Soraya Misleh
O Brasil precisa rever a distribuição de suas despesas. Quem afirma é o engenheiro e consultor Amir Khair, especialista em finanças públicas. Ex-secretário municipal de Finanças de São Paulo na gestão Erundina (1989-1992), ele desmistifica nesta entrevista a ideia corrente de que os gastos públicos no País são elevados. Segundo ele, o que ocorre é que boa parcela dos recursos é destinada ao pagamento de juros e sobra menos para investimento e custeio – portanto, à promoção do desenvolvimento sustentável com inclusão social.
Os gastos públicos são realmente elevados no Brasil?
Não, estão muito aquém das necessidades do País. O próprio conceito de gasto não existe, eu uso o de despesa pública, que pode ser classificada em três grupos: custeio, juros e investimentos. Temos um déficit enorme tanto na questão social quanto de infraestrutura e, em oposição, uma despesa jogada no lixo que se chama juros, os quais, nos últimos anos, têm ficado por volta de 5,4% do PIB (Produto Interno Bruto). Na América Latina, estão em torno de 1,6%; nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que são os mais ricos, 1,8%. O Brasil tem essa anomalia em sua economia. Se se reduzisse essa despesa com juros, sobrariam mais recursos para gastar com custeio e investimento, hoje respectivamente cerca de 28% e 3% do PIB.
O que precisa corrigir então?
O Governo Federal deve cerca de R$ 1,6 trilhão perante o mercado. Mas o que está errado não é o nível, que é até razoável, está por volta de 40% do PIB. É a taxa de juros que incide sobre essa dívida, que é a Selic, a mais alta do mundo em termos reais, mais que o dobro do segundo colocado, a África do Sul. Não dá para um país suportar isso e pagar as tais despesas que são essenciais ao seu desenvolvimento.
E o argumento de necessidade de atrelar reforma tributária ao ajuste nos gastos públicos?
O que deve regular a despesa pública é a Constituição do País, que estabelece os deveres do Estado perante a sociedade. A carga tributária, que no Brasil situa-se em 34%, está vinculada a essas obrigações, mas não é usada integralmente, subtraem-se os juros. Daí, sobram cerca de 28% para custeio. Na Europa, está por volta de 40%, tiram-se 2% para juros, tem-se 38%. Há uma diferença muito grande. O problema não está nessa pauta colocada pelos setores mais liberais, que querem a diminuição do Estado. Eles olham o tamanho, não a distribuição, e é essa que interessa. A reforma tributária deveria se preocupar com quem paga a conta do Governo, que em geral é a população mais pobre. Quem recebe até dois salários mínimos paga cerca de 49% do seu ganho em tributos; quem ganha acima de 30, paga apenas 26%. Há uma injustiça tributária.
Há aqueles que alegam que os serviços públicos são muito ruins e que é preciso reduzir os gastos, que não se justificariam. Não seria o caso de melhorar sua eficiência, ao invés de diminuir essas despesas?
Além de melhorar o serviço, que é uma obrigação, a gente precisa racionalizar e priorizar a despesa pública, tornando-a mais eficiente, e dar a pancada imediata nos juros.
Nada justifica que o Copom (Comitê de Política Monetária) eleve a taxa de juros?
De jeito nenhum. O Copom melhorou muito em relação ao Governo FHC, em que a média na taxa deu 24%; agora vai dar por volta de 12%. Mas os países emergentes, numa situação semelhante a nossa, podem trabalhar com 5%. Se reduzir dos 10,75% atuais para 5%, tem-se uma economia de 3% do PIB.
O que tem que mudar então é essa estrutura?
Essa estrutura, nas duas pontas, na captação e na aplicação. A outra é como vou distribuir melhor e mais esse dinheiro na base da pirâmide social. Hoje isso acontece em escala insuficiente. Houve avanços, mas resta muito ainda.
As transferências de renda pesam nesse sentido?
Pesam. A transferência principal é a Previdência Social, que está atingindo neste ano R$ 254 bilhões, o que representa 7,1% do PIB. Depois tem o bolsa-família, o benefício de prestação continuada e outros programas sociais cuja soma é pequena. Se fizesse uma economia em juros de 3%, eu jogaria esse percentual na área social. É um dinheiro que é injeção na veia do consumo e volta consequentemente para produção e crescimento econômico.
Essa seria uma das grandes questões a serem enfrentadas pelo futuro Presidente da República?
Vejo como elementos estratégicos para um desenvolvimento socioeconômico a continuidade dessa política de botar dinheiro na base da pirâmide, o fortalecimento do papel do Estado na economia e a redução rápida da taxa de juros para sobrar mais recursos. Essa é questão prioritária, na minha opinião, a primeira medida a ser enfrentada pelo novo Governo.