Jefferson Nascimento de Oliveira é professor do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia, Câmpus de Ilha Solteira, e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Unidade. Desde 2013 é presidente da Câmara Técnica de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Atua na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em gerenciamento de recursos hídricos, águas subterrâneas e drenagem urbana. O especialista foi entrevistado pelo Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (IPPRI/Unesp) para alertar sobre a escassez de água. O especial está disponível neste link.
IPPRI/Unesp – Embora a falta de chuvas tenha exposto o problema de gestão hídrica no Estado de São Paulo, sabemos que a questão é nacional. Como o senhor analisa a gestão de recursos hídricos no Brasil?
Oliveira – Nossa relação com a água não é sadia. Precisamos mudar nossa consciência em relação aos recursos hídricos. Acomodamo-nos com a noção de sermos os maiores detentores de água doce do mundo e essa questão cultural é prejudicial. A ONU (Organização das Nações Unidas) aplica o conceito de “escassez econômica de água” para algumas bacias hidrográficas no Brasil. Isto é, existe água em determinadas regiões, porém faltam recursos para tratá-la e distribuí-la. Já é situação de escassez a água disponível para a região metropolitana de São Paulo.
O grande risco são as soluções imediatistas. Na crise, falam-se em dessalinizar água do mar. Não é assim que funciona. Em geral, o problema nasce pequeno e, se não são tomadas iniciativas para solucioná-lo, vira transtorno. São Paulo e o país todo têm problemas de falta de água.
Os estudos apontam não haver estresse hídrico quando existe a disponibilidade de 1,7 mil m³ ou mais de água por habitante/ano. Menos do que 500 m³ de água por habitante/ano a situação é de estresse hídrico. Agora observe, segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos relativo a 2012-2015, a Região Metropolitana de São Paulo dispõe de 140 m³ de água por habitante/ano, chegando a 110 m³ de água por habitante/ano, na bacia do Alto Tiête.
IPPRI/Unesp – Especialistas dizem que o país possui modernas leis de gerenciamento de recursos hídricos, destacando a gestão por bacia hidrográfica. O que impede a aplicação desses instrumentos legais?
Oliveira – Não adianta termos leis modernas e bem elaboradas se elas não forem implementadas de forma correta. Elas devem ser aplicadas conjuntamente entre os entes institucionais. Os organismos devem conversar entre si, evitar choque de interesses e procurar equacionar a disputa pela água. Há cerca de 43 mil famílias envolvidas com disputa pela água no país. A aplicação correta das leis minimizaria o problema de produção e consumo dessa matéria prima.
IPPRI/Unesp – O que significa “exportação virtual da água”?
Oliveira – O Brasil é grande exportador de commodities. Entre as principais, soja e minérios. Para serem produzidas, elas necessitam de água em abundância. O problema é que poucos Estados brasileiros cobram pela água explorada de seus mananciais por falta de implementação da lei de tarifação. Portanto, a extração é gratuita. Mesmo onde é cobrada, como na Bacia do PCJ em São Paulo – rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – o preço é ínfimo. Cerca de R$ 0,0118 por m³. A água não está embutida no preço da commodity. O fato de não ser cobrada gera desperdício.
IPPRI/Unesp – Há formas de evitar isso?
Oliveira – Uma forma é parar de sermos meros exportadores de matéria prima. Modificar a nossa matriz exportadora para manufaturados ou semi-faturados, gerando valor agregado aos produtos e reduzindo o impacto hídrico.
IPPRI/Unesp – Qual a falha mais importante na gestão dos recursos hídricos no Brasil?
Oliveira – O país precisa repensar sua maneira de gerenciar esses recursos, a começar pela imposição de tarifa adequada pelo uso da água. Assim evitaria o mau uso.
IPPRI/Unesp – Em artigo para o Portal Unesp o senhor cita que o preço da água tratada no Brasil é inferior aos praticados pela telefonia móvel. E mais ainda, em muitos lugares há celulares, porém falta tratamento de esgoto e água. Como explicar esse fato?
Oliveira – As prioridades estão invertidas em nosso país. O grande valor não é mais a educação. Água tratada é saúde. O Rio Grande do Norte coleta 21,15% de esgoto e trata 21,09%. O Rio Grande do Sul, com status de desenvolvido, coleta 29,15% de esgoto, mas só trata 12,58%. Há um descaso para com as necessidades fundamentais do cidadão.
IPPRI/Unesp – Como acredita ser possível conscientizar para a preservação das fontes de água e seu uso sustentável?
Oliveira – Integrando a população com suas demandas. Fazê-la cobrar as metas propostas para a gestão dos recursos hídricos junto aos órgãos gestores. Perdemos a década da água, proposta da ONU para o período de 2005 a 2015. Ao invés de aproveitarmos o incentivo, os problemas se agravaram.
Fonte: Assessoria de Comunicação e Imprensa do Ippri/Unesp