acionamento contínuo do parque gerador térmico, de custos bem mais elevados, operou no sentido contrário ao intencionado. A resultante desses processos é a criação de um cenário de insegurança econômica, com efeitos deletérios na formação de preços de produtos e no investimento produtivo.

Urge estabelecer políticas realistas e de longo prazo que pacifiquem o desenho tarifário e permitam o planejamento da produção.

De outra parte, é de suma importância superar gargalos – como, por exemplo, o dos descompassos entre os projetos de geração e de transmissão – e examinar, sem preconceitos, modelos como os das pequenas unidades geradoras, da cogeração a partir de biomassas e a combinação de alternativas de hidrelétricas com reservatórios e a fio de água.

Para abordar tais questões, contaremos com Paulo Pedrosa, Amilcar Guerreiro e José Aníbal, que o farão com maestria.

A Federação Nacional dos Engenheiros também gostaria de realçar o papel de multiplicador que os investimentos em água e energia elétrica têm no processo econômico. Além de sua essencialidade – pois sem um fornecimento seguro e crescente desses insumos a custos razoáveis, toda a estrutura produtiva do País fica ameaçada –, o volume de investimentos demandados pela ampliação e manutenção dos sistemas de abastecimento de eletricidade e água é uma alavanca poderosa na geração de lucros e empregos.

Setores dinâmicos como os das construções pesadas, da indústria de bens de capital, da metalurgia e de componentes eletrônicos, entre muitos outros, serão fortemente estimulados por uma política firme de segurança hídrica e energética, em um processo de sinergia positiva.

Por fim, queremos deixar um misto de alerta e sugestão: tem havido, a nosso ver, uma excessiva e má ”politização” nas discussões mais recentes sobre água e luz no Brasil. Sabemos da importância da política em qualquer sociedade democrática e avançada e não temos nenhum preconceito quanto ao seu exercício. Tampouco nos guia alguma “inocência interessada”.

Cremos, porém, que a melhor contribuição que os engenheiros podem dar para o correto tratamento desses temas é a do primado da ciência, da técnica e do interesse nacional. Portanto, convidamos todos os participantes deste seminário a deixarem de lado, ainda que momentaneamente, a busca de “culpados” ou “responsáveis”, concentrando-se no que marca nossa profissão: a busca das melhores soluções possíveis, condicionadas pela realidade, sem fantasias e com o máximo de postura cidadã.

São Paulo, 12 de março de 2015.



*Murilo Celso de Campos Pinheiro é presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) - Pronunciamento de abertura do seminário “Água e energia – Enfrentar a crise e buscar o desenvolvimento”







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