Quais espécies de peixes utilizam as praias do Litoral Paulista como criadouro? Como se desenvolvem? Elas têm crescido no passar dos anos? Essas são perguntas que deveriam estar na ponta da língua de muitos professores de Biologia, ambientalistas e pescadores, mas que, até então, seriam meros palpites. Afinal, faltava um estudo que pudesse catalogar esses animais e desse embasamento científico tanto a ações de preservação, quanto pesqueiras.
Com o intuito de preencher essa lacuna, o professor assistente de Ambientes Pelágicos e Biologia Pesqueira da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Teodoro Vaske Júnior iniciou há dois anos um estudo denominado A fauna das zonas de arrebentação nas praias do Estado de São Paulo. A primeira cidade escolhida para receber os pesquisadores foi Praia Grande, por ter mar aberto.
Estudos como esse existem em vários estados brasileiros, mas eram muito superficiais em São Paulo. Segundo Vaske, a ideia de ir às zonas de arrebentação (ponto do mar onde as ondas quebram) é encontrar os peixes que utilizam esse espaço como área de criadouro e de proteção. Afinal, por ser uma zona de turbulências, as espécies ficam mais protegidas de predadores.
“Nós utilizamos picarés, que são redes com 10 metros de comprimento e 2 metros de altura, com malha de 4 mm. É uma malha pequena justamente para pegar os peixes menores das zonas de arrebentação”, relata o pesquisador. Nos últimos dois anos, a cada bimestre foram feitas duas coletas, sendo uma noturna e uma diurna.
Para saber o ponto exato, é preciso conferir o nível de turbulência do mar. Com isso, a equipe – formada principalmente por alunos – se orienta no mar pelo número de ondas que quebram. Com algumas fotografias instantâneas, os pesquisadores fazem as contas: quando as águas estão calmas, há no máximo duas ondas na zona de arrebentação. Se ele estiver agitado, esse número pode chegar a dez.
“A nossa área de estudo geralmente é de 30 metros mar adentro, com água rasa, na altura do joelho ou da cintura, entre a segunda e a quarta onda quebrando. Fazemos um arrasto de cinco minutos e estendemos a rede na praia. Uma equipe de no mínimo 10 alunos ajuda na coleta, que é colocada em sacos plásticos e levada ao laboratório”.
Até o momento, foram detectadas 25 espécies de peixes, sendo a maioria de valor comercial. “Isso significa que quando esses peixes forem adultos, com certeza se tornarão alvo de pesca”, explica.
Baiacus, linguados e larvas de peixes oceânicos foram as espécies que mais surpreenderam até então, por não serem tão habituais na região litoral. De todos os inusitados, porém, um chama a atenção: um tipo de manjubinha que acreditava- se ter como limite sul o Rio de Janeiro, mas, agora, revelou-se estar presente no Litoral Paulista. Por outro lado, cada arrasto traz consigo muitos pampos, tainhas, betaras, bagres, guaiviras e sardinhas, além de bolachas do mar e siris. Nada é descartado na praia.
Abundância
A quantidade de peixes varia bastante de um dia para o outro. À noite, sempre há mais abundância de animais. As pesquisas já renderam aos estudantes Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) e publicações em congressos. A pretensão é que em breve sejam utilizadas também pelas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que devem monitorar essas regiões.
O trabalho em Praia Grande sempre é feito no mesmo ponto, na altura do Campo da Aviação. Em meados de abril acontece a última etapa no Município. A partir do meio do ano, o novo destino será Peruíbe. Na sequência, será a vez do Litoral Norte, com a possibilidade de estudos em Ubatuba ou Caraguatatuba.
Preservação é o maior segredo
O principal legado desses estudos na zona de arrebentação é a possibilidade de monitorar o desenvolvimento das espécies. Ou, como prefere resumir o professor da Unesp Teodoro Vaske Júnior, o grande produto final da pesquisa é promover a preservação.
“Fala-se muito em preservar. É uma palavra em moda. Mas, se chegasse alguém para perguntar os peixes que temos aqui, não saberíamos responder. Como preservar assim? Esse levantamento que temos feito vai ajudar nisso e poderá se transformar em uma base de dados permanente, para que daqui a 15 ou 20 anos possamos saber se houve interferência humana, por exemplo”.
O fato de a maior parte dos peixes encontrados em Praia Grande serem peixes comerciais gera uma divisão de reações. Se por um lado é uma boa notícia, pela capacidade de exploração de pesca que esses animais podem gerar no futuro, por outro, acende o sinal de alerta em razão da crescente poluição nas praias.
“Amanhã, essas espécies serão peixes adultos sendo consumidos pelas pessoas. Isso quer dizer que o impacto da poluição na zona de arrebentação pode interferir no futuro da sociedade. Se a poluição for crescente, o alimento de amanhã estará contaminado. Isso é uma realidade que já acontece em regiões de estuário, mas que ainda pode ser combatida em locais de mar aberto”.
Para os alunos, porém, a pesquisa já trouxe resultados concretos bem antes, em suas formações acadêmicas.
“O fato de irmos a cada dois meses (fazer a coleta no mar) ajuda a ter uma visão de como a quantidade de peixes pode mudar em um curto período. Sabemos que isso pode estar ligado à atividade pesqueira, mas também à poluição. Por isso, é muito importante que esse trabalho tenha sequência”, diz Caroline Bizarre Randi, de 21 anos, desde o começo envolvida no projeto.
Fonte: Por Victor Miranda/Jornal A Tribuna